O planeta-anão Ceres em imagem captada
pela Missão Dawn, da Nasa. O ponto brilhante é a reflexão produzida por
depósitos de gelo no fundo da cratera (foto:
Nasa/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA)
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Estudo que busca reconstituir o
processo de formação do planeta anão Ceres foi publicado por
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e colaboradores no
periódico Icarus.
O trabalho foi conduzido por Rafael Ribeiro de Sousa,
professor do Programa de Pós-Graduação em Física, campus de Guaratinguetá.
Também assinam o artigo o professor Ernesto Vieira Neto,
que foi o orientador de Ribeiro de Sousa em sua pesquisa de doutorado, e
pesquisadores da Université Côte d’Azur, na França; da Rice University, nos
Estados Unidos; e do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro.
Como
explicam os autores, Ceres é um integrante do Cinturão de Asteroides, coleção
de corpos celestes localizada entre as órbitas de Marte e Júpiter. De formato
aproximadamente esférico, é o maior objeto do Cinturão, concentrando um terço
de sua massa total. Seu diâmetro, com quase mil quilômetros, é pouco maior do
que um terço do diâmetro da Lua. Com excentricidade de 0,09, tem órbita quase
circular. E a inclinação de sua órbita em relação ao plano invariante do Sistema
Solar, inferior a 10 graus, é bem maior que a inclinação da órbita da Terra,
que é de 1,57 grau.
A massa de Ceres é pequena demais
para poder segurar, por atração gravitacional, uma atmosfera. Mas um fato
notável é que os gelos de amônia e de água existentes sob sua superfície
evaporam com a incidência da luz solar. E a névoa formada dispersa-se no espaço
exterior. Os depósitos de gelo brilham muito no fundo das crateras. Não está
excluída a hipótese de que possam abrigar alguma forma primitiva de vida.
A Missão Dawn,
da Nasa, a agência espacial norte-americana, que se aproximou bastante dos
asteroides Ceres e Vesta, mapeou essas crateras. Um vídeo muito interessante da
cratera Occator, composto com imagens captadas pela espaçonave, pode ser
assistido no site da missão.
O núcleo
do planeta anão é composto provavelmente por material pesado: ferro e
silicatos. Mas o que diferencia Ceres dos objetos vizinhos é seu manto de gelo
de amônia e água. Como a maioria dos corpos do Cinturão de Asteroides não tem
amônia, a hipótese é a de que Ceres tenha sido formado fora, na região mais
fria que se estende além da órbita de Júpiter e, depois, lançado para a zona
média do Cinturão devido à grande instabilidade gravitacional provocada pela
formação dos planetas gasosos gigantes Júpiter e Saturno.
“A
presença de gelo de amônia é uma forte evidência observacional de que Ceres
possa ter sido formado na região mais fria do Sistema Solar, além da chamada
Linha de Gelo, onde as temperaturas eram baixas o suficiente para ocorrer
condensação e fusão de água e substâncias voláteis, como monóxido de carbono
[CO], dióxido de carbono [CO2] e amônia [NH3]”, diz Ribeiro de Sousa.
Hoje, a
Linha de Gelo está localizada muito próxima da órbita de Júpiter. Porém, quando
o Sistema Solar estava em formação, há 4,5 bilhões de anos, a posição dessa
zona variou de acordo com a evolução do disco de gás protoplanetário e a
formação dos planetas gigantes. “A forte perturbação gravitacional provocada
pelo crescimento desses planetas pode ter alterado a densidade, a pressão e a
temperatura do disco protoplanetário, o que teria deslocado a Linha de Gelo.
Essa perturbação no disco de gás protoplanetário teria feito com que planetas
em crescimento, enquanto adquiriam gás e sólidos, migrassem para órbitas mais
próximas do Sol”, explica o professor Vieira Neto.
“Em nosso
trabalho, propusemos um cenário para explicar o porquê de Ceres ser tão
diferente dos asteroides vizinhos. Nesse cenário, Ceres teria iniciado a sua
formação em uma órbita além de Saturno, onde a amônia era abundante. Durante o
crescimento dos planetas gigantes, foi puxado para o Cinturão de
Asteroides, como um retirante do Sistema Solar externo, e sobreviveu até hoje,
por 4,5 bilhões de anos”, afirma Ribeiro de Sousa.
Para
comprovar tal hipótese, Ribeiro de Sousa e colaboradores realizaram um grande
número de simulações computacionais da fase de formação dos planetas gigantes
dentro do disco de gás protoplanetário que circundava o Sol. No modelo, foram
consideradas no disco as presenças de Júpiter, Saturno, embriões planetários
(precursores de Urano e Netuno) e uma coleção de objetos similares em tamanho e
composição química a Ceres. A suposição foi a de que Ceres seria um objeto de
tipo planetesimal. Estes são considerados os “blocos de construção” dos
planetas e de outros corpos do Sistema Solar, como asteroides, cometas etc.
“Em nossas
simulações, verificamos que a fase de formação dos planetas gigantes não foi
nada tranquila. Caracterizou-se por colisões gigantescas entre os precursores
de Urano e Netuno, pela ejeção de planetas para fora do Sistema Solar e até
mesmo pela invasão da região interna por planetas com massas maiores do que
três vezes a massa da Terra. Além disso, a forte perturbação gravitacional
espalhou objetos similares a Ceres por toda a parte. Alguns, com uma certa
probabilidade, alcançaram a região do Cinturão de Asteroides e adquiriram
órbitas estáveis, capazes de sobreviver a outros eventos”, conta o pesquisador.
Segundo
Ribeiro de Sousa, três mecanismos principais atuaram para preservar esses
objetos na região: a ação do gás, que amorteceu as excentricidades e as
inclinações de suas órbitas; as ressonâncias de seus movimentos médios com Júpiter,
que os protegeram de ejeções e colisões causadas por esse planeta gigante; e
encontros próximos com os planetas invasores, que espalharam os planetesimais
para regiões mais internas e estáveis do Cinturão de Asteroides.
“Nosso
principal resultado indica que, no passado, houve no mínimo 3.500 objetos do
tipo Ceres, além da órbita de Saturno. E que, com esse número de objetos, nosso
modelo mostrou que um deles conseguiu ser transportado e capturado no Cinturão
de Asteroides, em uma órbita muito similar à órbita atual de Ceres”, destaca o
pesquisador.
Esse
número, de 3.500 objetos de tipo Ceres, já havia sido estimado por outros
estudos, a partir da observação de crateras e de tamanhos de outras populações
de astros, situadas além de Saturno, como aquelas que compõem o Cinturão de
Kuiper, onde orbitam Plutão e outros planetas pequenos. “Com nosso cenário,
fomos capazes de confirmar tal número e explicar as propriedades orbitais e
químicas de Ceres. Esse trabalho conta um ponto a favor dos modelos mais recentes
de formação do Sistema Solar”, resume Ribeiro de Sousa.
Um pouco sobre a formação planetária
Um cenário
sobre a formação planetária do Sistema Solar, composto a partir das informações
mais atualizadas disponíveis, permite entender melhor o estudo em pauta,
situando Ceres no quadro geral.
“A partir
de evidências observacionais, sabe-se que qualquer sistema planetário – não
apenas o Sistema Solar – é formado a partir de um disco de gás e poeira que
circunda uma estrela recém-formada. O evento que forma a estrela ainda é objeto
de estudo, mas o consenso até o momento é que ela nasce a partir do colapso
gravitacional de uma nuvem molecular gigante”, afirma Ribeiro de Sousa.
A
existência dos discos protoplanetários não é mera suposição. Ao contrário,
respalda-se em observações robustas. É o caso das imagens obtidas pela Agência
Espacial Europeia por meio do rádio-observatório Alma (Atacama Large Millimeter
Array), um sistema constituído por 66 antenas situado no deserto do Atacama, no
Chile. Com impressionante resolução e riqueza de detalhes, essas imagens
mostram discos protoplanetários ao redor de estrelas bem jovens.
“No caso do Sistema Solar, os dados
de que dispomos sugerem que o disco protoplanetário fosse constituído por 99%
de gás e 1% de poeira. Esta seria proveniente de estrelas mais antigas, que
encerraram seu ciclo de vida e lançaram material pesado no espaço. A poeira que
se acumulou ao redor do Sol foi suficiente para formar ao menos os pequenos
corpos, os planetas terrestres e os núcleos dos grandes planetas gasosos. Os
primeiros sólidos que se condensam no disco protoplanetário são chamados de
CAIs (do inglês Calcium Aluminium rich-Inclusions).
Como o próprio nome informa, eram ricos em cálcio e alumínio. Foram encontrados
como inclusões em meteoritos. E suas idades mais antigas foram datadas em 4,568
bilhões de anos”, informa o pesquisador.
Diversas
estrelas jovens, observadas em ambientes caracterizados como berços de formação
planetária, foram datadas com idades variando entre 1 e 10 milhões de anos.
Esse dado forneceu uma informação muito importante, porque mostrou que a
formação de planetas gasosos (como Júpiter e Saturno) ou que possuam ao menos
um envelope gasoso (como Urano e Netuno) deve ocorrer, no máximo, nos primeiros
10 milhões de anos de vida da estrela. Depois disso, os discos protoplanetários
não possuem mais gás suficiente.
Planetas
rochosos, de tipo terrestre, poderiam surgir antes ou depois – não se sabe. Mas
outras informações disponíveis mostram que a formação da Terra e da Lua foi um
dos eventos mais tardios na gênese do Sistema Solar, ocorrido por volta de
4,543 bilhões de anos atrás. Quanto aos pequenos corpos que compõem o sistema
(planetas anões, satélites, cometas, asteroides, poeira etc.), eles são
resultados do resto da formação dos planetas e evoluíram física e dinamicamente
antes e depois da fase de gás, por processos como interações com o gás,
colisões, capturas gravitacionais e outros.
O processo
de formação planetária é bastante complexo. Os estágios vão da poeira, com
tamanhos da ordem do mícron (10−6 m), até planetas várias vezes maiores do que
Júpiter. “A poeira se acumula por adesões e colisões dentro do disco
protoplanetário. A atração gravitacional entre essas partículas não é
relevante. Mas a atração gravitacional exercida pelo Sol faz com que o gás gire
mais devagar do que a poeira. E isso produz um arrasto aerodinâmico muito forte
sobre a poeira. A força de arrasto leva as partículas para o plano do disco de
gás e as desloca radialmente em direção ao Sol. Quando a poeira alcança
tamanhos da ordem de alguns centímetros, formam-se seixos, que fazem toda a
diferença no processo de crescimento planetário. Pois influenciam a velocidade
de rotação do gás. Quando as velocidades do gás e dos seixos se igualam, o
arrasto do gás torna-se praticamente nulo, o que oferece aos seixos a chance de
se concentrarem o suficiente para originarem planetesimais – corpos com
tamanhos variando de 10 a 1.000 quilômetros, que se tornam os blocos de
construção dos planetas e os precursores dos pequenos corpos”, narra Ribeiro de
Sousa.
No estágio
seguinte, formam-se objetos cada vez maiores, por captura gravitacional de
seixos e poeira ou por colisões. Quando um objeto cresce o suficiente para ter
a massa de três a dez Terras, a perturbação gravitacional que produz no disco
de gás faz com que ele migre para órbitas mais próximas da estrela. Quando
cresce acima de dez Terras, passa a acumular ao seu redor um envelope de gás.
E, a partir da acumulação do gás, seu crescimento torna-se muito rápido.
“A
formação dos planetas gigantes Júpiter e Saturno produziu uma perturbação
gravitacional tão grande que modelou o disco de gás e provocou um novo tipo de
migração planetária. Essa fase violenta fez planetas colidirem e planetas serem
ejetados para fora do Sistema Solar, até que o balanço gravitacional
possibilitou que o sistema como um todo adquirisse certo grau de estabilidade”,
conclui Ribeiro de Sousa.
O estudo recém-divulgado contou com
financiamento da FAPESP por meio de Bolsa de Doutorado e
de Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior concedidas
a Ribeiro de Sousa. E também recebeu apoio por meio do Projeto Temático “A relevância dos pequenos corpos em
dinâmica orbital”.
O artigo Dynamical origin of the Dwarf Planet Ceres pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0019103522000549?dgcid=author#!.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/planeta-anao-ceres-foi-formado-na-zona-mais-fria-do-sistema-solar-e-lancado-para-o-cinturao-de-asteroides/38318/