Compliance
Cultural
Acredito que a única constante da vida é a mudança
e, muitas vezes, por diversos motivos, temos receio de enfrentar as mudanças de
frente porque somos humanos e temos medo do desconhecido, da perda de
estabilidade e de mais todas as consequências que podem vir das transformações.
Advogo pela ideia de que aceitarmos nossos medos e olharmos para eles com
franqueza é o primeiro passo para que possamos ser agentes das mudanças e não
apenas objetos que indubitavelmente serão superados pelo novo.
Em 1960, como vimos fielmente retratado na série
Mad Men, era considerado normal que o chefe, no caso um diretor de criação,
contratasse secretárias e empregadas tendo como critério a sua aparência
física. Era normal, também, que esse chefe solicitasse – ou exigisse – condutas
sexuais ou afetivas de suas empregadas.
Ao final, por mais que esses comportamentos
incomodassem as mulheres, era considerado mais um dia de trabalho. E aquela
secretária chegava em casa com uma sensação de desconforto físico, uma angústia
sem conseguir saber a origem daquilo, mas as vidas tinham que continuar e todos
e todas continuavam suas rotinas.
Seria incrível que essa realidade tivesse ficados
nos distantes e festivos anos 60 do século passado e apenas aparecesse nos
livros como um comportamento datado e já superado.
Porém, infelizmente, os dados nos revelam que isso
não é verdade. Segundo pesquisa realizada em 2017 pela associação Grupo de
Planejamento com 1.400 respondentes de São Paulo (capital + RM), sendo 68%
mulheres e 32% homens, 90% das mulheres e 76% dos homens respondentes afirmaram
já ter sofrido algum tipo de assédio, moral ou sexual.
Além disso, 97% das pessoas afirmam que ocorrem
situações de assédio sexual em seu ambiente de trabalho, sendo que 52% dos
homens e 67% das mulheres dizem que isso ocorre frequentemente.
Em pesquisa internacional, para 23% dos homens, é
normal que o chefe espere por sexo com a empregada. [1]
A pesquisa foi feita pela ONG Care em 8 países com 9.408 homens adultos.
Evidentemente, esse percentual deveria ser de 0%, afinal de contas uma
empregada está no ambiente de trabalho para trabalhar e não para atender
expectativas sexuais de seus superiores hierárquicos ou de quaisquer outros
empregados da empresa – lembrando que o assédio sexual pode acontecer de forma
vertical e horizontal, ou seja, entre superior e subordinado ou entre colegas
na mesma linha hierárquica.
Esses dados são alarmantes e revelam que ainda não
passamos pelo processo de transformação quanto a esse assunto. Mas, voltando ao
início do texto, é inegável que ter uma pesquisa específica sobre o assunto
feita por próprios agentes do mercado é mudança a caminho e ganhando força a
cada dia.
As mulheres passaram a perceber, a partir de
conversas com outras mulheres e acesso a conteúdos, especialmente online, que
os incômodos que sentiam ao chegar no ambiente de trabalho ou depois de irem
para suas casas ou ao longo de todo o dia, eram consequências de condutas
assediadoras em suas rotinas. E, aqui, cabe a reflexão: se uma conduta causa
incômodo em uma parcela da população que é mais da metade das pessoas do mundo,
talvez ela não seja normal nem natural, não é?
Percebemos, portanto, que não conviveremos mais com
a naturalização do assédio, ou seja, não tem mais aderência, em nós mulheres, a
ideia de quem homens assediam porque são “assim mesmo” e que nós devemos
“deixar entrar por um ouvido e sair pelo outro” porque “não adianta, eles não
mudam”.
Talvez, hoje, a principal evidência concreta de que
isso não será mais aceito seja o Time’s Up, um movimento contra o assédio
sexual fundado em 2018 por celebridades de Hollywood em resposta ao Efeito
Weinstein[2] e ao #MeToo. Uma aliança feminina e
feminista conduzida por mulheres extremamente poderosas em sua área de atuação.
Essa é, portanto, mais uma evidência da mudança. E
agora nos caberá aguardar a história nos contar quais foram as empresas que
lideraram esse processo de mudança e quais não acreditaram que a transformação
estava acontecendo e acabaram desaparecendo. Acredito que todas as leitoras e
todos os leitores preferem ocupar o primeiro grupo.
Combater o assédio sexual é fundamental para todos
os aspectos do negócio de uma agência, pois empregados saudáveis são melhores;
um ambiente de trabalho diverso, tolerante e respeitoso, em que a integridade é
a linha mestra, é um espaço com mais criatividade, mais inovação e
produtividade e, portanto, mais lucrativo.
E os dados nos apoiam novamente. Segundo pesquisa
feita pela consultoria financeira McKinsey, empresas lideradas por mulheres têm
rendimentos 21% acima da média industrial em seu país e que empresas com baixo
percentual de diversidade têm um desempenho quase 30% inferior à média de sua
área. A pesquisa foi feita em 12 países.[3]
Prevenir e combater o assédio sexual exige
dedicação e parceiros de trabalho especializados. Investir na formação
educacional da equipe de trabalho, na atualização das normativas de conduta
dentro da empresa, criar um canal de ouvidoria cuja base de trabalho seja centrada
na vítima e focada no agressor, estabelecer políticas de tolerância zero
e mais uma série de procedimentos são, hoje, fundamentais. É o que chamo de
Compliance Cultural.
A mudança está em curso. Ainda bem, porque já não
era sem tempo! Iniciativas como o Comitê de Relações Humanas da Ampro –
Associação de Marketing Promocional são reveladoras desse processo de mudança,
pois coloca em local de destaque um novo olhar sobre a cultura organizacional
do mercado de comunicação. Ter acesso a tal iniciativa foi inspiracional para
esse artigo!
Isabela Guimarães Del Monde - advogada sócia do
Tini e Guimarães Advogados e Cofundadora da Rede Feminista de Juristas –
deFEMde – e membra do Conselho de Relações Humanas da Ampro.
2 Uma tendência global em que as pessoas, coletiva
ou individualmente, se apresentam publicamente para relatar sobre condutas
sexuais inadequadas cometidas por homens famosos ou em posições de poder. O
termo leva esse nome devido às inúmeras alegações de violência sexual cometida
pelo produtor de Harvey
Weinstein, que foi banido da Academy of
Motion Picture Arts and Sciences.
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