Você já pensou como era a sua cidade muito antes de ser uma
cidade? Quais animais andavam por onde hoje trafegam carros, ônibus e
motocicletas? Que tipo de vegetação era dominante, ou quais povos habitavam a
região? Vista do Parque Barigui, em Curitiba / Foto: Rafael Duarte - Pixabay
As áreas urbanas, hoje ocupadas por ruas, avenidas, casas,
comércios movimentados, onde vivem 70% dos habitantes do planeta, nem sempre
foram assim. A maioria das cidades do mundo nasceu às margens dos rios e hoje
convive com eles: Paris e o Rio Sena; Londres e o Rio Tâmisa; Porto Alegre e o
Rio Guaíba; e São Paulo, que cresceu entre os rios Pinheiros e Tietê. Suas
águas eram utilizadas para suprir todas as necessidades da população, como
abastecimento, pesca, transporte, limpeza, dessedentação de animais e
lazer.
Quantos de nós ainda lembram de tomar banho de rio, apenas
algumas décadas atrás? Isso mostra a nossa dependência em relação ao serviço
ecossistêmico mais precioso do mundo: a água limpa. Nossas cidades foram
construídas por cima de um ambiente natural e até hoje vemos reflexos desta
ocupação, muitas vezes realizada sem planejamento. As cidades se desenvolveram
à margem dos rios e depois os esconderam, buscando em cursos d’água mais
longínquos aquilo que seu berço não mais conseguia prover.
Em momentos de chuvas intensas, é muito comum que os rios,
escondidos, despercebidos, embaixo daquela avenida tão movimentada,
transbordem. É então que seus habitantes se dão conta de que ainda estão ali,
vivos, dinâmicos, pulsando sob o asfalto. Em momentos de secas e estiagens
severas, nos lembramos que existe água debaixo da terra: aumenta o número de
poços artesianos perfurados e a preocupação sobre um futuro com escassez hídrica.
Mas essa preocupação normalmente é lavada pela primeira chuva que traz de volta
outros problemas, como os resíduos descartados sem o devido cuidado, que
entopem bueiros e assim atrapalham que a água das chuvas chegue em seu destino
natural... o rio, que está ali, canalizado, seguindo seu fluxo.
Muitas cidades já estão percebendo que não adianta lutar
contra a força da natureza. Não adianta canalizar rios, cortar árvores,
impermeabilizar todo o solo, e então torcer pela quantidade de chuva adequada e
por temperaturas mais amenas. A crise climática que bate à nossa porta tem como
uma de suas principais consequências a alteração nos padrões de chuva. As
tendências de impactos da mudança do clima variam muito de uma região para
outra, mas de forma geral, podemos perceber eventos climáticos mais extremos,
como chuvas intensas ocorrendo com maior frequência e estiagens mais
prolongadas. As cidades costeiras têm preocupações adicionais, como o aumento
do nível do mar, a intrusão salina (invasão de água salgada no lençol freático)
e a maior frequência de tempestades mais fortes, que podem se tornar ciclones
ou furacões.
Muitas localidades já usam a força e a sabedoria da natureza
a seu favor. Na cidade de Rio Cheonggyecheon, Coreia do Sul, em um curto espaço
de tempo, o rio que cruza a área central foi revitalizado. Um projeto complexo
foi necessário, com a implosão de um enorme viaduto de concreto e o estímulo ao
uso do transporte público. Como recompensa, hoje o rio é habitado por peixes,
possui cascatas e parques lineares em seu entorno e se transformou em novo
ponto turístico.
No Brasil, Recife (PE) já está colocando em prática o
projeto de revitalização do Rio Capibaribe, com planejamento urbano integrado a
Soluções Baseadas na Natureza. O rio que divide a cidade, vai passar a ser
ponto de encontro e orgulho para seus moradores. Em Curitiba (PR), o Rio
Barigui apresenta diversos parques em suas margens, sendo o mais famoso – o
Parque Barigui – criado na década de 1970 sob a justificativa de que seu lago
servisse como bacia de contenção de cheias. Hoje é o parque mais amado da
capital paranaense e uma avaliação de retorno de investimento, realizada pela
prefeitura em parceria com a Fundação Grupo Boticário, identificou que a cada
R$ 1 investido no local, retornam para a cidade R$ 12,50.
É preciso que as cidades façam as pazes com seus rios e
reconheçam ali a grandiosidade da vida e enormes oportunidades de transformação
social. Grandes metrópoles do mundo têm nos cursos d’água seu cartão postal,
contando com a paisagem do entorno dos rios para gerar oportunidades de
negócios, lazer, turismo e recreação para a população. Crises são oportunidades
e a crise climática pode ser uma boa chance para que as áreas urbanas se
reconciliem com seus recursos hídricos.
Juliana Baladelli Ribeiro - especialista em Soluções baseadas na Natureza na Fundação Grupo Boticário
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