Enquanto o Pantanal sofre com as queimadas e médicos-veterinários e zootecnistas estão na linha de frente resgatando animais atingidos pelos incêndios, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) aprova o Plano Nacional de Contingência de Desastres em Massa Envolvendo Animais para dar suporte à conduta de quem está em campo. O documento traz orientações para a atuação dos profissionais em cenários dessa natureza, com diretrizes de como conduzir o resgate, a assistência veterinária, a manutenção e a destinação de animais domésticos e silvestres. A Decisão nº 1/2020 foi publicada no Diário Oficial da União de hoje (5).
O plano é resultado do Grupo de Trabalho de Desastres em
Massa Envolvendo Animais (GTDM), composto por médicos-veterinários
que trabalharam em ações de perícia ou resgate de fauna em Brumadinho (MG),
quando rompeu a barragem de rejeitos de mineração do Córrego do Feijão, em
janeiro de 2019, entre outros desastres.
O grupo será transformado em uma
comissão permanente do CFMV para dar continuidade ao trabalho. “Vamos apoiar
ações na resposta e na prevenção dos próximos desastres, que geram impactos
para a sociedade, com implicações na saúde pública, na economia e no emocional
da população atingida, especialmente dos animais que são vulneráveis e pagam
muito caro, sejam eles de companhia, de produção ou silvestres”, diz Francisco
Cavalcanti, presidente do conselho.
“O fim do trabalho do grupo é só o
início de tudo. O plano é um começo, mas cada desastre terá suas peculiaridades
e impactos”, afirma Laiza Bonela, presidente do GT. Ela alerta ainda que com
grandes poderes também chegam grandes responsabilidades, e que agora os
médicos-veterinários precisam se preparar para ser convocados. “Queremos
capacitar os CRMVs para capilarizar o conhecimento e descentralizar a atuação
em ocorrências de desastres, sem a necessidade de deslocar equipes de outros
estados”, planeja. Para divulgar as ações, Laiza participa de live no perfil
oficial do jornal O
Estado de S. Paulo no Instagram (@estadao), nesta terça-feira, dia 6 de
outubro, às 18h.
O Plano
A construção do conteúdo foi possível
observando e documentando as dificuldades enfrentadas em desastres nacionais
ocorridos desde 2011, com as enchentes e deslizamentos de Nova Friburgo no Rio
de Janeiro, passando pelos rompimentos de barragens em Mariana (2015) e
Brumadinho (2019), em Minas Gerais, até chegar em 2020, com os incêndios no
Pantanal.
Assim como as pessoas, os animais
também são vítimas de incidentes e é necessário que recebam a devida atenção,
seguindo protocolos éticos, legais, sanitários, sociais e ambientais. Com o
conteúdo do plano, espera-se que as ações de resgate de animais em situações de
desastres em massa possam ser oficialmente reconhecidas e incorporadas à
atuação dos órgãos e instituições responsáveis pelo atendimento a cenários de
crise.
O resgate técnico de animais em
cenários de desastres envolve planejamento e, ao mesmo tempo, exige celeridade.
Para facilitar a conduta dos profissionais, o plano destaca oito passos a serem
observados visando à saúde e o bem-estar do animal, especificando planos de
resgate e acolhimento de bois, cavalos, porcos, coelhos, cães, gatos, aves,
peixes e roedores domésticos. Envolve desde assistência no local, com água,
alimentação, medicação e preparação do animal (alguns necessitam até de
sedação) até o transporte e desembarque no destino, em abrigos temporários.
Na parte operacional, além de orientar
sobre diagnóstico inicial, planos de ação, composição e reuniões de equipes, o
plano também define prioridades e estratégias para assistência de animais. O
documento aborda casos passíveis de eutanásia previsto em legislação e orienta
a condução das perícias de local de crime, o que inclui coletar cadáveres,
vestígios biológicos e químicos e preservar a cadeia de custódia, mantendo a
idoneidade dos vestígios desde o seu reconhecimento e coleta até a sua
utilização pela Justiça como elemento probatório.
Destaca a legislação pertinente e a
contribuição da Medicina Veterinária Legal para esclarecer causas, dinâmica e
autoria de crimes, haja vista que animais vivos e mortos em situações de
desastres podem representar informações importantes para a investigação
policial e pericial. De forma complementar, entra em necropsia forense, medidas
de biossegurança e equipamentos de proteção individual, imunização dos
trabalhadores e voluntários, plano de gerenciamento de resíduos de serviço de
saúde e zonas de trabalho. Trata também do Sistema de Comando de Incidente,
estrutura hierárquica para organizar as atribuições de responsabilidades dos
órgãos oficiais e suas atuações durante o atendimento a um desastre.
O plano vai além e descreve como deve
ser o sistema de documentação para atendimentos médico-veterinários na rotina
de abrigos temporários para animais resgatados e indica como lidar com a
destinação dos animais domésticos para lar temporário, adoção ou reintegração
com o tutor.
Pantanal
De acordo com o presidente do CRMV-MT,
ao menos 35 médicos-veterinários trabalharam no Pantanal desde que começaram os
incêndios, e mais de 50 animais resgatados já foram tratados e devolvidos à
natureza. O regional trabalhou no suporte aos profissionais e promoveu
campanhas de arrecadação de utensílios, medicamentos e alimentação para os
animais.
Em momentos de desastres, as equipes
envolvidas se deparam com um ambiente caótico e complexo, o que requer ação
coordenada e integrada de múltiplas agências, visando à mitigação do sofrimento
e dos danos. Segundo Silva, não foi diferente no Pantanal, onde a maior
dificuldade foi controlar o acesso das pessoas à área afetada, que é muito
extensa. “Pela preocupação de calamidade nacional, muitos queriam ajudar, mas
sem estrutura e sem treinamento, [isso] se tornava até perigoso. O plano chega
em momento oportuno para auxiliar como conduzir os atendimentos em episódios
como esse”, opina.
Já no Mato Grosso do Sul, Piva disse
que a articulação foi mais rápida por terem médicos-veterinários nas estruturas
da administração pública. “Quando começamos a agir, tivemos todo o suporte do
governo do estado e pudemos ser protagonistas, unidos tecnicamente aos demais
grupos, fortalecendo a atuação da Medicina Veterinária nas estruturas de
resgate”, destaca.
Neste momento, o CRMV-MS contribui
para a elaboração do Estatuto do Pantanal, com a expectativa de legislação e
estruturas que possam subsidiar de forma articulada outras situações dessa
natureza. O documento foi proposto pela Comissão Temporária do Pantanal
(CTEPantanal) do Senado Federal. Na sexta-feira (2), uma comitiva do Senado,
capitaneada pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT), que é médico-veterinário,
foi ao município de Corumbá (MS) para acompanhar os trabalhos na região mais
afetada pelas queimadas.
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