No apagar das luzes do governo Michel Temer foi
sancionado o Rota 2030. O programa, que estava em negociação por mais de 20
meses, promete um direcionamento para a política industrial do setor automotivo
pelos próximos 15 anos. Na prática, trata-se de um conjunto de incentivos para
o setor que historicamente já é bastante beneficiado. Nos últimos 10 anos, já
foram mais de R$ 20 bilhões. Apenas em 2019, já incluindo o programa, são
previstos em torno de R$ 7,2 bilhões de incentivo para o setor. Recursos que
poderiam muito bem ser aplicados em outras áreas.
O governo coloca algumas exigências: as montadoras
devem investir em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, para melhorar a
eficiência energética de seus veículos até 2022; estimular o desenvolvimento de
manufatura avançada, conectividade, big data, veículos híbridos e várias outras
tecnologias. Além disso, se a redução no consumo de combustíveis e emissões em
cinco anos for maior que 11%, haverá benefícios adicionais - há mais metas para
os anos seguintes.
Investir em pesquisa e desenvolvimento ou em
benesses tecnológicas não deveria ser responsabilidade do governo, e sim,
interesse da própria montadora. Cada real investido em pesquisa retorna na
forma de melhoria do produto e lucro para a montadora. Assim sendo, qual a
razão de investimentos do governo federal e de impostos do Brasil em pesquisa e
desenvolvimento de montadoras? Por acaso, as mesmas doarão seus lucros para o
país?
Considera-se, mais ainda, que essas mesmas
montadoras são multinacionais e, costumeiramente, não fazem pesquisas no
Brasil, e sim, em seus países de origem, como Estados Unidos, França, Alemanha,
Suécia e Japão. No Brasil, o projeto de um novo veículo muitas vezes vem
completamente pronto ou apenas para ser adaptado à legislação. Isso implica no
óbvio: dificilmente essas montadoras farão, de fato, pesquisa real, efetiva e
relevante no país destino que a está financiando – o Brasil.
Sobre as reduções de emissão, a legislação europeia
já é muito mais rigorosa do que a nacional. Por exemplo, em emissões de motores
a Diesel, a legislação europeia é tal que os veículos europeus emitem 200 vezes
menos enxofre que a frota brasileira. Isso deveria ter se adequado em 2016, mas
até 2019 está em negociação. Dessa forma, superar 11% de redução, quando a
tecnologia está pronta e apenas não foi implantada, parece fácil.
Há de se ouvir o argumento de sempre, que a
indústria automotiva e sua cadeia produtiva geram muitos empregos. E é verdade.
Mas também é verdade que a indústria automotiva pode sobreviver sem subsídios,
como sobrevive em vários países. Outro argumento menos empoeirado é que agora o
setor tem previsibilidade pelos próximos anos. Poderia ter previsibilidade sem
incentivos fiscais.
Por fim, não se deve entender que investimento em
pesquisa e desenvolvimento (seja onde for) é desnecessário. É exatamente o
oposto. Todo investimento em desenvolvimento de tecnologia nacional não é
somente bem-vindo, mas necessário. Por outro lado, em vez de ceder recursos
para montadoras que invistam em pesquisa própria, um critério muito mais
coerente seria investir nas montadoras que desenvolvessem centros de pesquisa
em conjunto com universidades públicas ou privadas. Aí sim, talvez o país
poderia colher o retorno de uma pesquisa de ponta, tanto em pessoal, quanto em
tecnologia.
Alysson Nunes Diógenes -
doutor em Engenharia Mecânica e professor dos cursos de Engenharia da
Universidade Positivo.
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