Todos
os dias, mais de 20 crianças e adolescentes (com idades de zero a 19 anos) são
diagnosticadas com câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O alerta é da
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que chama a atenção para a necessidade
do diagnóstico precoce da doença que mais mata nesta faixa etária. Ao analisar
os dados apresentados pelas Secretarias Estaduais de Saúde ao Painel de
Monitoramento do Tratamento Oncológico (Painel-Oncologia), do Ministério da
Saúde, a SBP identificou que mais de 41 mil crianças e adolescentes receberam
resultados positivos de exames para identificar neoplasias entre 2013 e
novembro deste ano.
Para a presidente da SBP, dra. Luciana Rodrigues Silva, os números confirmam a importância da detecção do câncer em seus estágios iniciais, o que melhora as chances de cura, aumenta a possibilidade de sobrevida e impacta na qualidade de vida dos pacientes. “É importante valorizar as queixas das crianças e levá-las regularmente ao pediatra. Na maioria das vezes, elas sinalizam para doenças comuns da infância, mas em alguns casos pode ser uma condição mais séria”, pontua.
Segundo ela, o pediatra tem papel essencial no diagnóstico do câncer. Para tanto, considera fundamental que os pais ou responsáveis realizem as consultas pediátricas regulares, visando a identificação precoce da doença. “Nas crianças, geralmente as doenças se apresentam com sintomas inespecíficos, semelhantes aos de transtornos comuns da infância. Isso pode levar a retardo no diagnóstico de câncer. Infelizmente, baseado nos dados dos registros consolidados, muitos pacientes no Brasil ainda são encaminhados aos centros de tratamento com a doença em estágio avançado”, destacou.
DIAGNÓSTICO - Por sua vez, a presidente do Departamento Científico de Oncologia da SBP, dra. Denise Bousfield, aponta para um fator relevante na análise do câncer infantojuvenil. Segundo conta, ao contrário do que acontece com a população adulta, em crianças e adolescentes, não há evidências científicas, até o momento, de associação clara entre a doença e fatores ambientais. “Por isso o diagnóstico precoce e o tratamento em centros de referência em oncologia pediátrica são tão importantes. O câncer nesta faixa etária deve ser diagnosticado e tratado o mais precocemente possível, pois comparativamente com adulto, ele tende a apresentar menores períodos de latência, crescer quase sempre rapidamente e ser geralmente invasivo”, alertou.
Ela enfatiza, também, que a sobrevida estimada no Brasil por câncer na faixa etária entre zero e 19 anos é de 64%, segundo dados disponibilizados pelo Instituto Nacional do Câncer. Informa ainda que “é imprescindível nas primeiras décadas de vida difundir o conhecimento sobre os efeitos dos fatores de risco na expectativa média de vida da população, além de desenvolver estratégias preventivas que envolvam diversos setores da sociedade, visando à mudança de modos de vida baseada em evidências para prevenção do câncer na idade adulta”.
ESTATÍSTICAS – O Painel-Oncologia surgiu para garantir um melhor acompanhamento epidemiológico das neoplasias no Brasil e monitorar o cumprimento da Lei nº 12.732/2012, que estabelece o prazo de 60 dias para o início do tratamento do paciente com neoplasia maligna comprovada. Os dados são oriundos do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) – através do Boletim de Produção Ambulatorial Individualizado (BPA-I) e da Autorização de Procedimento de Alta Complexidade (APAC) –, do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) e do Sistema de Informações de Câncer (SISCAN), geridos pelo Ministério da Saúde em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
A operacionalização do sistema se dá a partir de informações diagnósticas histopatológicas de casos de câncer, com base em critérios definidos pela Portaria MS/SAS nº 643/2018, que tornou obrigatório o registro de Cartão Nacional de Saúde e da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) no procedimento “exame anatomopatológico para congelamento/parafina por peça cirúrgica ou por biópsia (exceto colo uterino e mama)”. Também são observados parâmetros da Portaria MS/SAS nº 202/2019, que compatibiliza os códigos da CID-10 com o procedimento “exame anatomopatológico para congelamento/parafina por peça cirúrgica ou por biópsia (exceto colo uterino e mama) ”.
No primeiro ano de monitoramento da plataforma, 2013, foram 5.138 casos diagnosticados no Brasil e, no ano passado, foram 9.261. Segundo o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), a estimativa é de que o número real seja próximo de 12.500 novos casos de câncer infantil a cada ano. Para o instituto, o número absoluto de casos apresentados no painel tende a aumentar com tempo, considerando a obrigatoriedade da CID no procedimento anatomopatológico, implementada em maio de 2018, e também o processo dinâmico de envio mensal de arquivos do SIA, SIH e SISCAN. Também não estão contemplados na base de dados os casos diagnosticados fora da rede pública.
ACHADOS – Do ponto de vista de distribuição geográfica, o número de diagnósticos do câncer tende a acompanhar a proporção populacional e também a oferta de serviços especializados, como as Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) e os Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon). Atualmente existem 317 unidades e centros de assistência habilitados no tratamento do câncer.
Pela avaliação da SBP, entre 2013 e novembro de 2019, os estados que registraram maior número de diagnósticos foram São Paulo (8.257), Minas Gerais (4.038), Paraná (2.897) e Rio Grande do Sul (2.720). No outro extremo aparecem Amapá (com 69 diagnósticos), Roraima (109), Sergipe (151) e Acre (166).
“Essa distribuição atesta a necessidade de ampliar o acesso das populações das regiões menos desenvolvidas e distantes a centros especializados para o diagnóstico e o tratamento do câncer. O cenário atual reforça ainda o quadro de desigualdades na área da saúde e tira chances de cura e de sobrevida para milhares de crianças e adolescentes que não conseguem fazer exames ou ter a atenção de especialistas”, disse a presidente da SBP.
Os números do Ministério da Saúde mostram ainda que, no período avaliado, os diagnósticos mais recorrentes entre o público de zero a 19 anos foram de leucemia linfoide (7.838), neoplasia maligna do encéfalo (3.336), doença de Hodgkin (2.724) e leucemia mielóide (2.632). Para essa faixa etária, a modalidade terapêutica mais indicada foi a quimioterapia (26.564), seguida de cirurgia (5.458).
“Já houve tempo em que o câncer era considerado uma
doença exclusiva da população adulta. O avanço da ciência e da tecnologia
atestam que essa doença afeta crianças e adolescentes, mas com um alento: quão
mais cedo é feito o diagnóstico, melhores são as possibilidades de evolução
para um prognóstico positivo. Daí a relevância desses números: chamarem a
atenção dos brasileiros e das autoridades para as medidas que podem e precisam ser
tomadas com urgência para preservar a vida e a saúde de quem é responsável pelo
futuro da Nação”, disse a dra. Luciana Rodrigues Silva.
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