Importante
instrumento para a conquista de direitos da sociedade nos séculos XIX e XX deve
ser repensado para os dias de hoje
Recentemente, o assunto greve ganhou importância
nas rodas de conversa dos brasileiros, já que duas recentes paralisações
tiveram destaque na mídia. Primeiro, a de professores, que tomou conta de São
Paulo e outras cidades do Brasil, depois a dos caminhoneiros, que afetou muitos
pontos de todo o País. Esses dois exemplos devem nos fazer refletir sobre esse
instrumento de manifestação, e se ele é o melhor caminho para que diferentes
categorias detenham e defendam seus direitos.
Mas, antes, é preciso entender a origem da greve da
forma que a vemos na Era Moderna. No século XVII, na França, existia um local
que reunia operários em busca de atividades, a Place de la Grève. Eles ficavam
parados, sem trabalho, esperando que um empregador fosse até aquela região e
recrutasse quem achasse melhor para a jornada. No século XIX, a praça e a
palavra “greve” ganharam uma nova conotação, tanto pela movimentação de
trabalhadores que começaram a lutar contra as más condições em que trabalhavam
como pelo desenvolvimento do capitalismo. Por um lado, houve um
liberalismo econômico, um acúmulo muito grande de riquezas nas mãos de uma
minoria, que provinha do trabalho. Por outro, havia também neste
ambiente a exploração desses empregadores sobre os trabalhadores,
resultando nesse conflito entre capital e trabalho.
Esse tipo de movimento começou a ganhar cada vez
mais espaço na Europa do século XIX, quando aconteceram várias paralisações
grandes e significativas. Um exemplo é a Comuna de Paris, em 1871, que
lutava pelos direitos dos trabalhadores. E, tudo isso, sem entrar na discussão
histórica e econômica, mas é importante ressaltar que as próprias leis do país
deram direito à greve.
Mas a greve é o melhor instrumento para o século
XXI?
Ao analisarmos essa ferramenta do século XIX para
exigir direitos no século XXI, notamos que ela precisa ser revista, pois traz
consequências multifacetadas, prejuízos, pressão social e desarmonia na
sociedade.
Dependendo dos sindicatos e dos países em que as
paralisações acontecem, essas greves podem se mobilizar de tal forma que
conseguem obter vitórias exageradas ou injustas. E podem até dificultar que
outras categorias menores sejam escutadas, mesmo que tenham causas mais justas,
corretas e apropriadas. Então, há nesse instrumento uma ação política
do movimento sindical, que acaba por afastar o tema primário da discussão
entre trabalhador e empregador.
Não que os direitos e deveres não devam ser
debatidos, não que cada categoria não deva lutar pela sua posição respeitosa
dentro da sociedade humana, mas, atualmente, assistimos e testemunhamos uma
greve que relativiza o pleito.
Por exemplo, no caso das escolas, embora todas a
discussões levantadas sejam importantes para a categoria, a greve não parece
ser o melhor caminho e pode trazer consequências futuras negativas. Uma
passagem talmúdica diz que a cidade de Jerusalém foi destruída pelos romanos
porque as instituições de ensino pararam de funcionar, porque os professores
pararam de lecionar. Obviamente, essa não foi a razão, mas os sábios de Israel
quiseram deixar claro que abandonar a educação é destruir sua própria cidade e
sua cultura.
Uma alternativa para a greve
Na literatura judaica encontramos um outro caminho.
Nela, todas as discussões entre empregadores e trabalhadores devem ser
referendadas em um tribunal de justiça. Mesmo que a greve seja necessária, ela
precisa ser autorizada antes, porque é preciso que a sociedade não seja afetada
no seu dia a dia e que a discussão que está em litígio, entre empregado e
empregador, seja feita de forma civilizada nos fóruns.
Claro que, para isso, é preciso que os tribunais
sejam mais ágeis e se debrucem sobre esses conflitos. Que a greve seja
trabalhada à luz da justiça e que sejam feitas discussões nesses ambientes,
para que não parem um país, não afetem uma sociedade e que a grande pressão não
leve a conclusões equivocadas.
Então, de forma análoga, a greve é
como um pai que atende seu filho quando ele chora. Toda vez que a criança abre
o berreiro, recebe a atenção do progenitor, mas tudo poderia ser resolvido por
meio de uma conversa, respeitando necessidades, direitos e deveres de ambos. E,
no caso da sociedade, esse diálogo seria mediado e julgado de forma conclusiva
nos tribunais de justiça. Devemos rever, e até abandonar, esse instrumento que
foi importante no século XIX e em boa parte do século XX, mas se tornou
inadequado, obsoleto e que potencializa cada vez mais uma polarização, quando
na verdade precisamos ter outras leituras para o futuro da humanidade e o
bem-estar de todos.
Rabino Samy Pinto - formado em Ciências Econômicas,
se especializou em educação em Israel, na Universidade Bar-llan, mas foi no
Brasil que concluiu seu mestrado e doutorado em Letras e Filosofia, pela
Universidade de São Paulo (USP). Foi diretor do Colégio Iavne, por 22 anos. O
Rav. Samy Pinto ainda é diplomado Rabino pelo Rabinato chefe de Israel, em
Jerusalém, e hoje é o responsável pela sinagoga Ohel Yaacov, situada no Jardins
também conhecida como sinagoga da Abolição.
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