Pesquisadores estudam como utilizar a blockchain, banco de dados compartilhado e imutável, para garantir a integridade das informações e reduzir cibercrimes
De repente, seu celular toca. O visor indica um número estranho,
mas você atende por imaginar que receberá notícias de um familiar internado há
alguns dias no hospital. Do outro lado da linha, alguém se apresenta como
integrante da equipe médica e informa que você precisará efetuar um depósito
para a realização de certo exame urgente fora da cobertura do SUS. Assim começa
um golpe que já fez vítimas em cidades como São Carlos, Araraquara,
Fernandópolis e Itajubá, e que motivou pesquisadores do Instituto de Ciências
Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, a buscar maneiras de
aumentar a segurança da informação na área da saúde utilizando blockchain, um
banco de dados compartilhado e imutável.
“Li em jornais e assisti a várias reportagens na TV sobre esse
golpe”, relata Jó
Ueyama, professor do ICMC que tem orientado diversas pesquisas na área de
proteção de dados. “Nesse caso, os golpistas tiveram acesso ao nome do
familiar, ao número do celular e ao procedimento. Com a blockchain, podemos
rastrear quem acessou, que horas e para qual finalidade. Assim, é possível
identificar quem repassou os dados para os golpistas, além de incentivar o
acesso com maior responsabilidade”.
Ueyama explica que o vazamento de informações de pacientes da Unimed, em 2019, também serviu de
estímulo para os estudos, assim como o aumento de ataques de cibercriminosos a
hospitais e empresas de saúde durante a pandemia. De acordo com o último
relatório da IBM Security, o setor foi o sétimo mais atacado por hackers no
mundo, somando 6,6% dos golpes em 2020, quando o FBI chegou a emitir alertas
e uma mulher de 78 anos faleceu na Alemanha após ter sua
ambulância desviada porque o hospital para o qual seria enviada estava sob
ataque virtual.
Na prática – “Hoje, o próprio responsável pela área de tecnologia da informação
de um hospital pode alterar a base de dados, o servidor central pode
sobrecarregar e, em caso de ataque, os dados podem ficar indisponíveis. Com a
blockchain, temos um centro de dados distribuído, não um único ponto de falha”,
afirma Rodrigo Dutra Garcia, mestrando em Ciência de Computação e
Matemática Computacional no ICMC.
Como uma corrente cronológica de blocos de dados, a blockchain não
possui uma entidade central para regular a adição de informações e diferentes
participantes da rede podem consultar as inclusões. Cada novo bloco só pode ser
incluído após o cumprimento de regras específicas e, se alguém tenta adulterar
os dados, um “efeito avalanche” destrói a cadeia. Esse mecanismo impede fraudes
ao garantir a confiabilidade dos dados, mas, como prevê a disponibilidade das
informações para outros integrantes da rede, requer ajustes em relação à
privacidade. E foi justamente esse o foco da dissertação de mestrado de Erikson Júlio
de Aguiar. Ele propôs um modelo de compartilhamento de imagens médicas
usando a blockchain acrescida de uma camada de anonimização.
“Imagens médicas são dados muito utilizados para a extração de conhecimento e auxiliam na tomada de decisão médica a partir de diagnósticos mais acurados”, justifica Aguiar. O problema é que essas imagens e seus metadados – conjunto de informações sobre a foto, como detalhes técnicos, horário e local de captura –, quando cruzados com informações disponíveis em sistemas com dados públicos, podem permitir a identificação dos pacientes. “A blockchain provê a pseudo-privacidade que, para algumas aplicações, como bitcoin, pode ser interessante. Para a área da saúde, no entanto, isso não é suficiente devido à sensibilidade dos dados. Assim, é necessário combinar outros métodos para melhorar a privacidade”, complementa.
Outra aplicação possível está ligada à prescrição de medicamentos,
tema da pesquisa que Garcia desenvolve em parceria com o professor Gowri Ramachandran, da Queensland University of
Technology, na Austrália. A tecnologia blockchain permite que médico,
paciente e farmacêutico tenham acesso digital à receita e garante a
inviolabilidade do documento. Pelo modelo, o paciente tem acesso a seu
histórico sempre que quiser, enquanto os profissionais podem consultar essas
informações apenas na prescrição ou na venda. A ideia, com a permissão ao
acesso pontual, é evitar vendas em duplicidade e dificultar a comercialização
de quantidades erradas, já que a inclusão da transação na cadeia fica
condicionada à adequação à receita. “Não adianta ser amigo de alguém do
hospital ou o farmacêutico querer vender duas caixas no lugar de uma”,
exemplifica Ueyama.
Desafios – Como uma tecnologia nova, a blockchain traz desafios. A
falta de capacitação e de padrões universais; o custo e tempo necessários para
o processamento descentralizado das informações e a aceitação da ausência de um
único centro de armazenamento são alguns deles, mas os pesquisadores estão
confiantes em seu potencial. “Se essa solução se adaptar, resolveremos parte
dos problemas de comunicação entre hospitais, médicos e pacientes”, finaliza
Garcia.
Stefhanie Piovezan - para a Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário