Permanece
na pauta, bem mais do Congresso Nacional do que da própria sociedade, os temas
atinentes à reforma política. Reformar - pensamos, geralmente - é mais fácil do
que construir algo novo, caso se imagine o exemplo de uma casa. Mas, também,
sabemos que reformar a casa com todos os moradores dentro não é nada fácil.
Isso, talvez, explique melhor as dificuldades encontradas no caso da reforma
política em voga. Os atuais políticos são, quase sempre, receosos, para
dizer o mínimo, quando se pode apresentar qualquer dificuldade para seu mandato
ou para sua possível reeleição. Além disso, quando as propostas são emendas
constitucionais, sua votação é bem mais complicada do que um projeto de lei.
Para se modificar a Constituição faz-se necessário 60% dos votos de deputados e
senadores, em dois turnos de votações. No caso, por exemplo, da Câmara dos
Deputados são necessários 308 votos dos 513 deputados para se aprovar uma
mudança dessa magnitude.
Não
faz muito, foi aprovada em primeiro turno o fim da reeleição para cargos do
Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos). Particularmente, não comungo
da tese que a reeleição é uma das principais causas da corrupção e da tentativa
de partidos e políticos buscarem se perpetuar no poder. No Brasil, com
problemas graves de desigualdade e de infraestrutura, bem como de educação,
penso que quatros anos sejam insuficientes para se pensar em ações de médio e
longo prazo. É possível que esse tema, hoje, volte à baila dado a conturbada
reeleição de Dilma Rousseff, pois já caminhamos para o sexto mês de governo sem
que nada de positivo possa ser apresentado à sociedade brasileira. No entanto,
não nos esqueçamos de que ela venceu, sua campanha foi vitoriosa e que se seu
governo é pífio, cabe, aqui, um aprendizado democrático: votar com mais
consciência e não acreditar tanto em propaganda concebida pelos “gênios” do
marketing político. Encerrar com a reeleição é, grosso modo, culpar o
termômetro pela febre. Ao que tudo parece, esse tema da reforma política
passará. Ainda em minha visão, poderíamos ter, no máximo, o político exercendo
o mesmo cargo duas vezes, podendo ser consecutiva ou alternada. Com isso,
oxigenaríamos bem mais o ambiente político do que, apenas, colocar fim na
reeleição.
Outro
tema sensível é o financiamento de campanha: público, privado ou misto. No caso
em tela, não há fórmulas mágicas. Ao que tudo indica, ao menos para parte dos
especialistas, é que o sistema misto, com parte dos recursos públicos e parte
privados (de empresas e de cidadãos) é o que deve prevalecer, como temos hoje.
O interessante seria limitar as doações a fim de inibir a força do poder
econômico sobre o poder político. Acreditar que isso se encerre de vez é uma
quimera. Também quimérico é crer que o financiamento público seja o mais justo.
Não creio. Seria bom aos grandes partidos, deixando os menores em situação bem
complicada ou, até, inviável de se participar do processo eleitoral.
No
tocante à escolha dos deputados, temos o sistema proporcional. Esse sistema é
muito criticado quando se vota num candidato celebridade e este acaba
transferindo votos e elegendo outros candidatos de seu partido ou de partidos
aliados que não seriam eleitos sozinhos. As alternativas são: a) voto
distrital, b) voto em lista fechada, c) voto distrital misto e d) distritão.
Simplificadamente, o voto distrital trataria, por exemplo, no caso de São
Paulo, que tem 70 deputados federais, dividir o estado em 70 distritos, cada
distrito elegendo um representante. Nesse caso, em tese, se aproximaria o
eleitor do deputado e se baratearia os custos da campanha. Agora, o voto em
lista fechada seria um voto numa lista – já definida pelos partidos, portanto,
“fechada” – em que os eleitores estariam escolhendo mais pela ideologia
política do partido e menos pelo candidato. As críticas a este modelo vão no
sentido de que o eleitor escolheria um desconhecido e este estaria distante do
cidadão, bem como a lista fechada daria muito poder aos líderes dos partidos.
O
voto distrital misto, por sua vez, traria uma parcela sendo escolhida em parte pelos
distritos e a outra em lista fechada. Conjugar-se-ia os benefícios do sistema
proporcional e do voto distrital ao se fortalecer os partidos e, ainda,
aproximaria os eleitos dos eleitores. Por fim, o chamado “distritão”, seria a
eleição dos deputados federais mais votados, nominalmente. Tal sistema enseja a
crítica de se dar visibilidade a quem já é conhecido e com poder econômico para
bancar uma campanha muito cara. Particularmente, ficaria com o voto distrital
misto, mas não sem antes pensar numa bem articulada campanha de educação cívica
e política.
Outros
temas também fazem parte da reforma política: o mandato para o Executivo de
cinco anos – no caso do fim da reeleição; a obrigatoriedade ou não do voto; a
possibilidade de candidatura avulsa e o recall. No primeiro caso, como afirmei
acima, sou favorável a reeleição com mandatos de quatro anos, limitando o
exercício de apenas dois mandatos, sendo contínuos ou alternados. Inclusive,
imaginemos se os deputados votariam contra a reeleição se, no pacote, estivesse
também o fim da reeleição ou limitação de mandatos para o Legislativo. Começo a
formar convicção que deveríamos pensar, inclusive, na limitação de no máximo
três mandatos para o Legislativo, sejam contínuos ou alternados. Em relação à
obrigatoriedade do voto, penso que em nossa sociedade de frágil cultura
política tornar o voto opcional seria complicado. Quem sabe no futuro com mais
informação, melhor escolaridade e mais consciência política possamos dar um
passo nesta direção. Hoje, infelizmente, não imagino como seria uma eleição com
voto facultativo. Por fim, a ideia – que me agrada – do recall, que nada mais é
do que a população poder revogar o mandato de um governante por meio de
consulta popular.
Há
aqui benefícios e riscos. Um candidato que diz algo e quando eleito faz
justamente o contrário poderia ser “convidado” a se retirar e tentar a sorte
noutra oportunidade. Não se teria que conviver com governante sem apoio e
tampouco liderança de fato. O risco, ainda numa sociedade de pouca cultura
democrática, é se deixar seduzir por um discurso salvacionista ou autoritário,
além de se tornar inviável a possibilidade de governabilidade.
Penso,
enfim, que no limite a sociedade brasileira está alheia a toda esta discussão.
Os políticos, na grande maioria, vão discutir a reforma política e votarão
guiados pela conveniência e não pela racionalidade e pelo espírito democrático
e republicano. A política é por demais importante e séria para ficar tão
somente nas mãos dos políticos. A sociedade deve estar atenta e todos,
indistintamente, e devem, em maior ou menor grau, se envolver nesta discussão.
Rodrigo
Augusto Prando - professor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, é licenciado e bacharel em Ciências
Sociais, mestre e doutor em Sociologia, pela Unesp, Araraquara.