Mais de 20 espécies de ipê ocorrem no Brasil
Em setembro, em várias regiões do Brasil, floresce
o ipê, uma árvore de flores grandes e vistosas que embelezam as matas e cerrados,
praças e ruas das cidades. Os galhos sem folhas contrastam com as
inflorescências densas, nas quais milhares de flores se espremem para expor a
beleza de seus estames e estigmas e, assim, atrair aves, abelhas, borboletas e
outros insetos polinizadores que auxiliarão a produzir as sementes que serão
dispersas pelo vento em alguns meses. É impossível não notar essa florada que
desperta interesse e curiosidade em muita gente.
O botânico americano Alwyn Gentry foi um dos
primeiros cientistas a estudar as plantas tropicais da família das bignoniáceas
e suas interessantes estratégias para sinalizar aos animais a presença de
néctar e pólen. Ele observou que uma florada colorida, massiva e curta atrai
uma gama grande de animais que aprenderam, ao longo da evolução, que a visita a
uma árvore chamativa como esta é a certeza de encontrar alimento.
Nas mais de 20 espécies de ipê que ocorrem no
Brasil, as flores são amarelas, brancas, roxas e rosadas e, cada uma ao seu
tempo, disputam a atenção dos polinizadores. O zum-zum dos animais é
especialmente evidente nas plantas que estão nas suas áreas naturais – ou seja,
nas matas dos parques e demais áreas protegidas –, mas pode ainda ser ouvido
nas árvores usadas na arborização de inúmeras cidades brasileiras.
Por ser bem marcada temporalmente, é comum que a
florada do ipê estimule nas pessoas um espírito observador, o mesmo que moveu o
botânico Gentry a começar a associar os períodos de florada com suas próprias
atividades do dia a dia. Lembrar “o que eu estava fazendo na florada do ano
passado?” ou “será que a florada está acontecendo sempre na mesma época?” são
indagações comuns de um bom observador da natureza e do mundo que o cerca.
Uma associação recorrente envolve a observação de
que o clima tem se tornado cada vez mais quente, as chuvas seguindo ritmos
imprevisíveis – de tempestades torrenciais a secas severas – e a natureza
supostamente se adaptando a essas mudanças. A ciência tem mostrado milhares de
evidências de alterações nos ritmos de plantas e animais devido às anomalias
climáticas. E por que não pensar que, seguindo este ritmo alucinante de
emissões de carbono na atmosfera e de elevações de temperaturas que a Terra
está sofrendo, o próprio ipê poderá modificar sua florada, adiantando,
atrasando ou mesmo dessincronizando seu relógio biológico... será, então, que
no futuro teremos uma florada descompassada?
É triste pensar que o homem seja capaz de
descaracterizar um ritmo que a história evolutiva das plantas moldou ao longo
de milhões de anos. No entanto, essa pegada gigante que o homem moderno está
deixando no planeta, especialmente nos últimos 100 anos, leva a crer que
perderemos ainda muito mais das espécies e das suas relações ecológicas.
Enquanto a florada do ipê não muda de forma mais
perceptível, temos a chance de observá-la e admirá-la. Somos milhões de pessoas
que, ao mesmo tempo, observamos, fotografamos e publicamos as flores da
estação. Os mecanismos evolutivos que levaram as plantas a florescerem
massivamente foram determinados pelos polinizadores e o clima, não pelo homem.
No entanto, a conexão entre indivíduos da espécie humana devido a um bem
oferecido pela natureza – no caso, a beleza das flores - é algo recente e real
e que nos faz refletir sobre o passado e o futuro de nossa espécie.
A natureza é - e sempre foi - capaz de criar laços
estreitos entre nós, pois dependemos dela para sobreviver. Seja na produção de
água para o nosso consumo, na renovação do ar atmosférico, na reciclagem do
solo que utilizamos na agricultura, na polinização de espécies alimentícias ou
no bem-estar promovido pela contemplação da natureza, não é possível o homem
existir sem as áreas naturais. A natureza promove uma “rede social secreta” de
pessoas que se sentem humanas e pertencentes a um mesmo planeta. Se dermos maior
valor a essas conexões únicas, seremos capazes em pensar num futuro sustentável
e possível.
Marcia C. M. Marques - ecóloga, professora da UFPR e membro da Rede de
Especialistas em Conservação da Natureza.
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