Segundo especialistas da Rede Santa Catarina, a
adoção de determinados hábitos no regime de trabalho à distância pode
contribuir para o surgimento de diferentes
problemas físicos e psicológicos, que podem ser prevenidos com atenção, cuidado
e disciplina
Um levantamento
divulgado pelo Ipea, em 2020, identificou que cerca de 7,3 milhões de
brasileiros trabalham remotamente, contabilizando cerca de 9,1% da população
ocupada e não afastada. Em adição, dados de uma das maiores plataformas de
busca de vagas do país demonstraram que, no ano passado, as ofertas de trabalho
para regimes flexíveis aumentaram 309%. Com a adoção a longo prazo do
home-office, a Rede Santa Catarina alerta sobre os novos hábitos que podem
levar a incidência de complicações físicas e psicológicas envolvendo áreas do
corpo.
Visão
A exposição por
longos períodos a monitores está entre as principais mudanças de hábito
adotadas no trabalho à distância e, segundo Dr. Victor Cvintal, oftalmologista
do Hospital Santa Catarina - Paulista, esta prática pode levar a determinadas
repercussões oculares. "A utilização dos monitores leva a uma eventual
diminuição na frequência do piscar dos olhos e isso pode acarretar uma
instabilidade da qualidade de visão", adiciona o Dr. Cvintal. O especialista
aponta que este fenômeno diminui a lubrificação dos globos oculares e, por
isso, sintomas como a secura e ardor podem surgir como consequência.
Além disso, quando
utilizados por períodos prolongados, estes dispositivos podem, até mesmo,
alterar determinados aspectos da visão como a capacidade de enxergar de perto
e, nas crianças, estimulam a miopia. Quando o assunto é a prevenção deste
desconforto, o especialista recomenda um piscar voluntário ocasional para
garantir um nível de lubrificação adequado, além do uso de lubrificantes para
estabilizar a lágrima, pausas a cada 20 minutos no trabalho, evitando o uso da
visão para perto por 20 segundos, e atividades diárias ao sol. É importante
lembrar que a posição do monitor é fundamental para a saúde ocular: a pessoa deve
estar sentada a um braço de distância, com o monitor ligeiramente abaixo da
linha dos olhos, e seu brilho não deve competir com a luz ambiente.
Ergonomia
e sedentarismo
A falta de atividades
físicas e a adoção de determinadas posições inadequadas no trabalho à distância
também são fatores que levantam certa preocupação em relação aos cuidados
durante o home-office. O cenário pandêmico eliminou temporariamente a
necessidade de locomoção ao trabalho que, para muitos, envolvia breves
caminhadas que contribuem para a manutenção do sistema musculoesquelético.
De acordo com o Dr.
Renato Sorpreso, ortopedista do Hospital Santa Catarina - Paulista, além da
extinção destes pequenos momentos de atividade física, a utilização de
ambientes residenciais como escritório gera situações ergonomicamente
desfavoráveis. "A posição sentada é a mais adotada nos ambientes de
trabalho, porém a manutenção prolongada deste hábito ocasiona a adoção de
posturas inadequadas e a sobrecarga de determinadas estruturas corporais, o que
pode levar à dores no pescoço, lombar, dorsal, braço, antebraço, mãos, entre
outras regiões. Por isso, permanecer sentado por longos períodos trabalhando no
computador é uma das principais causas das dores posturais durante o
home-office", salienta o especialista. Para prevenir esse possível
mal-estar e compensar a falta de exercício, o Dr. Sorpreso recomenda a adoção
de uma rotina de atividades físicas na proporção de 5 a 7 dias por semana,
acumulando 210 a 400 minutos no período indicado.
Lesões
em membros superiores
De acordo com o médico
coordenador do serviço de cirurgia da mão da Casa de Saúde São José, Adalto
Lima, o número de pacientes com problemas nos membros superiores decorrentes do
excessivo volume de trabalho e falta de estrutura adequada ainda é grande,
podendo resultar até mesmo em casos cirúrgicos. Segundo ele, houve um aumento
significativo, cerca de 40%, na incidência de tendinopatias em membros
superiores devido ao home office.
"É fundamental
ter uma atenção especial em relação à ergonomia, pois a falta de cuidados gera
posições viciosas que afetam a carga tendinosa, causando dor, dormência e perda
da capacidade funcional. A pausa para o cafezinho era um momento importante na
rotina do escritório, mas isso não acontece no home office, ao contrário, a
carga de trabalho tem sido maior e quando há essa pausa, acabamos fazendo
alguma tarefa doméstica", explica.
Outra questão que
também tem sido frequente nos consultórios é o estresse e fadiga muscular,
problema que também aumentou durante a pandemia, especialmente no punho e nas
mãos. De acordo com Lima, a diminuição dos cuidados médicos durante esse
período, aliada à redução dos exercícios físicos e ao aumento da ansiedade,
geram um estresse e um aumento de esforço, causando o desconforto e a dor. Como
forma de prevenir lesões e até eventuais tratamentos cirúrgicos, o cirurgião da
mão recomenda alongamentos, fortalecimento muscular, ajuste nas posições
ergonômicas, divisão adequada na carga de trabalho e de funções domésticas e
avaliação periódica do médico especialista. "O ajuste da estação de
trabalho é fundamental, assim como a prática de exercícios laborais. Ao
surgirem sintomas, não se automedique. Procure um profissional de Saúde para
avaliação", alerta o médico.
Alimentação
Quando o assunto é a
alimentação durante o trabalho a distância, surge um alerta em relação ao
consumo excessivo de determinados tipos de carboidrato. Os chamados
carboidratos simples, que incluem mel, açúcar, xarope de milho e farinhas são os
que mais merecem atenção no dia a dia, pois são práticos e, ao contrário dos
carboidratos complexos, não possuem um nível relevante de nutrientes, vitaminas
e fibras. Uma pesquisa conduzida em 2020 pela Fiocruz demonstrou que o consumo
de doces e chocolates, que fazem parte deste grupo alimentício, aumentou 63%
entre jovens adultos em meio à pandemia.
Segundo o Dr.
Ricardo Rienzo, endocrinologista do Hospital Santa Catarina - Paulista, uma das
primeiras repercussões da ingestão exacerbada desta categoria alimentícia é o
risco de aumento das triglicérides, que contribuem para o armazenamento de
energia. "Quando os triglicerídeos se encontram em alto nível no sangue, a
probabilidade para o desenvolvimento de doenças cardíacas aumenta",
completa o Dr. Rienzo. Entre as ações que podem ser adotadas para evitar o
desenvolvimento de complicações relacionadas a este fenômeno estão a prática de
atividades físicas e a manutenção de uma dieta balanceada, garantindo que os
carboidratos respondam por, no máximo, 60% das refeições individuais. No caso
dos açúcares, a Organização Mundial da Saúde recomenda que estes devem compor
5% das refeições. Segundo o especialista, anotar os hábitos alimentícios pode
contribuir para este monitoramento.
Cardiopatias
Vale notar que o
sistema cardiovascular também pode ser impactado pelos hábitos desenvolvidos
nesta nova modalidade de trabalho e, por isso, os cuidados relacionados ao
coração são de extrema relevância neste cenário. Embora o regime de home-office
contribua positivamente para evitar a circulação de pessoas na rua em meio à
pandemia, a permanência em casa por longos períodos pode levar ao sedentarismo,
facilitando a incidência de complicações que geram maior vulnerabilidade frente
às cardiopatias.
Para o Dr. Nilton
Carneiro, cardiologista do Hospital Santa Catarina - Paulista, esta inatividade
pode levar ao sobrepeso, descontrole dos níveis de pressão arterial, glicemia e
colesterol. "Todos estes itens são fatores de risco para desfechos cardiológicos
mais graves como infarto, arritmia ou acidente vascular cerebral. Vale notar
que além da falta de exercícios, o trabalho à distância pode causar a mudança
de certos hábitos dietéticos que devem ser monitorados, pois o consumo em
excesso de determinados alimentos também pode incitar o surgimento de
complicações desta natureza", completa. Em relação à prevenção destas
condições, o especialista indica uma rotina organizada, que contemple a prática
de atividades físicas e, além disso, uma dieta balanceada, monitorando o
consumo de bebida alcoólica e alimentos gordurosos. O Dr. Carneiro também
indica a utilização de recursos digitais para o agendamento de consultas
periódicas, por meio da telemedicina, que pode ser utilizada para diversas
especialidades, inclusive a Cardiologia.
Saúde
mental
Além das
repercussões físicas, a permanência no regime de home-office por longos
períodos, sem atenção para os cuidados adequados, pode facilitar a incidência
de comorbidades psicológicas. A chefe da equipe de psicologia do Hospital Santa
Catarina - Paulista, Giovana Rossi Lenzi, aponta que este fenômeno causa uma
sensação de confinamento e, por isso, é comum que indivíduos submetidos a estas
circunstâncias apresentem quadros de estresse agudo.
"Por permanecerem em um único ambiente, acabam
trabalhando com uma carga horária superior em comparação com o cenário
pré-pandemia, gerando um esgotamento maior. Muitas pessoas alteram a rotina de
sono e alimentação, o que impacta diretamente no estado de saúde física e
emocional, e na produção de hormônios que regularizam e geram bem-estar no
organismo", adiciona. Para prevenir estas complicações, a especialista
recomenda a manutenção de uma rotina regrada, com foco no equilíbrio entre
atividades profissionais e recreativas, além da adoção de estratégias de
autocuidado. "Também é indicado a segmentação de determinados ambientes no
espaço residencial, a fim de separar e organizar fisicamente, e mentalmente, as
tarefas laborais dos momentos de trabalho, lazer e descanso. Desta forma, torna-se
mais simples atingir certa harmonia na hora de investir tempo em atividades
distintas", finaliza.
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