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segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

BR-163: A epopeia de uma estrada quase sem fim


Depois 43 anos abandonada, BR-163 é completamente pavimentada no trecho que liga Mato Grosso ao Pará. Rodovia é corredor estratégico para exportação de grãos


Havia um alvoroço nacionalista quando o presidente Emílio Garrastazu Médici anunciou, em 1971, a estratégia de unir o Brasil continental de Norte ao Sul. “Integrar para não entregar” era o slogan que norteava a construção da BR-163. Começava, assim, uma epopeia que inexplicavelmente se estenderia por 43 anos desde a sua inauguração, em 20 de outubro de 1976. A BR-163 se tornaria uma rodovia sem fim, desacreditada e abandonada por sucessivos 10 presidentes (de Ernesto Geisel a Michel Temer). Virou um pesadelo para governadores, prefeitos, produtores, moradores e investidores. 


A história interrompida ganhou um ponto final no dia 28 de novembro deste ano. Anunciada nos meses de 2019 como uma das grandes obras do governo Jair Bolsonaro, a conclusão da BR-163, finalmente, foi consolidada numa força-tarefa entre o Departamento Nacional de Trânsito (DNIT) e o Exército Brasileiro. 

Está completamente pavimentado o corredor de grãos que liga Mato Grosso ao Pará.  A obra, no entanto, deve ser oficialmente inaugurada em dezembro. Faltam a capa final do asfalto, o acostamento e a pintura das faixas. 

 “Com orgulho, comunico a conclusão do asfalto da BR-163 até Miritituba (PA). No carnaval, em nome do presidente Jair Bolsonaro, prometi a caminhoneiros numa fila de 50 km por conta da lama, que seria a última vez que passariam por aquilo. 
O Exército e o DNIT cumpriram a missão”, comemorou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, em seu Twitter.  Nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro também comemorou a notícia, destacando a diminuição nos custos de exportação dos produtos agrícolas. "Essa obra é no coração do agronegócio e vai diminuir os custos de exportação."


Tarcísio de Freitas, aponta que, agora, a distância para os mercados consumidores da Ásia e da Europa encurtou. “Seremos mais competitivos e vamos diminuir o custo para o produtor. É mais dinheiro que sobra para novos investimentos e mais empregos gerados. Inserimos o Brasil de novo como um grande player mundial, principalmente, no agronegócio”. 

O facho de luz sobre a então abandonada BR-163 foi lançado no começo de 2019. Em ação interministerial, o governo federal anunciou a conclusão do trecho paraense da BR-163. A obra fazia parte de um plano maior de infraestrutura de escoamento de grãos do estado de Mato Grosso (há nove anos, recordista nacional de safra). Trata-se do Arco Norte, definido pelo Executivo como um plano estratégico que compreende portos ou estações de transbordos dos estados de Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão. “A logística do escoamento da safra de grãos do Mato Grosso até o Porto de Miritituba (PA) é um gargalo da infraestrutura do País e terá nossa atenção a curto (Operação Radar), médio (conclusão da BR-163) e longo prazo (Ferrogrão)”, explicou Tarcísio de Freitas. 




OPERAÇÃO RADAR
 

 
Encerrada em maio deste ano, a Operação Radar instalou bases operacionais e três trechos da BR-163, nos pontos críticos localizados entre os municípios paraenses de Novo Progresso e Moraes Almeida. “Organizamos essa grande operação para evitar a formação de filas e permitir que o escoamento chegue tranquilamente aos portos do Arco Norte que crescem cada vez mais”, comemorou o ministro da Infraestrutura.

Iniciada em 2 de dezembro de 2018, a Operação Radar implantou sinalização específica para o controle do tráfego, mobilizando 900 pessoas de equipes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e do Exército. Foram 40 veículos e equipamentos especiais, como picapes, retroescavadeiras, contêineres, caminhões carroceria, caminhões tanque, tratores agrícolas, motoniveladoras, escavadeiras hidráulicas e cavalos mecânicos com reboque.

 

BR EM MOVIMENTO 



A finalização da Operação Radar desembocou na conclusão da BR-163. Dos 707,4 quilômetros da BR-163/PA, faltavam 51 quilômetros a serem asfaltados, divididos em dois lotes: três quilômetros, na Vila do Caracol, sob a responsabilidade da Construtora Agrienge; e 48 quilômetros em Moraes de Almeida, sob responsabilidade do Exército. Aos poucos, o sonhado “chão preto”, como os moradores chamam o asfalto, cobriu as crateras abertas no mar de atoleiros.

Desde o fim da estação de chuvas na região, 51 novos quilômetros já foram pavimentados. “Concluir a pavimentação da BR-163 foi um grande desafio. É a realização de um sonho brasileiro com a pavimentação. Essa estrada impulsionará a economia do País, escoando produtos agrícolas pelo Brasil e incrementando a exportação para outros países. Após 43 anos da inauguração, nós faremos essa tão almejada entrega à sociedade brasileira”, projetou o general Santos Filho, diretor-geral do DNIT.

 

DE VOLTA AOS MILITARES

Assim, numa quase ironia do destino, a BR-163, que começou pelas mãos de um presidente militar Médici, vai ser inaugurada por outro mandatário oriundo das Forças Armadas: Jair Bolsonaro. Sobre o andamento da obra da rodovia Cuiabá-Santarém, o presidente escreveu, em 29 de agosto deste ano: “Assim como muitas outras rodovias com obras abandonadas ou estado crítico pelo Brasil, o Exército e o Ministério da Infraestrutura vêm trabalhando forte para trazer de volta as condições mínimas de trafegabilidade e de segurança aos usuários das BRs. Dia e noite de trabalho”, comemorou. 

Além da conclusão da BR-163, 1.300 quilômetros da rodovia passaram por recuperação com manutenção entre Sinop (MT) e Santarém (PA). O DNIT também iniciou o trabalho de hidrossemeadura na região – quando há aplicação de sementes para criar vegetação de proteção no local. O objetivo da medida é proteger os taludes de erosões. “Essa rodovia, infelizmente, ficou muito tempo parada. A gente sofria na época das chuvas, porque não tinha a mínima infraestrutura, não tinha manutenção na via. A gente tinha que se virar”, afirma Eurico Tadeu, presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos do Pará.  



ROTA OESTE É OÁSIS 

 
Com 3579 km, a BR-163 é uma rodovia longitudinal, que liga as cidades de Tenente Portela (Rio Grande do Sul) a Santarém (Pará), existindo ainda um trecho complementar localizado entre as cidades paraenses Oriximiná e Óbidos. O caráter de integração a transformou num dos principais corredores logísticos para a exportação de grãos do maior produtor brasileiro: o estado de Mato Grosso.
Em 20 de março de 2014, dois trechos da rodovia foram entregues à iniciativa privada por meio de concessões de 30 anos. Sob vigência da empresa da Odebrecht TransPort, a chamada Rota do Oeste situa-se entre os municípios Itiquira (MT) e Sinop (MT), com extensão de 850,9 quilômetros.  Ao todo, 19 municípios estão compreendidos na extensão concedida, entre eles a capital mato-grossense, Cuiabá, e as cidades de Rondonópolis, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop, principais produtores de agrícolas do Estado campeão na produção de grãos e leguminosas.  A Rota do Oeste entregou em março de 2016 um trecho de 117,6 quilômetros duplicados, da divisa com Mato Grosso do Sul a Rondonópolis. Foram realizados trabalhos de recuperação do pavimento, sinalização e reordenamento de tráfego. 

 

TEMPO PERDIDO 


Desde a inauguração da rodovia em 20 de outubro 1976, 10 presidentes passaram pelo Palácio do Planalto sem resolver a pavimentação do trecho paraense. De Ernesto Geisel a Michel Temer, de formas e ações diferentes, o Executivo tangenciou a conclusão das obras.  Durante o segundo mandato (1998-2002), Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, afirmou que concluiria a rodovia até o ano de 2002, mas não cumpriu a palavra. Dois anos depois, o presidente Luís Inácio Lula da Silva lançou o plano “BR-163 Sustentável”, mas a pavimentação também não saiu do papel. O asfaltamento foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), nas gestões Lula (2006-2010) e Dilma Rousseff (2010-2014), mas a obra mais uma vez ficou incompleta.

O projeto de pavimentação final da rodovia é fruto de um convênio firmado com o Exército, ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer, em 2017. Somente entre os anos de 2008 e 2019, segundo dados do DNIT, foram investidos mais de R$ 3,6 bilhões na obra de asfaltamento da Cuiabá-Santarém. 

 
CONSTRUÇÃO POLÊMICA 

 
Quando a obra da construção da BR-163 começou, o Mato Grosso não tinha sido dividido (o estado foi geograficamente repartido em 11 de outubro de 1977). Na ocasião, o 9º Batalhão de Engenharia e Construção (9º BEC) começou o processo de abertura da rodovia, a partir da capital mato-grossense. Simultaneamente, o 8º BEC iniciava o mesmo procedimento, mas no sentido oposto, vindo do interior paraense. 

Numa ação de caráter nacional, 1,5 mil homens mobilizados, entre militares e civis, embrenharam-se pelas matas para abrir o traçado da rodovia. O clima era um misto de patriotismo e aventura, com alimentos sendo jogados por aviões do Exército. À medida em que as frentes avançavam, todos ficavam mais isolados e sujeitos as intempéries da floresta. 

A malária foi implacável com alguns trabalhadores, matando 32 deles. Mas nada foi tão assustador quanto o drama dos índios Panarás, que viviam em paz e isolados em suas terras originárias. Foram quase dizimados pelo contato humano. De 400 índios, sobreviveram 79, sendo levados às pressas para o Alto do Xingu. Hoje, a população voltou ao território de origem e segue preservada. 



A inauguração foi em Cachoeira de Curuá (PA) e o presidente Geisel e sua comitiva percorreram 87 quilômetros de terra no barro batido para chegar ao local. 
Exaustos, foram compensados depois, com passeios por rios e igarapés intocáveis. Saíram de lá felizes, com o ar de missão cumprida. Mal sabiam eles, que, por mais de quatro décadas, a BR-163 ficaria num estado latente, como um ponto de seguimento de uma frase que nunca terminou.




BR-163 - Uma longa estrada

1927 - Washington Luís



Com a intenção de facilitar o acesso do interior do Brasil até as áreas portuárias, o presidente Washington Luís estabeleceu o Plano Viário, que ligaria Cuiabá no Mato Grosso até Óbidos no Pará. O projeto nunca saiu do papel.






1956-1961 - Juscelino Kubitschek


  
A mudança da capital para o Centro-Oeste acelerou o povoamento das regiões centrais. O presidente Juscelino Kubitschek foi responsável pelas rodovias BR-010, de Brasília a Belém, e a BR-070, do Distrito Federal a Cuiabá. A conexão do interior até os portos contornou a Floresta Amazônica. 



 
1964 - Instauração da Ditadura Militar


  
Com o Programa de Integração Nacional (PIN), o presidente Médici criou obras de infraestrutura nos territórios Norte e Nordeste. Entre elas, a rodovia Cuiabá-Santarém. O objetivo era ligar áreas rurais às urbanas e povoar áreas ainda não ocupadas. 





 
1970 - Emílio Garrastazu Médici



Com a tomada do governo federal pelas Forças Armadas, várias iniciativas para ocupar as áreas do Oeste tiveram início. O objetivo: impedir que fossem tomadas e utilizadas por outros países e empresas estrangeiras 






1971 - 9º Batalhão de Engenharia e Construção (9ºBEC) 



Coronel Antônio Paranhos inaugura o 9º Batalhão de Engenharia e Construção no Exército Brasileiro para começar a abertura da estrada a partir de Cuiabá. Em Santarém, o 8º BEC começou os trabalhos no sentido contrário. 





 

1971-1976 - Construção

 

1,5 mil homens, entre civis e militares, abriram o caminho pela mata em condições extremas. Todas as 32 mortes durante as obras foram por doenças como a malária. 






 
1973-1975 - Contato com os Panará


Em 1973, os irmãos Villas-Boas foram chamados para auxiliar no contato com a nação indígena Panará. Esses povos originários e isolados tiveram suas terras invadidas pelas máquinas. O contato com o homem matou cerca de dois terços daquela população de doenças diversas. Os que sobreviveram foram transferidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Parque Indígena do Xingu em 1975. 




1976 - Ernesto Geisel


Geisel inaugurou a rodovia Cuiabá-Santarém, agora chamada BR-163, em 20 de outubro. Antes dele, Médici colocou o 9º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) para iniciar as obras de Cuiabá, enquanto o 8º BEC saiu de Santarém. Os dois se encontraram na região sul do Pará, na Serra do Cachimbo. 





1977 - Divisão do Mato Grosso
Na divisão que criou Mato Grosso do Sul em 11 de outubro, as áreas que seguiam do município Diamantino para o norte na BR-163 não eram delimitadas. Havia apenas projetos para Sinop, Colider e Alta Floresta. A rodovia auxiliou na divisão geopolítica. 


1979-1985 - João Figueiredo

 

A BR-163 foi fundamental para um programa de fomento à agricultura de Figueiredo. Por meio dele, técnicas agrícolas receberam avanços tecnológicos e alimentos como o arroz e o feijão tiveram o preço reduzido. 







1984 - Asfaltamento em Mato Grosso

Em parceria com o governo de Mato Grosso, o presidente Figueiredo asfaltou 650 quilômetros da rodovia no trecho que passa pelo estado, então governado por Júlio José de Campos



1995 - Retorno dos Panará

 

Depois que a Funai terminou a delimitação do território original dos Panará, eles iniciaram uma mudança lenta de volta para a área por onde passa a BR-163. O tempo foi necessário para organizar o sustento de 183 pessoas no novo local. 







1999 - Fernando Henrique Cardoso




O presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou um projeto para pavimentar toda a BR-163 até 2002, mas o plano nunca foi efetuado. 







2004 - Lula da Silva



O governo petista instaurou o Plano BR-163 Sustentável com o objetivo de diminuir o impacto ambiental ocasionado pela abertura da estrada. As ações e metas foram estipuladas em contribuição com a sociedade civil, mas nunca saíram do papel. 






2007 - Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 

O presidente Lula inclui a pavimentação da BR-163 no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que licitou o trabalho em nove trechos da rodovia. 



2012 - Segunda etapa do PAC



Ainda com a pavimentação atrasada no PAC, a presidenta Dilma Rousseff iniciou a segunda versão do programa, que licitou a duplicação de 8,5 quilômetros da rodovia, e a restauração de outros 27,5 quilômetros. 







2014 - Concessão para privados

Em 20 de março, dois trechos foram concedidos a iniciativas privadas. A Odebrecht TransPort ficou responsável por 850,9 quilômetros entre os municípios Itiquira e Sinop, ambos no Mato Grosso. 



2016 - Entrega de trechos pavimentados



No trecho concedido à Odebrecht TransPort, 117,6 quilômetros foram entregues com pavimentação e duplicados. Além disso, o trecho foi recuperado, sinalizado e teve o tráfego reordenado. 






2017 - Michel Temer



Para finalizar o asfaltamento da BR-163, o governo Temer firmou um convênio com o Exército Brasileiro em setembro de 2016. A entrega da rodovia duplicada e asfaltada está prevista ainda para 2019, pelo presidente Jair Bolsonaro. 






2019 - Jair Bolsonaro



Em fevereiro, os ministros do governo Bolsonaro se uniram para garantir que a entrega do asfaltamento duplicado ocorresse como planejado, ainda em dezembro. Desde 2008 até este ano, o governo federal investiu mais de R$ 3,6 bilhões no asfaltamento da rodovia. 







Fonte: https://www.agenciadoradio.com.br


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