Das várias reformas que o Brasil precisa para voltar a se desenvolver e propiciar uma vida digna aos seus 213 milhões de habitantes, talvez a mais urgente seja a tributária. Isso porque, ao optar por tributar fortemente o consumo, e não a renda/capital, o País escolheu o caminho errado. Essa sinuosa estrada arrecadadora não é nada segura e sacrifica o bolso dos mais pobres. Representa a aceleração das desigualdades ladeira abaixo.
Hoje a tributação sobre o consumo responde por 41%
a 44% do total da arrecadação tributária. Praticamente metade disso advém da
tributação sobre a renda: de 21% a 23%. Nos Estados Unidos, a maior economia do
mundo, ocorre exatamente o inverso: a tributação sobre a renda responde por 44%
da arrecadação total e apenas 18% são resultado do consumo. No Japão, essa
relação é de 49% para 19%. Outros países de economia forte também adotam
tributação maior sobre a renda do que sobre o consumo, como Holanda, Reino
Unido, Itália e Canadá.
Esta é uma das origens do aprofundamento das
desigualdades sociais brasileiras, uma verdadeira fábrica de pobreza. Basta
conferir a incidência de tributos em alguns gêneros de produtos de primeira
necessidade: 24,02% na água encanada tratada por concessionária, 48,28% na
energia elétrica, 30,15% na linha de telefone celular, 22,79% no óleo
comestível, 26,80% na carne de frango, 16,30% no macarrão. Uma geladeira tem
46,21% em impostos no preço final. Uma vassoura, 34,27%.
Programas de distribuição de vale gás e de
absorvente higiênico não seriam necessários se o governo federal simplesmente
reduzisse os tributos sobre esses produtos – hoje de 34,04% e 34,48%,
respectivamente -, tornando-os mais acessíveis à população de baixa renda.
O atual sistema tributário, injusto e regressivo, é
responsável – juntamente com outras causas – pela situação de penúria da
maioria da população brasileira. Como exemplo, um trabalhador com remuneração
mensal de dois salários-mínimos, devolve todo mês aos governos federal,
estadual e municipal no mínimo R$ 386,82 em tributos. Esse cálculo envolve as
alíquotas sobre água, energia elétrica, gás de cozinha, alimentação básica,
telefone celular, produtos de higiene e limpeza, vestuário, material escolar e
medicamentos. Nesse cálculo básico, 28,27% dos rendimentos desse trabalhador
vão, compulsoriamente, para os cofres públicos.
Essa carga tributária é um fardo pesado para o
trabalhador carregar. Em 2020, o total de impostos pagos anualmente por um
brasileiro correspondia ao rendimento de 151 dias de seu trabalho. O que
significa dizer que nossos cidadãos trabalham cinco dos 12 meses do ano apenas
para pagar impostos.
É preciso rever também a questão dos gastos
tributários, que somam nada menos do que 15% do total arrecadado. Somente os
gastos tributários da União representam 3,91% do PIB nacional.
Como agravante, temos a irresponsabilidade na
concessão de benefícios fiscais, com muita generosidade e sem prazo
determinado, sem regressividade ao longo do tempo e sem nenhum mecanismo de
avaliação prática que se tornou comum ao longo do tempo, somando, por mais de
uma década renúncia de R$ 287 bilhões/ano pela União (Fonte:
SRF/LDO’s e CONFAZ), e mais R$ 50 bilhões/ano pelos estados, neste
caso, o correspondente a 0,72% do PIB nacional. Tudo isso em tolerado
descumprimento à legislação brasileira (Constituição Federal de 1988 e Leis
Complementares).
Esse quadro deixa claro que o Brasil se transformou
em um manicômio tributário. O País está preso em sua própria camisa-de-força, o
que impede seu desenvolvimento. E a conta dessa loucura quem paga é a
população, especialmente a mais pobre, justamente a mais necessitada.
Samuel Hanan - engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração
de empresas e finanças, empresário e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002)
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