Razões vão desde queda de demanda e
juros altos até decisões de fundos de reduzir investimentos em empresas
digitais e falhas em análises da realidade brasileiraIMAGEM: DC
Quem diria que Americanas,
Marisa, Tok & Stok, Amaro, Centauro e outras estariam no início deste ano
na lista de varejistas com problemas financeiros que chegam aos bilhões de
reais?
Cada uma delas, evidentemente,
tem os seus motivos, incluindo até fraudes contábeis. O que chama a atenção é o
fato de as dívidas serem expostas quase todas ao mesmo tempo.
A crise financeira chegou a tal
ponto que os shoppings já sentem os reflexos. Algumas redes, como
Americanas, Tok & Stok e
Marisa atrasam os pagamentos de aluguéis.
Quem trabalhou décadas no
varejo e ou acompanha este mercado tem explicações que vão desde o fato de o
crédito estar mais caro até o fim do apetite de fundos de investimento.
O negócio do varejo depende de
capital de giro, o que não quer dizer que a empresa que recorre aos bancos para
tocar o dia a dia esteja em situação financeira ruim ou quebrada.
“O problema, neste momento, é
que o crédito está mais restrito e mais caro”, afirma Sandro Benelli, consultor
de varejo e membro do conselho de administração do Super Nosso.
Se um supermercado pega R$ 1
milhão de um banco para comprar arroz, com prazo de pagamento de 35 ou 40 dias,
e vende tudo em oito dias, diz, vai até ganhar dinheiro.
CAIXA
VAZIO
Para Benelli, a origem do
problema das empresas digitais e das físicas é diferente, mas o problema é o
mesmo: falta de dinheiro em caixa.
No caso das digitais, a visão
do negócio de muitas empresas era crescer a qualquer custo, sem se preocupar
com lucratividade, pelo menos num primeiro momento.
“Os fundos de investimento
cansaram de ter prejuízo e agora começam a ver que o modelo de muitos negócios
simplesmente não para em pé.”
O prejuízo de cerca de US$ 350
milhões da plataforma Airbnb, em 2021, de acordo com Benelli, deixou o mercado
ressabiado fora e no Brasil.
Outro caso que assustou o mundo
dos negócios digitais foi o colapso financeiro da WeWork, empresa de coworking
que recebeu aporte do fundo japonês SoftBank.
“O fundo parou de investir na
empresa e todo o mercado começou a se questionar. Acabou aquele momento de
jogar dinheiro fora. É preciso ter lucro em todas as operações.”
As empresas de tecnologia não
recebem mais aporte dos fundos como antes, de acordo com Marcos Hirai, fundador
do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).
“Os investimentos simplesmente
secaram, principalmente pelo risco do que está ocorrendo no mundo, com impacto
no Brasil. O caso da Amaro é um
exemplo”, afirma.
DEPENDÊNCIA
DE SEGURADORA
No caso de varejistas que
vendem eletroeletrônicos, de acordo com Benelli, há um outro problema a ser
enfrentado neste momento.
As transações entre a indústria
e a loja, geralmente, são realizadas por meio de uma operação de seguro. Se a
seguradora não dá o aval, as lojas simplesmente não recebem os produtos.
“A roda inteira está girando ao
contrário neste início de ano. Juros altos, prazos mais curtos, consumidor com
menos dinheiro para gastar. O cenário é negativo.”
Evidentemente, não são somente
os grandes players que estão com dificuldades financeiras. Empresas regionais
do varejo de alimentos, diz, começam a buscar compradores.
Isso significa que a lista de
empresas grandes e médias com problemas financeiros deve engrossar nos próximos
meses também do setor supermercadista.
FALHA NAS
ANÁLISES
Para Marcos Escudeiro,
conselheiro de empresas e colaborador do FGVcev (Centro de Excelência em
Varejo) da FGV, faltou para as empresas olhar para a realidade do Brasil.
Em 2020 e 2021, a ajuda do
governo federal para os mais carentes ficou próxima de R$ 360 bilhões, valor
que caiu nos anos seguintes.
Com os recursos do FGTS (Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço), em razão das demissões ocorridas no período
crítico da pandemia, os consumidores saíram às compras.
“Agora, os recursos nas mãos
dos brasileiros diminuíram, e não há demanda para produtos eletroeletrônicos,
como em 2020”, afirma Escudeiro.
As grandes empresas,
especialmente as com ações em Bolsa, diz, estão mais preocupadas em dar
declarações para analistas de bancos e acionistas do que com o chão de loja.
“Analista de banco só olha
relatório, não visita loja. Os executivos são cobrados pelos acionistas para
cuidar de números, para falar de abertura de novas unidades.”
A análise de cenário macroeconômico,
de acordo com Escudeiro, é fundamental para fazer o planejamento de uma
empresa.
“Será que todas essas empresas
consideraram o empobrecimento da população? Na análise de mercado, a empresa
não pode incluir sonho. É realidade versus competência mais esforço.”
A pandemia do novo coronavírus,
em sua análise, acabou expondo as falhas de redes varejistas que pareciam ter
gestão impecável.
EFEITO NA
BOLSA
O resultado da má gestão,
afirma ele, pode ser visto no valor das ações das empresas.
A Americanas, com
dívida perto de R$ 48 bilhões, registra a maior queda no valor de suas ações,
de 96,76%, no período de 12 meses encerrados em 24 de fevereiro deste ano.
A Marisa, com dívida bancária
da ordem de R$ 242 milhões, vem em segundo lugar, com queda de 76,67%, seguida
de Espaço Laser (69,76%) e Riachuelo (67,96%).
Também enfrentaram grande
quedas nas ações, no período, Centauro (61%), Petz (60%), C&A (60%), Lojas
Quero-Quero (50%), Via - Casas Bahia e Ponto (49%) e Magazine Luiza (42%).
Somente neste ano (até início
deste mês), as ações da Americanas caíram 89% e, da Marisa, 49,6%. Como base de
comparação, o índice Ibovepa acumula queda de 5%, no período.
“Uma coisa é a realidade do
mercado, outra, os especuladores da Bolsa. Fala-se em oferecer experiência para
o cliente. Se fosse só isso, os atacarejos não estariam indo tão bem”, afirma.
MARGENS
APERTADAS
Muitos setores do varejo
trabalham com margem pequena e, para aproveitar a alta de demanda de alguns
produtos durante a pandemia, acabaram financiando a expansão.
“Quando há elevação da taxa de
juros, como agora, o financiamento fica muito caro e os problemas financeiros
começam a aparecer”, diz Maurício Morgado, líder do FGVcev.
No caso das empresas digitais,
afirma, o crescimento se deu exatamente no momento da pandemia. “Agora, na hora
de rolar a dívida, ficou complicado.”
Além de todos os pontos citados
acima, Alexandre Machado, consultor de varejo, menciona a eficiência como
crucial para o sucesso de uma empresa do setor de varejo.
INEFICIÊNCIA
“Muitas empresas parecem
subestimar a importância da eficiência operacional em seus negócios. Custos
operacionais altos podem facilmente minar os resultadas das empresas.”
Mesmo para as empresas que
parecem nadar em águas tranquilas, de acordo com ele, é importante simplificar
processos e reduzir desperdícios.
“Poucas ações são observadas na
prática. Isso certamente levanta dúvidas sobre a capacidade real das empresas
de inovar e se adaptar rapidamente a mudanças de mercado.”
Atualmente, de acordo com ele,
a questão da eficiência na condição do negócio tem sido o assunto mais abordado
em congressos do setor e em reuniões empresariais.
“É um pilar fundamental, pois,
sem eficiência não há recursos disponíveis para investir em novas tecnologias,
automação de processos, treinamento de equipes e outros projetos importantes
para a empresa se manter competitiva e sustentável”, diz.
Esta situação não é problema
somente no Brasil. O fechamento de lojas da Amazon Go, em São Francisco e
Seattle, nos Estados Unidos, diz ele, revela que o problema é mundial.
A Amazon Go é uma cadeia de
lojas de conveniência nos EUA e no Reino Unido. As lojas não possuem caixas. O
cliente paga pelos produtos por meio de conta na Amazon.
EFEITO
CASCATA
A crise financeira de grandes
varejistas já começa a afetar outros setores.
Empresas de shoppings estão
tendo de lidar com atrasos no pagamento de aluguéis das varejistas. Fundos
imobiliários também sofrem os efeitos da inadimplência das redes.
“Não é todo o varejo que está
mal e, sim, as empresas endividadas. Mas já dá para dizer que, em geral, os varejistas
estão com mais medo de expandir os seus negócios”, diz Hirai.
O fato é que depois do caso da
Americanas, em sua avaliação, o varejo entrou para a “lista negra” dos bancos.
“A concessão de crédito está
bem mais difícil, e isso deve provocar um efeito cascata com impacto em
shoppings e mercado imobiliário, principalmente”, diz.
Fátima Fernandes
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