Dr. Feres Chaddad, neurocirurgião e referência mundial em tratamentos de MAV, explica que as dores de cabeça, mudanças bruscas de humor, espasmos, convulsões e até mesmo depressão podem ser sintomas indicativos da doença
Segundo estudos epidemiológicos mais recentes, estima-se que 10 a
cada 100 mil pessoas no mundo apresentam uma malformação arteriovenosa (MAV)
cerebral. Conhecida por ser uma alteração do sistema vascular extremamente
difícil de tratar, a MAV se caracteriza por um enovelado de artérias e veias,
malformados e de diferentes tamanhos em formato de bola de lã. Geralmente, se
apresentam entre os 20 e os 40 anos.
A MAV é uma comunicação direta e anormal entre uma veia e uma
artéria, que prejudica o fluxo sanguíneo e a circulação de oxigênio pelo tecido
cerebral. Em condições normais, as artérias transportam o sangue com oxigênio
do coração para o cérebro e as veias levam o sangue sem oxigênio para os
pulmões.
"Com a MAV, esse sistema é interrompido, o que pode causar o roubo de fluxo sanguíneo em torno dos tecidos adjacentes. Ao deixar essas áreas do cérebro desnutridas, elas atrofiam e começam a perder a função, podendo ocasionar também o rompimento dos vasos, com posterior sangramento (hemorragia) ou dano cerebral", explica o Neurocirurgião Dr. Feres Chaddad, Professor e Chefe da disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP e Chefe da Neurocirurgia da BP -- A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Sintomas
A MAV pode se apresentar como um achado em exames de
rotina e ou controle ou, quando sintomático, manifestar sintomas clássicos,
como cefaleia, tontura, perda da visão, convulsões, déficit cognitivo (falta de
atenção, problemas de memória, dificuldade nos estudos ou trabalho), déficits
motores, com ou sem alteração sensitiva. A MAV também pode ser identificada
após o óbito, no caso de um grande sangramento. Felizmente, uma vez
diagnosticada e acompanhada por um especialista, a doença pode ser tratada com
sucesso.
Para a paciente Gisele Calegari, de 35 anos, foi uma
dor de cabeça intensa, seguida de crise convulsiva, que despertou o alerta para
a MAV. Ela conta que a descoberta da condição começou em um domingo de manhã,
quando acordou extremamente indisposta e apresentando os sintomas que nunca
havia manifestado antes.
"Fui imediatamente levada ao hospital, onde fiz
diversos exames até receber o meu diagnóstico afirmativo para MAV. Passei por
vários médicos, que não concordaram com nenhum tipo de tratamento ou
intervenção pois minha malformação estava localizada em uma área muito nobre e
que, segundo eles, poderia me causar sequelas", relata Gisele.
Tendo este diagnóstico, Gisele decidiu consultar com
o Dr. Feres Chaddad em São Paulo, que indicou o tratamento da MAV
cirurgicamente. Para retirada da extensa MAV, ela foi submetida a uma
craniotomia frontoparietal direita e ressecção microcirúrgica sob monitorização
eletrofisiológica para aumentar a segurança e evitar sequelas irreversíveis.
A maior preocupação desta doença é que, enquanto ela
não é tratada, sempre haverá o risco de ocorrer um sangramento espontâneo, que
pode levar a comprometimentos neurológicos graves e até ao óbito. No entanto,
como informa o Dr. Feres: "A MAV tem cura quando retirada de forma
completa, o que promove a restituição da circulação sanguínea normal ao resto
do cérebro. Uma vez que um tratamento é iniciado, deve sempre ser finalizado, e
sempre ser realizado com o intuito de cura da malformação".
"Tive a sensação como se eu tivesse sobrevivido à um
desastre aéreo"
Quando existe a suspeita, o diagnóstico da MAV pode
ser feito com tomografias, ressonâncias magnéticas e angiografias digitais,
sendo este último o mais importante, pois se trata de um exame dinâmico da
circulação cerebral, muito útil para definir o tratamento e os planejamento cirúrgico.
Para a publicitária Fernanda Bota, de 38 anos, foi graças à um exame para
investigar dor de cabeça, que ela descobriu a sua MAV.
"Sempre fui muito ativa fisicamente. Sou
bailarina, faço academia, mas sempre tive enxaquecas, muito fortes, além de formigamentos
nas mãos, na boca e às vezes me sentia aérea com as dores de cabeça. Ainda
assim, elas não eram frequentes. Em 2020 elas aumentaram de frequência, e
comecei a apresentar pelo menos 3 dias por mês de dor de cabeça muito forte e
atribuía isso ao estresse", salienta a paciente.
Depois da consulta com o neurologista, foi detectado
que a MAV de Fernanda estava bem próxima à área cerebral responsável pelo
movimento (área motora primária), o que poderia levar a sequelas principalmente
na região da mão esquerda. Após ser avaliada pelo Dr Feres Chaddad, ela foi
submetida à cirurgia para ressecção da lesão vascular.
"Em um primeiro momento eu fiquei muito
assustada, porque a minha MAV já estava com um aneurisma. A minha maior
preocupação era ter que viver com isso e não ter cura, mas agora que estou
saindo do estado de alerta – eu tive a sensação como se eu tivesse sobrevivido
a um desastre aéreo", reforça Fernanda.
MAV e AVC
Débora de Carvalho, de 39 anos, recebeu seu
diagnóstico de MAV enquanto estava grávida. Ela apresentou um quadro
persistente de enjoo e dor de cabeça súbita em um ponto específico da cabeça,
que evoluiu e foi diagnosticado como acidente vascular cerebral.
Ela procurou o serviço de pronto atendimento, onde
foi submetida à drenagem de hematoma e descompressão cerebral de urgência.
Infelizmente, ficou para resolução prévia, mas ficou com o movimento do lado
esquerdo debilitado, além de perder a visão periférica esquerda. "Mesmo
grávida e com muitos riscos, conseguimos fazer o parto através do
acompanhamento com o obstetra e com o Dr. Feres. Após algumas semanas,
iniciamos o tratamento com uma embolização prévia pré-operatória, seguido da
microcirurgia para a retirada da MAV", conta Débora
Após a recuperação da cirurgia, Débora passou também
pela restauração do crânio (cranioplastia), na qual é colocado uma prótese no
formado da calota craniana que foi removida na cirurgia da descompressão
cerebral. Atualmente, evolui bem com uma recuperação motora total e parcial do
campo visual - uma questão neurológica que demora um pouco mais para voltar.
"O tipo de tratamento depende das
características próprias da MAV e do paciente. O tratamento pode ser: radiocirurgia
(realizada com radiação dirigida, sendo preferida em lesões muito pequenas em
localizações de difícil acesso), embolização (injeção de substâncias por dentro
dos vasos a fim de ocluir os vasos que alimentam a MAV, para diminuir a fluxo
de sangue que chega até ela), microcirurgia (isolada ou com prévia embolização
da MAV) ou tratamento expectante, quando não existe outra opção terapêutica
devido ao alto risco de complicações", complementa Chaddad.
Feres Chaddad - Professor e Chefe da
Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP, Chefe da Neurocirurgia da BP - A
Beneficência Portuguesa de São Paulo - e um dos maiores especialistas em
neurocirurgia no país. É uma referência nacional e internacional no campo da
microcirurgia neurológica, com destacada atuação em ensino, pesquisa e prática
médica. Atuando como neurocirurgião há
mais de duas décadas, tem amplo domínio das mais avançadas técnicas de
tratamento de doenças como aneurismas, malformações arteriovenosas cerebrais,
cavernomas, epilepsias e tumores que acometem o sistema nervoso.
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