Os crimes contra a mulher praticados no cenário de
violência doméstica somente foram classificados na legislação nacional, após o
caso denominado Maria da Penha Maia Fernandes, que tramitou na esfera
internacional contra o Estado Brasileiro, perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos.
Pode-se observar que a Lei Maria da Penha foi
elaborada sob a pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e não
como uma decisão interna do governo brasileiro.
Entretanto, em que pese a gênese da referida
legislação, ela tem se mostrado eficiente para evidenciar a desigualdade de
gênero e as múltiplas violências que durante décadas ocorreram e que ainda
ocorrem.
Nessas quase duas décadas da vigência da Lei Maria
da Penha, houve um aperfeiçoamento da legislação brasileira, com várias
modificações legislativas e várias decisões importantes dos Tribunais
Superiores, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Todavia, a desigualdade e a discriminação continuam sendo a tônica da
sociedade brasileira, em face dos altos índices de feminicídio e outras
violências contra a mulher.
As mudanças legislativas evidenciam uma preocupação
com a proteção da mulher, podendo-se mencionar:
1) os crimes de lesão corporal simples dolosa ou
culposa: ação penal pública incondicionada (Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.424/DF), e a Súmula 542 do STJ;
2) o crime de feminicídio: a tipificação se deu por
intermédio da Lei n° 13.104, de 9 de março de 2015, na forma qualificada do
homicídio, desde que contra a mulher por razões da condição de sexo feminino ou
discriminação;
3) o aumento de pena no feminicídio: a
tipificação da circunstância denominada causa especial de aumento de pena por
intermédio da Lei n° 13.104, de 9 de março de 2015;
4) a nova definição de violência psicológica, art.
7º da Lei n° 11340/2006, em razão a Lei n° 13.772/2018;
5) a obrigação de ressarcir todos os danos
causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a
tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total
tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar,
recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado
responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços. (art. 9º. § 4ºm
da Lei n° 11340/2006)
6) a alteração da ação nos crimes sexuais para
pública incondicionada para todos os crimes sexuais, previstos no Título VI;
inserção do capítulo denominado “Da Exposição da Intimidade Sexual”, incluindo
o crime de Importunação sexual, que deixou de ser contravenção penal;
divulgação de cena de estupro, estupro de vulnerável, de sexo, nudez ou
pornográfica, e criou as figuras delitivas de estupro coletivo e corretivo, por
meio da Lei n° 13.718, de 24 de setembro de 2018.
7) a tipificação do crime de violência psicológica
contra a mulher. Incluído pela lei n°14.188/2021, no art. 147-B.
8) a classificação do crime de stalking- a
perseguição, incluída pela Lei n° 14.132/2021, aumentando a pena em metade se
for contra mulher por razões da condição de sexo feminino;
9) a introdução na legislação penal e processual
penal da proibição de prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de
testemunhas e o estabelecimento de causa de aumento de pena no crime de coação
no curso do processo, por meio da Lei n° 14.245, de 22 de novembro de 2021,
denominada Lei Mariana Ferrer.
10) a inclusão de intimidação sistemática
(bullying), em 12 de fevereiro de 2024: (ridicularizar a mulher pelo seu
cabelo, seu corpo, sua origem, alguma deficiência física ou mental, ela sua
religiosidade) e ainda a intimidação sistemática virtual (cyberbullying)
11) a inaplicabilidade da suspensão do processo e
transação penal nas infrações penais com violência doméstica e familiar contra
a mulher, conforme dispõe o art. 41. O STJ entendeu que os referidos institutos
(suspensão condicional do processo e a transação penal) não se aplicam na hipótese
de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha, na edição da Súmula 536.
12) a inaplicabilidade do princípio da
insignificância nas infrações penais de violência doméstica e familiar contra a
mulher conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Súmula 589 do
STJ, bem como no art. 41 da lei n° 11340/2006 (Lei Maria da Penha).
13) a inaplicabilidade do uso da tese da legítima
defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres.
Decisão do STF, por unanimidade, na Ação de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 779, em 1° de agosto de 2023.
14) a prisão preventiva nos casos em que o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, que está prevista desde a Lei n° 12.403 de 2011.
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