Esquecidos nas negociações,
mercadinhos, como o Rio Market, que funciona há 30 anos nos EUA, e outras
empresas dedicadas ao comércio de produtos brasileiros em solo norte-americano,
serão os maiores prejudicados com a elevação das tarifas
IMAGEM: Rio Market/divulgação
Fora da lista de quase 700
exceções concedidas pelo governo norte-americano e sem nenhum benefício
do pacote de ajuda prometido
pelo governo brasileiro. Existe um grupo que parece ter sido “esquecido” por
todos os lados da tensão tarifária entre Brasil e Estados Unidos: o dos
empreendimentos brasileiros instalados nos EUA e que dependem da
comercialização das importações. Diferentemente do que muitos pensam, esse
grupo não é inexpressivo, ao contrário, são milhares de negócios, que empregam
outros milhares de colaboradores e atendem a uma comunidade de mais de 2
milhões de pessoas.
Eles incluem desde pequenas
mercearias especializadas a redes supermercadistas estabelecidas há décadas. De
sandálias a roupa de praia, alimentos a produtos de higiene e limpeza, há uma
gama enorme de produtos cujos preços devem saltar a partir dos próximos dias,
em um movimento que pode até inviabilizar a permanência no mercado americano de
alguns itens.
“Em mais de 30 anos no mercado,
nunca passamos por uma situação tão difícil como essa. Não há para onde fugir”,
diz o empresário Ricardo Bastos, proprietário dos supermercados Rio Market. Ele
possui duas lojas, uma em Astoria (Nova York) e outra em Jacksonville
(Flórida). A primeira está em atividade desde 1994 e ambas oferecem um
portfólio de mais de 2 mil itens, todos importados do Brasil.
Nada do que é vendido no Rio
Market entrou na lista de exceções. Tampouco o empresário recebeu qualquer
contato, orientação ou apoio do governo brasileiro ou de instituições
relacionadas. A sensação é de abandono por parte das autoridades. E a esperança
é que ações na Justiça norte-americana possam barrar a elevação das tarifas e
reverter a situação. “Minha opinião é que isso vai mudar. Torço para que tudo
volte atrás”, diz.
Enquanto a reversão não
acontece, o repasse nos preços deve ser integral e imediato. Bastos explica que
não têm fôlego para absorver aumentos grandes, uma vez que as margens já estão
muito apertadas. “Esperávamos que pelo menos os alimentos pudessem entrar na
lista de exceções, mas não foi o que aconteceu. Só o suco de laranja
industrializado entrou, mas esse é um produto vendido nos supermercados
norte-americanos para o público norte-americano, não aqui. Aqui vendemos suco
de laranja natural, feito na hora.”
Segundo o empresário, seus
fornecedores avisaram que os aumentos nos preços virão nos próximos dias, a
partir dos desembarques com a nova política tarifária em vigor. “Fizemos o
possível para antecipar compras e estocar mercadorias antes do aumento, mas não
temos mais nada que possamos fazer. Estamos todos trabalhando com a expectativa
de uma queda muito grande nos negócios”, afirma.
Futuro
incerto
Alguns produtos podem começar a
faltar. A opinião é compartilhada pelo exportador e despachante aduaneiro
Fabrício Treggi, sócio da EFX International, que tem entre seus clientes dois
distribuidores que atendem exclusivamente o mercado dos Estados Unidos com
produtos brasileiros. Um deles, a Panamerican Foods, é responsável pelo
abastecimento de 700 lojas distribuídas pela costa leste norte-americana.
“O movimento já tinha dado uma
caída desde o anúncio dos 10% de tarifação, há alguns meses. Agora ficou muito
pior. Estamos revendo para baixo todas as nossas previsões.” Ele conta que os
negócios com os Estados Unidos estavam em expansão e que, no ano passado,
embarcou 65 contêineres para a Panamerican. Para 2025, a expectativa era a de
chegar a 80 até o final do ano.
No entanto, com a mudança
recente das regras, o trabalho neste momento é de tentar conter os danos. “A
esta altura do ano, deveríamos ter embarcado já em torno de 40 contêineres, mas
só enviamos 25. Nesse ritmo, chegaremos a, no máximo, 50. O que seria um ano de
expansão, virou queda”, revela. “Há 13 anos trabalhando nesse mercado, esse é o
pior momento que estamos passando. Nunca vi uma tensão comercial tão forte
entre Brasil e Estados Unidos”, desabafa.
Treggi diz que se sente
totalmente no escuro, sem apoio ou orientação de nenhum organismo. “Hoje a
gente não vê nenhum interesse dos governos nisso. Pode ser que os grandes, com
mais destaque na balança comercial, tenham recebido orientação, mas nós,
pequenos, não tivemos nenhuma ajuda, nem teórica nem prática”, afirma.
Preço x
vontade de consumir
Até para estimar o tamanho da
queda fica difícil. “A gente ainda não sabe como tudo vai ficar porque depende
também das reações dos consumidores. Com os preços mais altos, produtos que
possuem similares fabricados nos Estados Unidos podem ficar inviáveis
economicamente para competir no mercado. Precisamos esperar para ver como o
público vai reagir para, aí sim, entender o que compensa continuar e o que não vale
mais a pena”, explica Treggi.
Entra nessa conta, ainda, os
receios dos próprios consumidores e o tamanho da vontade dos imigrantes de
matar a saudade de casa. Quando se fala de produtos do Brasil, é possível
encontrar alguns já com produção nos Estados Unidos, como, por exemplo, pão de
queijo ou salgadinhos congelados, mas essa parcela é muito pequena. “Nosso
público é o que chamamos de ‘público da saudade’, que busca mercadorias típicas
brasileiras, e grande parte delas é fabricada e importada do Brasil”, conta
Cassiano Fabris, proprietário do Everyday Brazil, rede de venda de mercadorias
brasileiras online, em atividade desde 2019.
Segundo ele, a preocupação com
o futuro está contaminando o comportamento de compras dos clientes e alguns
produtos, como o café brasileiro, registraram aumentos significativos de
procura. “Nosso consumidor tem aumentado seus estoques em casa, isso se nota
pelo volume de compras”, confirma Katia Masutti, responsável pela área de
vendas do Everyday Brazil.
Masutti e Fabris revelam que a
empresa também elevou seus estoques na tentativa de poder segurar os valores
pelo maior tempo possível, está trabalhando intensamente com importadores e,
ainda, buscando melhorias na sua estrutura de custos. Mesmo assim, admitem que
não haverá como impedir o impacto das tarifas mais altas.
Milhões
afetados
A elevação de tarifas de
importação aos produtos brasileiros para 50%, determinada pelo governo do
presidente Donald Trump, começou a valer na última quarta-feira, dia 06/08, e
impacta alimentos, bebidas (exceção apenas ao suco de laranja), calçados,
roupas, produtos de limpeza, de higiene e beleza, entre milhares de outros
itens. Muitos são frequentemente consumidos pela comunidade brasileira nos
Estados Unidos.
De acordo com dados do Itamaraty,
dos 4,9 milhões de brasileiros que vivem no exterior, 45,3% estão na América do
Norte, sendo mais de 2 milhões nos Estados Unidos. As maiores comunidades estão
nas regiões de Nova York (500 mil pessoas), Boston (420 mil pessoas) e Miami
(400 mil).
Estela Cangerana, dos Estados Unidos
Fonte: https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/as-vitimas-invisiveis-do-tarifaco
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