Todos os dias, cerca de 37 crianças e
adolescentes (com idades de zero a 19 anos) sofrem os efeitos da intoxicação
pela exposição inadequada a medicamentos. Essa é a principal conclusão de um
levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que revela o
impacto negativo desse problema para a saúde dos mais jovens. De acordo com
informações do Sistema Nacional de Informações Toxico-farmacológicas (Sinitox),
ao longo de 18 anos foram mais de 245 mil casos de intoxicação atingindo essa
faixa etária, com o registro de 240 mortes.
Para a presidente da SBP, dra Luciana
Rodrigues Silva, os números são alarmantes e revelam a necessidade de cuidados
redobrados, especialmente com as crianças menores. “Mais da metade dos casos
registrados [53%] referem-se a acidentes com crianças de um a quatro anos de
idade. Elas são naturalmente muito curiosas e querem colocar tudo na boca, o
que faz parte do desenvolvimento. Além disso, os medicamentos da linha
pediátrica possuem embalagens coloridas e cheirosas, que estimulam os sentidos
da criança", destacou.
ESTATÍSTICAS –
Os números mostram que o risco de intoxicação é maior entre as crianças de um a
quatro anos. Segundo o levantamento, de todos os episódios de intoxicação
ocorridos no período de quase duas décadas (entre 1999 e 2016), mais de 130 mil
acometeram crianças nessa faixa etária. O segundo grupo mais atingido vai de 14
a 19 anos (42.614 casos), seguido daqueles que cobrem de cinco a nove anos (32.668
registros) e de 10 a 14 anos (24.282).
Do ponto de vista de distribuição
geográfica, dentre os estados que possuem centros de monitoramento, a
incidência maior de casos desse tipo tem sido registrada, ao longo do período
analisado, nos estados de São Paulo (88.582 ocorrências); Rio Grande do Sul
(47.342); Espírito Santo (16.806); Minas Gerais (13.315); e Rio de Janeiro
(11.602). Por outro lado, a mortalidade atribuída à intoxicação foi maior na
Bahia (36 óbitos); São Paulo (31); Minas Gerais (24); Rio de Janeiro (22); e
Rio Grande do Sul (18).
SISTEMA
NACIONAL – Os especialistas acreditam
que os dados apurados via Sinitox estejam subestimados. Isso porque a rede
compila apenas as informações de 33 Centros de Informação e Assistência
Toxicológicos (CIAT) localizados atualmente em 11 estados e no Distrito Federal
(DF). Além disso, alerta a presidente da SBP: é grande o número de relatos de
reações adversas que não são comunicadas às autoridades sanitárias. Em parte,
por serem consideradas brandas, sem maiores repercussões, ou por se confundirem
com sinais e sintomas de outros problemas de saúde.
“Estamos falando de uma estatística
que descobre apenas a ponta iceberg, de um problema de proporções muito
maiores, que flerta diariamente com a tragédia”, disse dra Luciana Rodrigues
Silva.
O próprio Sinitox reconhece em seu
site que o número de casos de intoxicação e envenenamentos registrados nas
estatísticas, envolvendo crianças e adolescentes, tem caído nos últimos anos em
decorrência da diminuição da participação dos CIATs neste monitoramento. Por
conta, a equipe pede atenção na hora de comparar os indicadores entre os
diferentes anos.
O Departamento Científico de
Toxicologia da SBP, que acompanha o tema, explica que a intoxicação não
acontece somente quando a criança ingere um produto tóxico ou que gera reação
adversa por conta própria. De acordo com os especialistas, esse processo pode
acontecer, inclusive, no momento em que os pais decidem medicar seus filhos sem
uma prescrição médica ou com base em conselhos de amigos ou outros
profissionais da saúde.
“Mesmo com a prescrição médica é
preciso ter cuidado, pois as diferenças nas dosagens podem gerar complicações,
em especial quando a medida é feita com base em uma colher de sopa,
de sobremesa ou de café”, lembra a presidente da SBP, dra Luciana
Rodrigues Silva.
ORIENTAÇÃO –
A Sociedade Brasileira de Pediatria ofereceu uma contribuição aos médicos,
recentemente, quando lançou o Guia
Prático de Atualização sobre o tema “Intoxicações agudas por medicamentos de
uso comum em pediatria”, com foco nos médicos. A intenção foi qualificar os
profissionais para o atendimento de casos com esse perfil.
No texto, enviado a todos os
pediatras brasileiros, a SBP orienta os especialistas sobre os possíveis danos
físicos ocasionados em decorrência da ingestão de remédios e outros produtos.
Além disso, oferece aos pediatras recomendações sobre limites de dosagem,
mecanismos de ação tóxica, evolução do quadro clínico, procedimentos
diagnósticos e opções de tratamento.
O presidente do Departamento
Científico de Toxicologia, dr. Carlos Augusto Mello da Silva, que coordenou a
elaboração do Guia e tem se dedicado a acompanhar o tema, alerta, inclusive,
para os riscos da automedicação com fórmulas aparentemente inofensivas, com
frequência as mais acessíveis no ambiente doméstico.
“As intoxicações medicamentosas em
crianças, geralmente, são casos de emergência pediátrica. Remédios comuns,
mesmo aqueles usados para controle da tosse e resfriados, são potencialmente
perigosos. A criança pega o remédio dos pais ou o dela mesmo, que foi deixado
ao alcance da mão, e toma em uma quantidade muito acima da prescrita pelo
médico. Ela toma meio vidro ou então engole vários comprimidos coloridos da
cartela. O pico no mundo todo é em crianças na faixa etária pré-escolar”.
Ainda segundo o especialista, os
acidentes podem ser evitados quando pais e responsáveis tomam o devido cuidado.
“Os adultos devem estabelecer algumas precauções para evitar que situações
adversas se concretizem. A principal delas é sempre armazenar fármacos e produtos
de limpeza sempre nos locais mais elevados, de preferência em armário com
chave”, recomenda.
ADOLESCENTES – A automedicação é um problema mais comum entre os
adultos. As evidências clínicas demonstram que crianças não costumam ser
medicadas sem orientação médica. No geral, o problema está mais relacionado aos
adolescentes, que têm o comportamento mais próximo ao adulto. “O jovem muitas
das vezes recorre à superdosagem. Por ter mais autonomia, ao invés de tomar um
comprimido, por conta própria, toma uma quantidade maior. No entanto, a faixa
etária que realmente preocupa é a pré-escolar, que são intoxicações
acidentais”, frisa.
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