O ano mudou, mas as
emendas parlamentares seguem no centro dos embates políticos do país. As
primeiras semanas de janeiro, época que costuma ser calma em Brasília devido ao
recesso parlamentar, conheceram mais uma dura queda de braço entre o Judiciário
e o Legislativo em torno das regras de distribuição desses recursos.
Trata-se de uma disputa
cujos resultados terão impacto direto no financiamento das políticas públicas
nacionais e, portanto, no dia a dia da população. Em 2024, as emendas
direcionaram nada menos que 19,5% de todo o recurso discricionário federal,
isto é, dos gastos não obrigatórios, como custeio e investimento. Foram quase
R$ 45 bilhões de um total de R$ 230,1 bilhões.
Desde 2020, quando esses
gastos explodiram, o percentual do Orçamento abocanhado cresce ano a ano. Em
2022, esse instrumento representava 13,8% do dispêndio discricionário. No ano
seguinte, passou para 16,6%. Em termos absolutos, os deputados e senadores
destinaram cerca de R$ 150 bilhões nos últimos cinco anos, drenando recursos
dos ministérios e a sua capacidade de fazer grandes investimentos. No ano
passado, por exemplo, o Congresso indicou o destino de 74% dos recursos do
Ministério do Esporte e 69% da pasta do Turismo.
Não bastassem a
distorção do gasto público revelada por tais números e a pulverização de
recursos que tais práticas geram, também vão se avolumando indícios de mau uso
desse dinheiro, quando não de suspeitas de corrupção. Um pente-fino feito pela
Controladoria-Geral da União no final do ano passado revelou um quadro de
vastas irregularidades, desperdício de verbas públicas e atraso na execução dos
projetos.
Uma das auditorias mirou
os 30 municípios que, proporcionalmente à sua população, mais receberam
recursos por meio das emendas de relator, o famigerado orçamento secreto, e de
sua substituta, as emendas de comissão, no período de 2020 a 2023. Embora sejam
cidades de pequeno porte –a mais populosa delas, Tauá, no Ceará, possui 61 mil
habitantes– elas receberam impressionantes R$ 788 milhões.
A emenda de relator,
vale lembrar, começou a ser utilizada em 2019 para direcionar recursos para
municípios e existiu até 2022, quando o STF a declarou inconstitucional. Em
2023, as emendas de comissão do Congresso tomaram o lugar delas e passaram a
fazer a destinação vultuosa de verbas do Orçamento federal por indicação
política. Seja qual for a modalidade, o problema de origem é o mesmo: a falta
de transparência. O parlamentar que decidiu pelo uso do dinheiro não é
divulgado nos canais de acesso à informação do governo e do Legislativo. Além
disso, há casos sendo investigados de desvios e má aplicação dos valores.
Por meio de visitas
presenciais, os técnicos da CGU avaliaram obras, equipamentos, veículos e
outros bens adquiridos com os recursos das emendas. Os resultados são
alarmantes. Das 256 obras auditadas, 39% não haviam sequer sido iniciadas, 5%
estavam paralisadas e apenas 27% tinham sido concluídas. O quadro é ainda
mais desolador se considerada apenas a educação básica: das 37 obras objeto das
emendas, 29 ainda não tinham começado.
A controladoria também
analisou os repasses para as entidades do terceiro setor, com foco nas 26
organizações que receberam o maior volume de empenhos ou pagamentos em 2024.
Somente quatro delas haviam apresentado informações do uso do dinheiro com a
publicização adequada, considerando os critérios de acessibilidade, clareza,
detalhamento e completude; nove forneceram dados de forma incompleta e metade
delas não foram transparentes ou não divulgaram informações. A partir dessa
análise, o ministro Dino suspendeu os repasses a essas 13 últimas organizações.
Por iniciativa própria,
o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo também deu a sua contribuição ao
esforço fiscalizatório. No fim do ano passado, a corte paulista aplicou um
questionário aos 644 municípios sob sua jurisdição, referentes a verbas
federais e estaduais recebidas por meio das chamadas emendas Pix, no período
de janeiro de 2020 a agosto de 2024.
Oficialmente chamada de
transferência especial, essa modalidade de destina recursos diretamente para o
caixa das prefeituras, sem que o deputado tenha de indicar onde o recurso será
usado nem o prefeito dizer onde o gastou. A falta de controle, desnecessário
dizer, abre brechas para desvios e fraudes.
A análise do tribunal
revelou, por exemplo, que no final de agosto, os municípios paulistas
acumulavam, parados em contas bancárias, R$ 831 milhões oriundos das emendas
Pix, um indício de ineficiência na gestão desses recursos.
Foram verificadas também
falhas na publicização da execução dos recursos, uma vez que 44% dos municípios
não dispõem de um link no Portal da Transparência que detalha os valores
recebidos. Além disso, em uma a cada três cidades, a aplicação desse dinheiro
não foi submetida à fiscalização do controle interno do município.
Vistos em conjunto,
esses dados deixam claro a importância cada vez maior que os órgãos de controle
interno e externo da administração pública têm no contexto atual. O aumento
recente do poder do Congresso, turbinado pelas emendas parlamentares, somado à
falta de transparência de parte considerável desses recursos, impõe a
necessidade de uma vigilância reforçada sobre essas destinações. Trata-se,
afinal, do bom uso de um dinheiro que é de todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário