A apresentação de adolescentes em conflito com a lei a um juiz ou uma juíza para a verificação de episódios de tortura é fundamental para a identificação desses casos e a respectiva investigação. De acordo com a pesquisa Caminhos da tortura na Justiça Juvenil brasileira: o papel do Poder Judiciário, elaborada pelo CNJ em parceria com o Instituto de Estudo e Pesquisa (Insper), o indicativo de ocorrência de tortura foi mostrado por adolescentes apreendidos quando questionados durante audiências.
O estudo buscou identificar como a magistratura, especialmente na etapa do atendimento inicial, aborda a questão da tortura e dos maus-tratos contra adolescentes envolvidos com atos infracionais. Os dados do estudo vão orientar o CNJ na maior capacitação de juízes e juízas sobre as normas já existentes, como resoluções, recomendações e manual, e trabalhar na elaboração de novos mecanismos que fortaleçam o combate à tortura de jovens no país praticada no ato da apreensão.
Atualmente, a Resolução CNJ n.
414/2021
estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de
corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura. O
instrumento age no aperfeiçoamento dos laudos periciais em caso de indícios de
prática de tortura ou maus-tratos na justiça criminal e na justiça juvenil. Uma
das conclusões do diagnóstico encomendado pelo CNJ aponta pouca aplicação
dessas diretrizes.
Na avaliação do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César, a
pesquisa representa diagnóstico importante sobre o tema um caro ao Conselho
Nacional de Justiça. “O estudo servirá para que o CNJ busque soluções para os
problemas apontados e possa conscientizar todo o sistema de Justiça a respeito
do cumprimento da Resolução CNJ 414/2021”, afirmou.
Cenário
A pesquisa analisou 185 audiências de apresentação para identificar o papel de magistrados
e magistradas na prevenção e no combate à tortura na Justiça Juvenil. Além
disso, foi analisado também como os temas da prevenção e do combate à tortura
aparecem na fase da execução das medidas socioeducativas de internação.
Entre dezembro de 2023 e julho de 2024, os pesquisadores entrevistaram
juízes e juízas e, também, integrantes da Defensoria Pública, do Ministério
Público, os próprios adolescentes em unidades de internação, representantes da
sociedade civil, servidores e servidoras de órgãos de atendimento
socioeducativo, equipe técnica dos tribunais e mães de adolescentes.
De acordo com o levantamento, ainda são poucos os magistrados que
perguntam diretamente sobre tortura. Em 62% do total de audiências observadas,
os magistrados não perguntaram ao adolescente sobre as circunstâncias da
apreensão ou abordagem policial. O mesmo ocorre com promotores e defensores
públicos.
Números
Um dos pontos observados ao longo das audiências é o fato de os adolescentes se
sentirem à vontade para falar quando são questionados. Somente em 2,7% dos
casos os adolescentes afirmam espontaneamente sobre a existência de algum tipo
de violência. Quando é identificado algum caso de tortura, a pesquisa indicou
que, em 91,3% das denúncias, os autores da violência são policiais militares.
Outros autores, apontados pelo estudo, são policiais civis ou populares.
A pesquisa destaca ainda que foram feitas, nas audiências observadas, 23
denúncias de tortura, porém em apenas uma houve análise do laudo durante a
audiência de apresentação. Desse total, o exame de corpo de delito foi
realizado em sete casos, como orienta a Resolução CNJ 414/2021. Em nove casos,
houve encaminhamento às autoridades competentes entre os quais estão Ministério
Público, Polícia Judiciária e órgãos administrativos de correição.
Na avaliação dos pesquisadores, o estudo reforça a necessidade de se observar
um fluxo de atendimento inicial no qual o juiz exerça o papel central na
identificação, apuração e pedido de providências em caso de denúncias de
tortura. Entre as recomendações, estão a edição de ato normativo que uniformize
a realização da audiência de apresentação, a garantia da presença física do
adolescente perante a autoridade judiciária e o estabelecimento de protocolo
com procedimentos para a entrevista qualificada, para a documentação dos
indícios de prática de tortura ou maus-tratos.
Outros instrumentos
O CNJ tem realizado um conjunto de iniciativas que visam reforçar o papel do
Poder Judiciário na garantia dos direitos fundamentais de adolescentes em
conflito com a lei, especialmente os que receberam a medida de privação de
liberdade. Além da Resolução 414/2021, no mesmo ano, o CNJ editou a Recomendação 98/2021, com diretrizes para a
realização de audiências concentradas para a reavaliação de medidas
socioeducativas de internação e de semiliberdade.
A recomendação é de que a autoridade judicial indague sempre, em
audiência, sobre o tratamento recebido por cada adolescente ao longo do
cumprimento da medida socioeducativa e questione, em especial, as condições de
execução da medida socioeducativa e a ocorrência de violações de direitos, como
a prática de tortura e outros tratamentos degradantes.
Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
Insper
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