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sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

O acordo de colaboração premiada na prática

A colaboração premiada ganhou os holofotes após a Operação Lava Jato. Esse tipo de colaboração gerou uma série de discussões, após diversas investigações criminais envolvendo políticos do alto escalão. Inicialmente, é importante conhecer a Lei 12.850, de 02 de Agosto de 2013, que define a organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal; os meios de obtenção de prova; infrações penais correlatas e o procedimento criminal.   Ou seja, a Lei, relacionada ao acordo de colaboração premiada, foi criada no intuito de se possibilitar práticas e instrumentos eficazes na obtenção de provas, visando o combate ao crime organizado. 

Pois bem. Vamos imaginar um caso de uma operação deflagrada pela Polícia Federal, em que foram presos quatro indivíduos, que supostamente integram uma suposta organização criminosa, que desenvolvia atividade de tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Eles foram alvos de mandado de prisão preventiva e mandados de busca e apreensão. E um quinto indivíduo, que curiosamente não foi alvo de mandado de prisão e nem de busca e apreensão naquele primeiro momento de deflagração da operação, mesmo sendo o responsável pelos repasses financeiros da organização criminosa. Ou seja, esse criminoso era quem lavava o dinheiro advindo de um crime antecedente de tráfico de drogas e executava transferências internacionais para offshores, com objetivo de comprar imóveis em países conhecidos como paraísos fiscais, visando dificultar a apreensão e congelamento de patrimônio da organização criminosa. 

Entretanto, este quinto indivíduo, procura um advogado criminalista, alegando que viu na mídia a prisão de pessoas que possuíam negócios financeiros de intermediação de valores através de empresa formalmente constituída (que possui contrato expresso de intermediação de valores que justifiquem todas as transações financeiras com uma margem de 2% de ganho de capital sobre cada operação), e que jamais imaginava que os valores eram oriundo de tráfico de drogas, já que aqueles indivíduos se identificavam como empresários do ramo de ouro e prata (fazendo importação e exportação, e necessitavam diariamente de receber e realizar pagamentos no exterior), tendo inclusive um compliance implementando e em execução anteriormente. 

Diante dos fatos narrados e comprovados por esse quinto indivíduo, o seu advogado orienta o seu cliente a fazer uma colaboração premiada. E então inicia-se na prática a iniciativa para a colaboração. O advogado criminalista procura o delegado da Polícia Federal responsável pelo caso, se identifica como advogado do quinto indivíduo e explica toda a situação manifestando interesse na colaboração premiada. Isso porque seu cliente poderá também ser alvo de mandado de prisão, busca e apreensão, indiciamento e até mesmo acusação formal da prática de crimes complexos e com uma sanção penal alargada. 

Após este primeiro momento de conversa com o delegado de Polícia Federal, o advogado protocolará uma petição formal conexa ao inquérito policial que deu origem à operação deflagrada, requerendo a abertura de um incidente processual em caráter sigiloso, juntando aos autos declaração específica, nos termos dos Artigos 3º e 3- B, da Lei nº 12.850/2013, em que seu cliente colaborador declara expressamente estar se voluntariando para realização de acordo de colaboração premiada, bem como juntando aos autos procuração específica para realizar pedido de delação premiada. 

 Posteriormente, o advogado deve protocolar uma petição apresentando a proposta formal para formalização do acordo de colaboração premiada, o objeto e as condições, dispondo expressamente na petição, por exemplo, os deveres de, inicialmente, prestar depoimento pessoal polícia, esclarecendo os fatos. E, após homologado o acordo de colaboração premiada  (assinado pelo procurador de justiça, delegado de polícia e pelo Poder Judiciário), fazer a entrega das provas do que depôs, como, por exemplo, planilhas; comprovantes de transações bancárias; computadores e aparelhos telefônicos (que devem ser extraídos de forma correta pela polícia, sob pena de afronta à cadeia de custódia e culminar em uma nulidade processual futura); contratos; documentos diversos; indicação de patrimônio no estrangeiro; dente outros atos que possam contribuir para a busca da verdade real dos fatos e elucidação dos crimes ainda em investigação.  

E em contrapartida, como requisito da proposta de formalização do acordo de colaboração, o advogado pode requerer imunidade total ao colaborador em relação a todos os supostos crimes por ele praticado.  Ou seja, que o titular da ação penal, que porventura venha a ser instaurada, manifeste quanto ao não oferecimento de denúncia em face do colaborador, bem como não representar pela decretação de prisão temporária ou preventiva do colaborador e não aplicar nenhuma multa compensatória, bem como não aplicar nenhuma renúncia de ativos/bens.  

Importante esclarecer que o colaborador, caso necessite, pode requerer ser incluído no programa de proteção ao depoente especial, nos termos e com garantias nos artigos 8. e 15 da Lei n. 9.807/99, sendo certo que de acordo com a ADI 5.508, o Supremo Tribunal Federal entende que o Delegado de Polícia tem legitimidade para efetivar, por autoridade própria, acordo de colaboração premiada sem caracterizar qualquer inconstitucionalidade. E no acordo de colaboração premiada, nos termos do artigo 7, parágrafo 3, da Lei 12850/2013, o colaborador se compromete a preservar o sigilo sobre a proposta de acordo e eventuais documentos anexos, que porventura vierem a ser juntados no procedimento processual.  

Após finalizadas as negociações, em espírito do sistema americano “plea bargain”, porém com limites, deve-se então ser confeccionado o Termo de Acordo de Colaboração Premiada, que deve conter expressamente: a) base jurídica; b) proposta da polícia federal; c) os potenciais benefícios; d) condições da proposta; e) da (renúncia ou não) multa compensatória e de ativos/bens; f) das obrigações do colaborador; g) cláusula de sigilo; h) da participação do ministério público; i) homologação judicial; j) rescisão e dos efeitos da rescisão; k) declaração de aceitação; e então a assinatura de todas as partes, inclusive dos advogados que representam o colaborador. 

Portanto, é fundamental destacar legalidade e validade da colaboração premiada pelo Supremo Tribunal Federal e maior parte da doutrina jurídica, desde que observados os seus requisitos legais, conforme a Lei 12.850/13. 

 

Eduardo Maurício é advogado no Brasil, em Portugal e na Hungria. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema pena y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu, em Direito das Contraordenações e em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados

 

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