Nova espécie de água-viva descrita para o Brasil, Aurelia cebimarensis foi nomeada em homenagem ao Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar) e pode ser encontrada na praia onde ficam as instalações do centro, em São Sebastião (foto: Alvaro Migotto)
Com diâmetro que pode variar entre dez e 46 centímetros – do tamanho de um prato de sobremesa, podendo chegar ao de um disco de vinil – as águas-vivas do gênero Aurelia são transparentes e têm aspecto gelatinoso. Podem ser encontradas em ambientes costeiros no mundo todo e, até recentemente, eram reconhecidas como pertencentes a sete espécies. Mas um estudo que reuniu pesquisadores de Brasil, Argentina e Estados Unidos elevou esse número para 28.
As descrições são essenciais para
novas investigações sobre o gênero, um dos mais estudados entre as águas-vivas.
A delimitação das espécies também contribui para estratégias de conservação em
meio às alterações ambientais causadas pelas mudanças no clima. Os resultados
foram divulgados na revista PeerJ.
“A proposta inicial era tentar
entender o que estava acontecendo com esses animais no litoral brasileiro, mas
acabou se expandindo quando tive a possibilidade de analisar animais do mundo
inteiro. Ficou claro que a questão era mais complexa, pois demandava entender o
contexto global antes de estabelecer as espécies que ocorriam no Brasil”,
conta Jonathan Lawley,
primeiro autor do estudo, realizado durante seu mestrado no Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com bolsa da FAPESP.
Parte do trabalho foi conduzida no
Museu Nacional de História Natural da Smithsonian Institution, nos Estados
Unidos, também com apoio da FAPESP. Em
Washington, Lawley pôde analisar a grande coleção do museu, composta de animais
coletados no mundo inteiro.
Além
disso, na Smithsonian, ele recebeu exemplares depositados em outras
instituições norte-americanas. Em outra viagem, analisou ainda espécimes do
Museu de Zoologia da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca. O pesquisador
percebeu que a diferenciação era impossível comparando apenas características
morfológicas dos animais, muitos sem nenhuma diferença entre si. Análises
genéticas mostraram, contudo, que se tratavam de espécies diferentes.
“Estudar águas-vivas não é fácil.
Primeiro, porque são animais que possuem apenas uma estrutura dura no corpo.
Então, é muito difícil que o corpo dele se mantenha no longo prazo para
podermos fazer medidas. Além disso, são animais gelatinosos, que podem encolher
até 40% do volume com a preservação, já que contêm muita água. Outro fator
importante é que algumas espécies são muito parecidas entre si”, explica André Morandini, professor do
IB-USP e vice-diretor do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar), também da USP.
O trabalho integra o projeto “Reconhecendo a diversidade de águas-vivas (Medusozoa,
Rhopaliophora)”, apoiado pela FAPESP e coordenado por
Morandini.
Genética
O estudo contribui para um debate que
dura mais de 200 anos sobre quantas espécies compreendem o gênero de
águas-vivas Aurelia. A primeira a ser
reconhecida pela taxonomia moderna de Carl von Linné (1707-1778) foi Aurelia aurita, descrita pelo próprio Linné em 1758.
Outras descrições vieram, elevando de
oito para 13 espécies, com algumas sendo descritas e outras invalidadas. Até o
começo dos anos 2000, três eram aceitas como válidas além de A. aurita: A. labiata, que tem
uma boca característica, que lembra um lábio humano; A. limbata, do Ártico, com bordas amarronzadas, e A. marginalis, que ocorre no Golfo do México e no leste
dos Estados Unidos.
Com o uso de ferramentas de genética,
foram reconhecidas mais três espécies em 2016, todas no Mediterrâneo: A. coerulea, A. relicta e A. solida. Outras foram delimitadas usando informações
de marcadores moleculares, mas não foram descritas formalmente, pois não
contavam com dados morfológicos suficientes para serem comparados aos
genéticos.
No estudo
atual, foram combinadas informações da morfologia e de quatro marcadores
moleculares, tanto do DNA mitocondrial quanto do nuclear. Por vezes, a
diferença foi de apenas 5% do genoma.
Respondendo à pergunta inicial de
Lawley, são três as espécies na costa brasileira, antes identificadas como uma
única: A. aurita. Uma ganhou o nome de A. insularia, e pode ser encontrada principalmente em
ilhas do Sudeste e Sul do Brasil, como Ilha Grande (RJ), além de Key Largo, na
Flórida.
A. mianzani homenageia o pesquisador argentino Hermes W. Mianzan (1957-2014),
que coletou alguns dos espécimes que tiveram o DNA sequenciado e que contribuiu
significativamente para os estudos de águas-vivas no Atlântico Sudoeste. Pode
ser encontrada na Praia do Segredo, em São Sebastião (SP), e na Bahía
Samborombón, em Buenos Aires, na Argentina.
A. cebimarensis, por sua vez, ganhou esse nome em homenagem ao Centro de Biologia
Marinha da USP, ao qual estão ligados os pesquisadores brasileiros envolvidos
no estudo. O exemplar que serve como referência para a descrição foi encontrado
na Ponta do Baleeiro, na Praia do Cabelo Gordo, onde o centro está localizado,
em São Sebastião. A espécie provavelmente habita a maior parte da costa
brasileira.
Outras duas espécies descritas em
homenagem a cientistas da área foram A. montyi (referência
a William “Monty” Graham, do
Instituto de Oceanografia da Flórida) e A. miyakei (um
tributo a Hiroshi Miyake, da Universidade Kitasato, no Japão).
A. rara, A. ayla, A. smithsoniana, A. columbia e A. malayensis completam
as dez novas espécies agora nomeadas. Três que haviam sido descritas no século
19 e uma no 18, e posteriormente invalidadas, foram revalidadas: A. clausa, A. dubia, A. persea e A. hyalina. Sete
outras permanecem sem descrição formal, uma vez que só estão disponíveis dados
genéticos e não há caracterização morfológica.
“Nosso
estudo reconhece a diversidade do gênero e vai ajudar a mostrar, por exemplo,
como cada uma delas responde a determinados processos, quais são de uma
localidade e quais são espécies introduzidas, entre outras questões”,
exemplifica Lawley, que atualmente realiza doutorado na Griffith University, na
Austrália.
“Temos em laboratório exemplares que
vivem a 30 oC e outros a 10 oC. Agora sabemos que não é a mesma espécie. Um dos
desdobramentos desse estudo já em curso é estudar os padrões de reprodução para
verificar como as diferentes espécies respondem a variações ambientais e como
isso será influenciado por alterações associadas às mudanças climáticas”,
afirma Morandini, coautor do World Atlas of Jellyfish,
lançado em 2019.
O estudo tem apoio da FAPESP ainda
por meio de outro projeto, coordenado por Sérgio Stampar,
professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista
(FCL-Unesp), em Assis, e de uma bolsa de pós-doutorado
concedida a Maximiliano Maronna, do
IB-USP. Ambos são coautores do trabalho.
O artigo The importance of molecular characters when morphological
variability hinders diagnosability: systematics of the moon jellyfish genus
Aurelia (Cnidaria: Scyphozoa) pode ser lido em: https://peerj.com/articles/11954/.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/nova-descricao-aumenta-de-sete-para-28-o-numero-de-especies-conhecidas-de-genero-de-aguas-vivas/37297/
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