Pessoas com doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC), em geral, não toleram fazer exercícios físicos – o
cansaço, a falta de ar constante e a fraqueza muscular associados à condição
são fatores que, muitas vezes, desestimulam a prática rotineira de atividades
físicas.
O exercício regular, no
entanto, é considerado a conduta mais efetiva na reabilitação pulmonar desses
pacientes. Agora, um novo estudo brasileiro, coordenado pela professora Fernanda Degobbi Lopes e apoiado pela FAPESP,
ressalta os benefícios do exercício físico também na resposta imune das pessoas
com DPOC grave, mostrando diminuição dos fatores inflamatórios, maior ganho de
massa muscular, diminuição da dispneia e melhora da qualidade de vida dessas
pessoas.
O trabalho inédito foi
conduzido durante o pós-doutorado de Juliana Tiyaki Ito-Uchoa no
Laboratório de Terapêutica Experimental, do Instituto dos Laboratórios de
Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), com colaboração do Departamento de
Fisioterapia, do Serviço de Reabilitação Pulmonar, do Serviço de Pneumologia do
Instituto do Coração (Incor) e do Laboratório de Dermatologia e Imunodeficiências.
Os resultados foram publicados na
revista Pulmonology.
Há cerca de dez anos, Lopes e
seu grupo de pesquisa vêm estudando a resposta imune na DPOC. Eles demonstraram
tanto em estudos clínicos como em experimentais que os indivíduos fumantes que
desenvolvem a DPOC apresentam uma falha na resposta imune mediada por um tipo
específico de células reconhecidas por controlar o processo inflamatório.
A DPOC, como o próprio nome
diz, é uma doença crônica do pulmão que tem como principal agente causador o
tabagismo. É uma doença multifatorial complexa, que provoca um processo
inflamatório crônico dos brônquios, causa a destruição das paredes alveolares e
leva a efeitos sistêmicos, como comorbidades cardiovasculares, perda de massa
muscular, maior fragilidade óssea, além de contribuir para o descondicionamento
físico.
Sua principal característica é
a limitação do fluxo aéreo pulmonar, associada a uma resposta inflamatória
anormal à inalação de partículas ou gases nocivos (especialmente vindos do
cigarro). Isso se reflete justamente na redução da aptidão física, gerando
prejuízo das atividades laborais e da vida diária. Por isso, a doença é
considerada uma das principais causas de morte e de incapacidade física no
mundo.
As células
de defesa
O processo inflamatório causado
pela DPOC provoca uma resposta imune do organismo tanto na resposta inata
(das células que residem no tecido e estão de “prontidão” para responder a
qualquer fator exógeno) quanto na resposta adaptativa (que acontece quando a
pessoa continua exposta ao tabagismo, intensificando o processo inflamatório, o
que leva à condição de cronicidade e ativação de outros mecanismos de defesa
mais específicos).
No caso da DPOC, alguns estudos
clínicos e experimentais desenvolvidos pelo grupo coordenado por Lopes, também
com apoio da FAPESP (Auxílios à Pesquisa 16/17817-8 e 14/15819-8),
demonstraram que a doença induz um desequilíbrio nas células de defesa Th17 e
Treg (dois tipos de linfócitos), o que contribui para uma falha no controle da
inflamação e na consequente progressão da doença.
As células Treg são
consideradas anti-inflamatórias e são responsáveis por ativar a produção da
interleucina 10 (IL10), que ajuda a diminuir a resposta inflamatória no
organismo. Em contraste, as células Th17 são pró-inflamatórias, ou seja, quando
seus níveis estão aumentados, elas são associadas à progressão e piora da doença.
Os estudos do grupo
demonstraram o aumento da resposta mediada pelas células Th17 no
desenvolvimento e na progressão da DPOC. Demonstraram ainda que fumantes que se
tornam DPOC apresentam uma redução da resposta anti-inflamatória mediada pelas
células Treg, que estão diminuídas ou inativadas, ou seja, não conseguem
trabalhar corretamente.
“As células Treg estão
presentes nos tecidos, mas elas precisam de uma ‘sinalização’ para serem
ativadas e produzirem a interleucina 10, que vai atuar na diminuição da
inflamação. Nas pessoas que fumam e têm DPOC, esse mecanismo não é ativado”,
explicou Lopes, autora principal do estudo.
O impacto
do exercício
O efeito anti-inflamatório do
treinamento físico é bem estabelecido em adultos saudáveis: a atividade física
suprime a inflamação sistêmica por meio da liberação muscular local de miocinas
(proteínas produzidas pelos músculos quando contraídos), responsáveis pelo
aumento da interleucina 10, por exemplo. Em pessoas com DPOC, o treinamento
físico é fundamental para a reabilitação pulmonar, mas ainda não se conhecia o
mecanismo envolvido na resposta imune anti-inflamatória.
Para chegar à conclusão, a
equipe avaliou 20 pessoas com DPOC grave, que tinham entre 50 e 80 anos,
estavam sob tratamento médico, clinicamente estáveis (pelo menos 30 dias sem
exacerbação) e eram fisicamente inativas. Elas foram divididas em dois grupos:
o grupo exercícios físicos e o grupo-controle.
O programa de treinamento no
grupo de exercícios foi realizado em 24 sessões, três vezes por semana, com
cada sessão durando uma hora. As sessões foram divididas em exercícios
aeróbicos (teste de esteira) e treinamento de resistência (musculação),
supervisionados por um fisioterapeuta.
Após esse período de treinos, o
grupo que fez exercícios apresentou um aumento nas células Treg “ativadas”, ou
seja, com capacidade de efetuar a ação anti-inflamatória, concomitantemente com
uma redução nas células Th17 (pró-inflamatórias). Além disso, o grupo ativo
também apresentou melhora na força muscular e diminuição da dispneia (falta de
ar).
“Além de corroborar os achados
sobre os efeitos benéficos da atividade física para atenuação e prevenção de
diferentes doenças, esses resultados apresentam pela primeira vez que o
treinamento físico inibe a resposta Th17 e promove aumento de células Treg com
atividade anti-inflamatória em indivíduos com DPOC, mesmo em estágios avançados
da doença. Isso significa melhora da resposta imune e consequente atenuação dos
sintomas respiratórios”, conta Lopes.
Na prática, diz a pesquisadora,
os benefícios da atividade física podem ser estendidos para qualquer pessoa com
DPOC, mesmo que não seja um paciente grave. “A gente sabe que a maioria não faz
atividade física por causa da falta de ar, do cansaço. À medida que a doença
progride, a pessoa perde cada vez mais sua capacidade respiratória. Mas esse
estudo traz resultados que vão impactar a vida dessas pessoas. É essencial que
elas entendam que, aos poucos, o exercício físico vai melhorar a aptidão
física, melhorar a força muscular e ainda diminuir a inflamação”, ressaltou a
pesquisadora.
A doença
no Brasil
Nos países industrializados,
estima-se que entre 5% e 10% da população adulta sofra de DPOC. No Brasil,
um estudo realizado com pessoas com mais
de 40 anos mostrou uma prevalência de 15,8% na Região Metropolitana de São
Paulo.
De acordo com dados da
Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) baseados na metodologia Global Burden
of Disease (GBD), por aqui a DPOC é a quinta causa de morte entre as doenças
crônicas não transmissíveis em todas as idades. Nas últimas décadas, foi a
quinta maior causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) entre
pacientes com mais de 40 anos.
O artigo Effect of
exercise training on modulating the TH17/TREG imbalance in individuals with
severe COPD: A randomized controlled trial pode ser lido em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39764722/.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-comprova-beneficios-do-exercicio-fisico-para-pessoas-com-doenca-pulmonar-obstrutiva-cronica/53660
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