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sábado, 10 de agosto de 2024

Dia dos Pais: especialistas comentam os efeitos da paternidade no desenvolvimento dos filhos

 Mais de 170 mil crianças nascidas em 2023 no Brasil não possuem o nome do pai no registro

 

Conforme dados da Arpen-Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), em 2023, dos 2,5 milhões nascidos no Brasil, 172,2 mil deles foram registrados apenas com o nome da mãe — quantidade 5% maior do que o registrado em 2022, de 162,8 mil. Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) obtidos por meio do Portal da Transparência do Registro Civil.

São dados alarmantes e que despertam o questionamento sobre como a presença, bem como a ausência, podem impactar na saúde mental, no presente e no futuro dos filhos. “Embora tenhamos dados sobre o número de crianças sem o nome dos pais na certidão de nascimento, a questão é mais complexa. Há muitos casos de crianças, jovens e adultos que, apesar de terem o nome do pai nos documentos, enfrentam o abandono paterno na prática”, explica a psicanalista e CEO do Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), Ana Tomazelli.

 

Sociedade ainda vê cuidado como função exclusiva da mulher

Por outro lado, em observação a este contexto, o conceito de paternidade ativa adquiriu uma nova dimensão nos últimos anos, passando a ser abordado pelo PNAISH - Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, do Ministério da Saúde. Este programa inclui iniciativas que incentivam a participação dos pais durante o parto e nos cuidados iniciais com o recém-nascido, promovendo o fortalecimento do vínculo desde o início. A presença do pai é crucial tanto para o desenvolvimento das crianças quanto para a saúde dos próprios pais.

A sociedade ainda tem o entendimento de que a função de cuidadora é exclusiva da mulher, e que a responsabilidade do homem nesse aspecto é menor ou até inexistente. O estudo “Atitudes globais em relação à igualdade de gênero”, mostra que um quarto da população brasileira acredita que homens que ficam em casa para cuidar dos filhos são “menos homens”. O relatório “Situação da Paternidade no Brasil” destaca que 82% dos pais brasileiros afirmam que fariam tudo o que fosse necessário para se envolver profundamente no cuidado do filho recém-nascido ou adotado durante as primeiras semanas. No entanto, 68% deles não utilizaram sequer a licença-paternidade de cinco dias prevista por lei após o nascimento ou adoção dos filhos.

 

A presença paterna é fundamental no desenvolvimento dos filhos

“Em nossa sociedade, a ausência paterna é muitas vezes naturalizada. Quando os homens assumem o papel de cuidadores, muitos enfrentam conflitos emocionais, acreditando estar exercendo uma função que não lhes pertence, o que impacta negativamente na criação dos filhos. Uma paternidade saudável é crucial para o desenvolvimento de uma criança, e os pais precisam entender que criar um filho é uma responsabilidade compartilhada igualmente. A presença paterna é essencial, assim como o diálogo e a comunicação assertiva com os filhos. Como diz o provérbio africano, "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança". A boa experiência de uma criança na sociedade começa dentro do núcleo familiar”, destaca a psicanalista. 

“Falando de presença, positiva, respeitosa, acolhedora, são muitos os benefícios para pais e filhos, como o fortalecimento dos vínculos afetivos e emocionais com os filhos, além de trazer mais significado para a vida do pai. Diversos estudos mostram que a presença paterna influencia diretamente no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Além disso, influencia também na saúde mental da mãe. A presença do pai tem benefícios sistêmicos”, explica Ana Tomazelli.

 

Paternidade atípica: a importância da presença ativa

Há também a questão da paternidade atípica, ou seja, a presença do pai na vida de crianças que apresentam alguma alteração no funcionamento cognitivo, neurológico ou comportamental. O estudo “Retratos do Autismo”, realizado pela Genial Care e Tismoo.me, mostra que a maioria das pessoas cuidadoras são as mães, e existe ainda um estigma muito grande sobre as mulheres no momento do diagnóstico do autismo. 

O estudo também detectou que, das mais de 2.000 pessoas entrevistadas, 36% afirmaram que se sentiam culpadas pela condição da criança, e dessas, 89% eram mulheres e 11% homens. Um outro estudo da Genial Care, “Cuidando de quem cuida”, mostra em seus dados que 86% das pessoas cuidadoras de crianças autistas são mães. 

“Em muitas casas, a presença dos pais toma um lugar como coadjuvante nos cuidados das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), e precisamos, juntos, mudar esse cenário. Muitas pessoas perderam seus empregos no Brasil durante a pandemia e um dos grupos mais afetados foi o de mulheres mães. Enquanto principais responsáveis pela educação e cuidado dos filhos, para muitas delas o "trabalho de criar" foi ressaltado pela pandemia e passou a ser realizado em tempo integral – ocupando o lugar antes dividido por um trabalho formal. Para aquelas que mantiveram seus empregos, a jornada continuou dupla: isso significa que, para todas, há sobrecarga e falta de tempo para descanso”, explica a supervisora de Terapia Ocupacional da Genial Care, Alessandra Peres. “A presença do pai pode aliviar a carga de trabalho e emocional da mãe e ajudar a criar um ambiente familiar mais equilibrado, o que é benéfico para todos os membros da família”.

A presença do pai é muito importante para o desenvolvimento e bem-estar de crianças com autismo, e seu papel pode ter um impacto profundo em várias áreas. “São diversos os benefícios. Pais envolvidos e que participam ativamente de diversas atividades de vida diária ajudam as crianças a desenvolver diversas habilidades. Ao longo do desenvolvimento, a criança precisa de diversos tipos de assistência e de estímulo que podem ser divididos entre o papel materno e paterno. Por exemplo, logo no início da vida, a mãe é a fonte de nutrição e alimento para a criança. Porém, à medida que a criança se desenvolve e começa a controlar o movimento do corpo, a presença do pai é um grande reforçador para tarefas que envolvem atividades sensório-motores”, explica Alessandra.

 

Raízes históricas da ausência paterna

Ana Tomazelli destaca que a ausência paterna tem raízes sociais e históricas no Brasil. “Eu tenho a teoria de que esse é um país que ‘nasce sem pai’, do ponto de vista ocidental. Países colonizados em geral, sobretudo de colonização de exploração, como o Brasil, são países fundados na violência contra os corpos femininos negros e indígenas, nos filhos que nasciam sem pai conhecido. Há uma linha histórica que explica essa questão”. 

A psicanalista destaca que, muitas vezes, os pais atuais também vivenciaram a ausência de competência parental com seus próprios pais, experimentando falta de afeto, ausência de diálogo e até mesmo violência. “Embora isso não justifique nem excuse comportamentos inadequados, parece que a paternidade tem sido transmitida através das gerações de maneira similar”.

Ana Tomazelli destaca que essa é uma postura que deve ser proposta pelas gerações atuais, que ainda podem transformar este cenário. “O que quero enfatizar é que é necessário que uma geração tome a decisão de romper com esse ciclo. Cada vez mais, é fundamental incentivar a reflexão não apenas dos pais recém-chegados, mas também daqueles que já são pais, incluindo os pais mais idosos, para que reconsiderem o contexto atual e adotem novas formas de paternidade”, conclui.

 

Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas – Ipefem

https://ipefem.org.br/



Ana Tomazelli - psicanalista e CEO do Ipefem (Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), uma ONG de educação em saúde mental para mulheres no mercado de trabalho. Mentora de Carreiras, Executiva em Recursos Humanos, por mais de 20 anos, liderou reestruturações de RH dentro e fora do país. Com passagens pelas startups Scooto e B2Mamy, além de empresas tradicionais e consolidadas como UHG-Amil, Solera Holdings, KPMG e DASA (Diagnósticos da América S/A). Mestranda em Ciências da Religião pela PUC-SP e membro do grupo de pesquisa RELAPSO (Religião, Laço Social e Psicanálise) da Universidade de São Paulo, também é pós-graduada em Recursos Humanos pela FIA-USP e em Negócios pelo IBMEC-RJ. Formada em Jornalismo pela Laureate - Anhembi Morumbi.
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