Revisão de estudos conduzida por pesquisadores da USP analisa como esses determinantes impactam a formação dentária, levando à hipomineralização molar incisivo
Diferente da cárie, causada por
bactérias, a hipomineralização molar incisivo é um defeito de desenvolvimento
que resulta na formação de dentes com menor teor de cálcio e fósforo,
tornando-os porosos, hipersensíveis a estímulos térmicos e mecânicos e
suscetíveis a fraturas. Estimativas indicam que uma em cada cinco crianças pode
ser afetada, com o problema crescendo nas últimas décadas.
Embora estudos recentes tenham
identificado associações relevantes, como doenças e episódios frequentes de
febre na primeira infância, exposição a poluentes ambientais, uso de álcool durante
a gestação e dificuldades no parto que resultam em hipóxia, as causas
moleculares do problema ainda são desconhecidas, e faltam tratamentos
específicos.
Para reunir o máximo de
evidências sobre os fatores determinantes da hipomineralização molar incisivo
(MIH, na sigla em inglês), pesquisadores da Faculdade de Odontologia de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Forp-USP) realizaram uma
abrangente revisão de estudos publicada na revista científica Monographs
in Oral Science.
“A hipomineralização resulta de
uma deficiência mineral no esmalte do dente, devido a um problema que ocorre
entre a gestação e os primeiros três anos de vida, e tem se tornado cada vez
mais comum na prática clínica, o que destaca a urgência de intervenções
precoces”, explica Francisco Wanderley Garcia de
Paula-Silva, professor da Forp-USP e
coordenador do trabalho. “Atualmente, muitos tratamentos falham devido à
estrutura comprometida do esmalte, resultando em um elevado número de trocas de
restaurações ao longo da vida das crianças.”
Alterações
nas propriedades do esmalte
De acordo com a revisão de
estudos, que recebeu apoio da FAPESP, o esmalte dentário afetado pela hipomineralização molar incisivo sofre
mudanças significativas em suas propriedades químicas, estruturais e mecânicas.
Ele apresenta opacidades que variam de branco opaco a amarelo e marrom, com
análises elementares indicando um conteúdo reduzido de cálcio e fósforo,
minerais que são abundantemente encontrados em esmalte saudável. Além disso, a
incorporação de proteínas e outras moléculas, como carbonato, resulta em uma
maior solubilidade, tornando o esmalte hipomineralizado mais suscetível a
fraturas após a erupção dentária.
Estruturalmente, a camada de
cristais do mineral hidroxiapatita no esmalte afetado é desorganizada,
implicando aumento da porosidade da estrutura. Isso pode estar atrelado à
hipersensibilidade dentária, comum entre pacientes com a condição. As
propriedades mecânicas da camada mais externa do dente também são
comprometidas, o que a torna mais frágil.
Essas repercussões clínicas,
que afetam consideravelmente a qualidade de vida das crianças, podem ser
causadas por interrupções na função dos ameloblastos (células especializadas
responsáveis pela formação do esmalte) ou falhas intercelulares, que permitem a
incorporação de proteínas séricas no esmalte resultando em uma menor atividade
de enzimas como MMP-20 e KLK-4, importantes para a maturação do esmalte.
“A sinalização inadequada de
moléculas essenciais e falhas na biomineralização da matriz orgânica do esmalte
impactam diretamente a maturação do esmalte”, afirma Paula-Silva. “Esses
mediadores são essenciais para a formação adequada do esmalte e, quando falham,
resultam nos defeitos observados clinicamente.”
Necessidade
de intervenções
Diante das complexidades
envolvidas nas causas e consequências da MIH, a revisão aponta para a
necessidade de pesquisas adicionais que identifiquem de forma definitiva os
mecanismos moleculares associados à hipomineralização. Compreender as
interações ambientais e epigenéticas que influenciam a saúde dental pode
contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento mais
eficazes.
“Também é fundamental integrar
a saúde bucal no contexto da saúde geral das crianças, priorizando a educação e
a conscientização sobre os fatores de risco tanto entre profissionais de saúde
quanto entre famílias, para que possam mitigá-los”, diz Paula-Silva.
O artigo Implications
of Histological and Ultrastructural Characteristics on the Chemical and
Mechanical Properties of Hypomineralised Enamel and Clinical Consequences faz
parte do livro "Molar Incisor Hypomineralisation: New Perceptions”,
editado pelas professoras doutoras Daniela Rios, da Faculdade de Odontologia de Bauru da USP (FOB-USP), e Lourdes Santos-Pinto, da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (FOAr-Unesp), e pode ser lido em: https://karger.com/books/book/5988/chapter-abstract/15428216/Implications-of-Histological-and-Ultrastructural?redirectedFrom=PDF.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/fatores-ambientais-geneticos-e-doencas-na-infancia-estao-associados-a-dentes-fracos-sensiveis-e-opacos-em-criancas/53719
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