Aileen Lee, fundadora do CowboyVC cunhou de
"Unicórnios" empresas "mágicas e raras", startups
(usualmente sem longo histórico de resultados comprovados), com avaliações de
mais de US$ 1,0 bilhão. De acordo com a CB Insights, existem hoje 764
Unicórnios no mundo, entre elas Decacórnios (avaliadas em mais de US$10
bilhões) e Hectocórnios (avaliadas em mais de US$100 bilhões), a maioria em
setores de tecnologia (fintechs, softwares, IA e e-commerce).
A onda chegou por aqui em 2018, com a 99
tornando-se o primeiro Unicórnio brasileiro, seguido por mais 15
empresas: Movile, PagSeguro, Nubank, Stone, Ifood, Loggi, Gympass, Quinto
Andar, Ebanx, Wildlife, Loft, VTEX, Creditas, Hotmart e MadeiraMadeira.
Recentemente o Nubank captou US$ 750 milhões, seu valor de mercado passou para
US$30 bilhões, valendo quase metade do valor do Itaú (apesar de possuir
carteira de credito equivalente a 1,5% da carteira do Itaú). Essa rodada teve
como principal investidora a Berkshire Hathaway (US$ 500 milhões).
Com o aumento significativo na oferta de capital e
fundos brigando por bons investimentos, em vez de startups competirem para
atrair capital, os fundos passaram a competir para financiar startups,
suportando fluxos de caixa negativos e oferecendo avaliações cada vez mais
elevadas. Eu me pergunto se os cotistas destes fundos que alocam recursos
nessas startups estão totalmente cientes dos riscos que seus gestores correm.
Será que análises fundamentalistas que comprovam a
sustentabilidade das empresas, com premissas razoáveis e realistas, estão sendo
consideradas antes da aquisição de participações (na maioria das vezes posições
minoritárias, por centenas de milhões de dólares)? Alguns argumentam que tais
avaliações são insustentáveis, são bolhas, com preços dos ativos baseados em
visões implausíveis ou inconsistentes.
O frenesi dos investidores em relação a essas
empresas está bem mais relacionado ao medo de ficar para trás (perder o bonde)
do que em relação aos fundamentos em si. É como o bolão pra Megasena, você
entra para, caso seus amigos ganhem, você ganhar junto e não ficar de fora. Só
que neste caso, o bilhete custa bem mais caro. Bill Gurley (Forbes
Midas List) disse que "investidores desesperadamente temerosos de
perder a aquisição de posições acionárias em possíveis empresas 'Unicórnio',
basicamente abandonaram sua análise de risco tradicional."
As avaliações dessas empresas podem até se provar
realistas no longo prazo, e não estou discutindo a qualidade das ideias,
tecnologias disruptivas, capacidade dos gestores ou modelos de negócios. O que
me pergunto é se isso é aposta ou investimento racional.
Se você investe num negócio esperando obter retorno
apenas se outro investidor comprar sua participação, em rodadas subsequentes,
com avaliações maiores, sem que o negócio em si te proporcione resultados
dentro de um prazo razoável (fluxo de caixa livre para o acionista), na minha
visão essa tese é especulativa e não baseada em criação de valor.
Unicórnios têm valores implícitos, baseados em
rodadas de captações privadas, com diferentes classes de ações (as vezes cinco
ou mais). Muitos investidores não percebem que algumas ações possuem garantias
extras, como preferência em caso de liquidação, e isso muda totalmente a
relação de risco e retorno. O fluxo de transações nesses Unicórnios é quase
sempre o mesmo. Venda de participação dos fundadores para fundos de venture
capital, em seguida para fundos de private equity
(PEs) que, à medida que precisam dar liquidez aos seus investidores, buscam
listar as empresas em bolsa.
Ocorre que muitos Unicórnios têm perdido valor ao
tornarem-se empresas listadas, uma vez que suas avaliações passam a ser
comparáveis a outras empresas do setor, por vezes passando a valerem menos do
que as últimas rodadas privadas de captação, prejudicando a performance de
fundos que apostaram nessas supervalorizações em detrimento à geração de caixa.
Cada vez menos os mercados públicos estão “comprando” altas avaliações do
mercado privado, fazendo com que os Unicórnios permaneçam privados por mais tempo,
não por escolha, mas para evitar a realização do prejuízo pelos fundos.
Cito o emblemático caso do WeWork que em setembro
de 2019 cancelou seu pedido já protocolado de IPO, pois o mercado não comprou a
avaliação de US$ 50 bilhões, mesmo com o Softbank tendo entrado nesse patamar,
uma vez que o modelo de negócios não parece ser sustentável, e queima US$ 700
milhões de caixa por trimestre. Faço um paralelo com algumas empresas que,
mesmo possuindo estoques sucateados, não os vendem, mantendo um balanço patrimonial
mais bonito, sem reconhecer as perdas.
As características comuns dessas startups são novos
modelos de negócios ainda não comprovados (veja o caso da Yellow- Grin, com
bicicletas e patinetes, que caiu no gosto dos brasileiros e meses depois
simplesmente desapareceu do mercado, pedindo recuperação judicial e com ativos
indo a leilão), receitas ainda incipientes, aquisição subsidiada de clientes,
elevados investimentos em marketing e divulgação e geração negativa de caixa,
suportada por rodadas e rodadas de aportes.
Apresento uma curta análise sobre alguns Unicórnios
que morreram: Evernote (app de anotações cujo produto tornou-se obsoleto),
Zynga (criadora da FarmVille, IPO valendo US$ 7,0 bilhões em 2011, liquidou os
ativos em 2019 por US$ 600 milhões), Powa Technologies (e-commerce,
US$3,5 bilhões captados em 2013 e pedido de falência em 2016, causado por má
gestão financeira), Quibi (levantou US$ 1,0 bilhão em 2018, lançou seu
streaming em 2020 e fechou meses depois por perda massiva de assinantes),
Theranos (avaliada em US$ 10 bilhões em 2015, e executivos processados por
fraude pela SEC em 2018, por enganarem os investidores com tecnologias não
existentes).
Até onde se justificam as avaliações? Qual custo de
reposição da tecnologia ou de construção do modelo de negócios por um
concorrente, quando e se esse negócio se tornar viável?
Faz sentido subsidiar a criação de um modelo novo,
investindo um caminhão de dinheiro para educar os consumidores sobre como
utilizar uma nova tecnologia, e, quando finalmente o negócio estiver
comprovado, custar 1/10 desse valor para montar outra empresa do zero (uma vez
que o capital de giro para suportar anos sem geração de caixa não precisaria
ser empregado)?
Por que o investidor então pagaria um “ágio” elevado
para uma empresa que pode ser replicada? Existe a vantagem de ser o primeiro,
sem dúvidas, mas, certamente surgirão o segundo, terceiro, quarto, o capital
empregado provavelmente não será recuperado, e alguém vai pagar essa conta.
Quando falamos nos Unicórnios de hoje, olhamos as
empresas que, até o momento, pelo menos do ponto de vista de avaliação (e não
de performance), deram certo. Como serão tratadas essas empresas quando
começarem a perder performance? Como se reestrutura uma startup? Simplesmente aciona-se
o stop-loss
e provisiona-se a perda, apostando que os 5% do portfólio (que poderão dar
certo) vão compensar?
O que a maioria dos Unicórnios ainda precisa
demonstrar é a capacidade de converter clientes em receitas, com margens
positivas, gerando lucros operacionais que superem os fluxos de investimentos
necessários para manter a inovação, a captação de clientes e o interesse do
público. Ainda, que essa geração de caixa seja tal que amortize todo o
investimento já realizado e proporcione um payback adequado ao risco tomado pelos
investidores.
Existem hoje 13 mil startups e 16 Unicórnios no
Brasil. Estou ansioso para ver como serão os próximos capítulos dessas
empresas, quantos novos Unicórnios surgirão e quantos dos atuais terão sucesso
nos próximos anos. Espero que todos! Para o bem dos acionistas, dos
investidores, dos gestores de fundos e da sociedade em geral, pois a maioria
dessas startups proporciona melhor experiência ao cliente final e inclusão
social.
Estevão Seccatto Rocha - professor de Turnaround na
FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia
(Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia (Singularty University),
mestrando (University of Liverpool). Foi head global de M&A da Atento
(NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX , diretor da G4S (LSE) e
associado no private equity Artesia. Assessorou mais de uma centena de
empresas.
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