Ela bateu à porta da tua casa. Aguardou um tanto
impaciente. Quando a porta revelou o rosto de quem aguardava, um misto de
sensações percorreu o teu corpo. Freepik
Um estranho sentimento de familiaridade e surpresa.
Uma conhecida de longa data, mas cuja intimidade nunca havia sido revelada.
Agora ela pede para entrar. Tu hesitas um tanto.
Desejas convidá-la para entrar enquanto te
preocupas com o que ela fará com tuas coisas. “Será que vai me roubar o que mais
gosto?” Tu pensas. “Será que ela vai embora se eu a deixar entrar?” A dúvida te
assalta.
Esta cena busca retratar, em parte, o encontro com
nossa sombra. Parte de quem somos, aquilo que desgostamos e por muito tempo
evitamos. Vive como um vizinho persistente em seu esforço para ser
notado.
Faz barulho, toca a campainha, bate à porta, nos manda
recados pelo muro do quintal. Mas olhamos para este vizinho como uma criatura
incômoda, de quem queremos nos ver livres, até que percebemos que o local preferido
de suas denúncias é o espelho.
Para aqueles que decidiram seguir a sabedoria de
Delfos, retratada no templo de Apolo: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os
deuses e o universo,” a cena acima torna-se uma realidade rapidamente.
Ao decidir empreender na aventura mais gloriosa que
um ser humano pode ter, a compreensão da própria alma, ela, a sombra, lhe
estenderá as mãos para que seja acolhida em teu meio, em tua casa, em tua
intimidade.
Um momento realmente luminoso nesta aventura é
quando se entende que ela já estava lá o tempo todo, mas era tratada como uma
estranha, como um estrangeiro em sua própria terra.
Talvez, você leitor, leitora pense que esta
aventura seja uma opção da qual podemos fugir. Eu diria que no máximo nos é
possível atrasar tal encontro. Retardar tal jornada.
Como avestruzes, pode-se pensar que enfiar a cabeça
na terra nos livrará desta visita inevitável. Isso é um engano. Não há criatura
humana que possa evitar dar de cara consigo mesmo em algum momento. Dar de cara
com suas mazelas, tristezas, dúvidas e angústias.
Sendo uma estrada da qual não podemos fugir, o ideal
é encará-la de frente. Abrir a porta de nossa casa e convidá-la para um bom
café. Ouvir o que ela tem a dizer e fazê-la sentir-se em casa.
Afinal, ela sempre esteve aí, mas, por muitos, foi
ignorada até que um dia ela se rebelou e o tapete sob o qual tu tentaste
escondê-la já não mais a comportava. Tornou-se uma montanha na tua sala de
estar.
A beleza que se esconde no acolhimento de nossas
sombras é a promessa do templo de Apolo: conhecer os deuses e o universo. O que
de mais precioso poderia haver se não isso? A jornada é exigente e alguns
recursos podem amenizar e facilitar esta empreitada. Um deles é a
linguagem.
A Sombra, essencialmente, fala em linguagem
simbólica. Para quem não está preparado, pode parecer uma conversa sem pé nem
cabeça. Entretanto, se tu te lançares em leituras poéticas, reflexões
metafóricas angariará os elementos que lhe permitirão traduzir muito do que
esta grande professora tem a dizer.
Assim, seu diálogo tornar-se-á até mesmo aprazível
e aquela figura que um dia bateu à tua porta, será lembrada como uma das
visitas mais importantes que um dia tu recebestes.
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