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As favelas aparecem nos veículos de comunicação como local de miséria, exclusão e estigmatização, mas também de resistência cultural e diversidade. Sua topologia polifônica pode ser comparada a uma Babel, com milhares de entradas e incontáveis caminhos. Pessoas sobrevivendo em meio à miséria, com falta de quase tudo. Massa humana esquecida pelo Estado que vai à luta e que ainda consegue se divertir em meio à violência e pobreza.
Elas
surgiram devido à falta de política de habitação para os ex-escravos. A
“liberdade” da população negra no Império não lhes garantiu o básico para a
sobrevivência. O Estado não os indenizou, restando-lhes somente subirem os
morros e criarem favelas, sendo a primeira constituída no século XIX, no centro
do Rio de Janeiro, conhecida como Morro da Favela, hoje Morro da Providência.
Agora já se
tornou lugar-comum: não param de crescer e as grandes cidades estão cada vez
mais violentas. A esse aspecto soma-se que essas regiões encravadas por toda a
cidade criam suas próprias leis, sua linguagem, maneira de vestir e de andar,
servindo não apenas de elemento estigmatizado, mas tornando-se influente na
indústria cultural que vai da moda à música.
Se há o
medo que esses territórios suscitam na população das cidades em geral, há, como
em tudo que é proibido situando-se às margens do que é oficial e “normal”, a
formação do fascínio pelos elementos sociais de destaque nesses contextos. O
próprio capitalismo que tudo transforma em mercadoria, e, portanto, em lucro,
vem construindo um mercado cultural inspirado nos contextos das favelas.
Esse poder
crescente do crime e da cultura das favelas pode sugerir que a fragmentação do
tráfico provoca questionamentos em relação à ocupação e dominação dos espaços
das comunidades no Rio de Janeiro pelos criminosos tidos como exemplos do poder
local. Seriam elas: “Favelas ou Principados?”.
Essa
diversidade suscita nos moradores das favelas uma visão de mundo na qual é
patente a hierarquia constitutiva de seu contexto sociocultural particular.
Principalmente em relação a quem manda, comanda e desmanda na região, a
autoridade que chefia o tráfico (o “chefe’; o “dono”), e, por conseguinte, a
vida das pessoas nas favelas sob seu domínio.
Mas esse
momento de incerteza política, aumento da corrupção e insegurança social,
instabilidade das favelas devido às fragmentações por parte do tráfico e à
criação de organizações criminosas, provoca um tipo de dominação na qual as
“benesses” engendradas de forma paralela às estruturas oficiais reforça as próprias
estruturas de dominação criadas e mantidas pelas autoridades do crime.
Com efeito,
um aspecto crucial para categorizar um principado nesse caso é remeter àquela
descrição de Maquiavel mencionando a existência de Estados divididos em
Repúblicas e Principados, sendo estes últimos herdados ou conquistados.
Essa
dinâmica política está presente nas disputas e manutenções de poder nas favelas
cariocas que apresentam em seus cotidianos as relações de dominação de
organizações autossuficientes – espécie de Estado paralelo – que independem do
Estado oficial para gerir a vida daqueles que desde sempre foram por este
último abandonados: os favelados.
Os novos
atores que surgiram, no final da década de 90 e início dos anos 2000, nas
favelas cariocas mudaram o cenário interno de muitas delas. Diante do exposto,
houve mudanças de uma década para outra, uma passagem do fim de um período
“romantizado” das favelas para o momento chamado de “Cidade Partida”, segundo o
jornalista e escritor Zuenir Ventura.
Agora, assim como os principados têm seus líderes (príncipes), as favelas cariocas possuem seus chefes ou “donos”.
Fabrícia Miranda - roteirista, pesquisadora das favelas cariocas, moradora do Complexo de Manguinhos e autora do livro “Codinome Beija-flor: Noite Escura”
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