Hoje em dia os
beneficiários de planos de saúde particulares, ao precisarem realizar
tratamentos que não estejam incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar), caso não consigam a liberação de forma administrativa, em 95% dos
casos recebem esse aval via decisão judicial.
O usuário tem o
amparo da lei 9.656/98 , que dispõe sobre
planos e seguros saúde e determina cobertura obrigatória para as doenças
listadas na CID 10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e de
Problemas Relacionados à Saúde, que trata-se de uma relação de enfermidades
catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial de Saúde.
E porque esse acesso
ao tratamento é conseguido em quase 100% dos casos? Porque o rol de
procedimentos da ANS estabelece o mínimo obrigatório que as operadoras de saúde
devem cobrir, como determinou a Resolução Nº 10, de 3 de Novembro de 1998, que
dispôs sobre a elaboração do rol de procedimentos e eventos em saúde que
constituem referência básica, e fixa as diretrizes para a cobertura
assistencial.
Assim, apesar do
problema enfrentado pelos usuários com negativas das operadoras - que muitas
vezes insistem em negar atendimento alegando que, se tal procedimento não
constar no rol, não têm a obrigação de o custear- a situação é facilmente
revertida no Judiciário, que em todo o país tem o entendimento quase pacificado
de que o rol é exemplificativo, e não taxativo.
É importante
ressaltar que uma listagem emitida por órgão regulador não pode se sobrepor à
lei 9.656/98, nem ao Código de Defesa do Consumidor - ou seja, não pode limitar
o que a lei não restringiu. A autonomia do médico em prescrever o tratamento
mais adequado também é fundamental. Isso significa que o médico é o responsável
pela orientação terapêutica, de forma que se a enfermidade demanda tratamento
específico, não é porque não está no rol que não deve ser custeado.
Ameaça por decisão
do STJ
Contudo, essas
conquistas estão ameaçadas pelo STJ - Superior Tribunal de Justiça, que está
votando se o rol deve ser considerado taxativo ou exemplificativo.
No dia 16 de
setembro, o relator da ação, o ministro Luis Felipe Salomão, votou pela
natureza taxativa do rol de procedimentos da ANS, sustentando que a elaboração
do rol tem o objetivo de "proteger os beneficiários de planos, assegurando
a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, a pertinência dos
procedimentos médicos e a avaliação dos impactos financeiros para o
setor".
Entretanto, o
relator levantou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma
operadora a cobrir procedimentos não previstos expressamente pela ANS- como
terapias que têm recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina e
possuem comprovada eficiência para tratamentos específicos. O ministro também
considerou possível a adoção de exceções nos casos de medicamentos relacionados
ao tratamento do câncer e de prescrição off label - quando o remédio é usado
para um tratamento não previsto na bula.
Salomão destacou que
a Lei 9.961/2000, que criou a ANS, estabeleceu a competência da agência para a
elaboração do rol de procedimentos de cobertura obrigatória. Ele também apontou
que a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), em seu artigo 10º, parágrafo 4º - cuja redação mais
recente foi dada pela Medida Provisória 1.067/2021 -, prevê que a amplitude das
coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de
procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela
ANS.
Em seu voto, Salomão
ressaltou que a Resolução Normativa 470/2021, que entrará em vigor em outubro
próximo, fixa o rito para a atualização do rol de procedimentos e eventos em
saúde. Para a atualização da listagem atual (Resolução ANS 465/2021) - segundo
o relator -, foi realizada ampla consulta pública, que resultou na incorporação
de 69 novos procedimentos. O julgamento foi adiado por causa do pedido de vista
da ministra Nancy Andrighi, e o julgamento não tem data definida.
Rol da ANS x
direitos do consumidor
Na prática, o que
acontecerá se o STF decidir a favor da natureza taxativa do rol da ANS é que,
para tudo aquilo que não estiver expressamente inserido no rol, o consumidor
terá que procurar o SUS ou, ainda, pagar de forma particular. Ou seja, o
paciente pagará uma mensalidade caríssima de plano de saúde e tudo aquilo que
estiver fora do rol ainda terá que custear à parte, ou aguardar a assistência
do SUS.
Para termos ideia,
no caso do tratamento para o autismo, por exemplo, isso será totalmente
inviável de duas formas, pois, na via particular, o tratamento não custa menos
de R$ 10 mil mensais e, pelo SUS, quando se consegue as terapias, são sessões
que duram apenas 15 minutos, uma vez por semana. Ou seja, a legislação que
determina a integralidade do tratamento não será cumprida, e esses pacientes
não terão a devida assistência.
Entre esses
tratamentos estão a terapia ABA, assim como o método DENVER, ou
psicomotricidade, fisioterapia com método cuevas medek, fonoaudiologia com
método prompt e pecs e tantos outros tipos de terapias, sem falar no home care.
Tratamento
oncológico entre outros
Além disso, a
decisão deve afetar os tratamentos oncológicos, onde somente medicamentos
expressamente indicados no rol serão cobertos, assim, por exemplo, para aquele
paciente que tiver alergia ao componente da quimio que consta no rol e precisar
se tratar com outra medicação terá que pagar o valor de R$ 40.000 (quarenta mil
reais) por uma única caixa do medicamento.
Os tratamentos e
cirurgias cardíacas, o botox para enxaqueca, a bomba de infusão de insulina
para diabetes e tantos outros recursos para as mais diversas patologias que
hoje o paciente consegue o custeio do plano de saúde - ainda que por meio de
ação judicial- também não serão mais custeados se o STJ votar pela taxatividade
do rol.
Infelizmente, a
decisão a favor da taxatividade só irá favorecer e aumentar os lucros das
operadoras de planos de saúde, que continuarão cobrando valores altos dos
clientes, com reajustes ilegais, e para qualquer tratamento que estiver fora do
rol, o consumidor terá que pagar de forma particular ou entrar na fila do SUS.
Uma decisão do STJ
aprovando a taxatividade será um grande retrocesso para todos, especialmente
para os beneficiários de planos de saúde. Cabe a todos nós, como sociedade,
exigir que nossos direitos já garantidos por lei não sejam perdidos.
Dra. Tatiana Viola de Queiroz - Advogada, sócia fundadora do Viola &
Queiroz Advogados, escritório especialista em autismo, É Pós Graduada e
especialista no Transtorno do Espectro Autista pela CBI of Miami, Pós Graduada
e especialista em Direito Médico e da Saúde, em Direito do Consumidor, em
Direito Bancário e em Direito Empresarial. Membro Efetivo da Comissão de
Direito Médico e da Saúde da OAB São Paulo.
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