Os dias parecem estar contados para o TikTok nos Estados Unidos. Caso o aplicativo não seja comprado por uma empresa estadunidense, como a Microsoft, que já negocia a aquisição, poderá ser banido do país no próximo mês, como determinou o presidente Donald Trump. Em comunicado, o TikTok disse que a decisão foi emitida "sem o devido processo legal".
O conflito velado entre Estados Unidos e China pela
hegemonia mundial já dura décadas. Parte dos bastidores da chamada Cyberwar foi
desnudada pelo analista de sistemas e ex-agente da CIA Edward Snowden e o
fundador do WikiLeaks Julian Assenge. Certamente, o conflito envolvendo o
TIkTok é mais um desdobramento dessa guerra virtual envolvendo os dois países.
A recente decisão de Trump envolvendo o aplicativo,
que já soma mais de 800 milhões de usuários ativos mensais, foi vista por
muitos como uma medida autoritária. É um tema delicado porque envolve uma
alegação de ameaça à Segurança Nacional, na visão do governo estadunidense.
Autoridades defendem que cidadãos americanos estão sendo monitorados e tendo
dados coletados pela ByteDance, startup chinesa detentora do aplicativo. Porém,
é preciso lembrar que Facebook, Google, Amazon, entre outras empresas
americanas, também têm acesso a dados de usuários em todo o mundo e jamais
houve por parte de autoridades estrangeiras a atitude de banimento ora
cogitada.
Há de se pontuar, também, o recente revés sofrido
por Trump a partir de um movimento organizado pelo TikTok. Usuários do país
teriam feito um ato contra o presidente ao se inscreverem para um comício em
Tulsa, Oklahoma, e não comparecerem. As imagens do evento praticamente vazio
repercutiram no mundo todo, para o constrangimento do líder americano.
Do ponto de vista da liberdade dos cidadãos
americanos, o banimento do TikTok representa, no mínimo, um contrassenso –
afinal, os Estados Unidos são ou não são a terra dos livres (ou “the
land of the free”), como bradam em seu hino nacional?
Como o aplicativo é utilizado por jovens, pode
haver inclusive uma reação contrária e a rede social ganhar até mais usuários,
a exemplo da mobilização que resultou no esvaziamento de um comício. Caso haja
ordem judicial determinando a paralização do serviço, provavelmente haverá uma
batalha judicial, e, eventualmente, pode ocorrer uma derrota do presidente
Trump. A situação é complexa porque Segurança Nacional e liberdade são temas
que mobilizam a opinião pública, dois valores basilares para a Democracia
Americana.
Outro ponto importante é que, como os Estados
Unidos desempenham um papel importante na economia global, certamente poderão
influenciar outras nações a tomar a mesma decisão de banir, ou, como
contrapartida, incentivar retaliações a empresas americanas em outras partes do
mundo, especialmente na Europa, onde o Facebook é frequentemente demandado nas
cortes da União Europeia por questões de violação de privacidade, por exemplo.
No Brasil, entretanto, acredito que dificilmente poderá haver consequências
para os usuários.
Tecnicamente, é possível eliminar o acesso ao
aplicativo de todo o território americano, ao obrigar serviços e provedores
locais a bloqueá-lo. Isso exigiria uma força-tarefa muito bem estruturada e
operando full-time. Portanto, as chances de o banimento dar certo são
pequenas.
Governos de todo o mundo vão a reboque da
tecnologia. Há tempos, todos os Estados enquanto instituições no mundo vivem em
crise por não conseguirem, salvo exceções, garantir o bem-estar social à maioria
dos cidadãos. Em razão disso, posturas e visões assíncronas com a realidade dos
fatos serão inócuas, especialmente quando tomadas à guisa de atos voluntariosos
e à revelia de debate e consenso com as forças e poderes políticos. Por
conectar as pessoas de modo direto e democrático nas redes sociais, a
tecnologia esvaziou o poder antes exercido por grupos específicos, sendo o
poder político, talvez, o que mais precisa se adaptar a essa nova realidade, no
que tange à construção de ideias e projetos com a população.
Sendo banido ou não, uma consequência é certa: o
presidente Trump sairá desgastado do episódio. Em verdade, hoje, qualquer
Estado do mundo possui limitado controle sobre a internet, a tecnologia. Se
conseguir banir o aplicativo, a democracia americana sairá arranhada do
episódio. Lembrando uma célebre frase da Dama De Ferro, Margaret Thatcher,
“estar no poder é como ser uma dama: se você tiver que lembrar as pessoas que
você é, você não é.” Reconhecer essa vulnerabilidade é essencial para saber as
guerras que podem ser lutadas - e vencidas - e como se posicionar no jogo.
Dane
Avanzi - empresário, advogado e Diretor do Grupo Avanzi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário