O agronegócio, setor da economia com participação em 24,8% do último PIB nacional, tem passado por várias tempestades nos últimos anos e enfrenta uma onda de incertezas quanto à estabilidade de suas atividades.
Em fevereiro de 2022, a deflagração da Guerra na
Ucrânia colocou em risco o fornecimento de fertilizantes russos para o Brasil,
e mais recentemente, a rescisão por parte da Rússia do acordo que permitia o
fornecimento de grãos pela Ucrânia, também começa a imprimir instabilidade no
preço dos alimentos, globalmente falando.
O agronegócio brasileiro, é bom lembrar, embora
pujante a nível mundial, possui dependência quase completa de insumos e
maquinários importados, sendo esta uma antiga fragilidade do setor, mas que
nunca foi objetivamente questionada e solucionada por nossos governantes.
Junto ao cenário internacional complexo, fatores
internos como a alta taxa de juros também contribuem para dificultar a
produtividade do setor, prejudicando, por exemplo, o acesso a insumos, que em
regra se dá via crédito.
Somando-se a tudo isso, há outro fator de grande
relevância tendente a impactar o ambiente de negócios do agro, que é a reforma
do sistema tributário nacional.
O primeiro passo está sendo dado com a aprovação da
PEC nº 45/2019 pelo Congresso Nacional, que irá simplificar as normas
tributárias.
O texto da reforma ainda não é objeto de consenso,
sobretudo entre estados e municípios, que temem o significativo aumento da
carga tributária em razão da unificação dos tributos. A saber: o ICMS e o ISS
seriam unificados no novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), o que implicaria
na elevação da alíquota média cobrada.
Sob a ótica do agronegócio há um discreto alívio
pois até o momento, pois com base no texto aprovado na Câmara dos deputados
(passível ainda de alterações no Senado), é possível concluir que as alterações
não possuem impacto negativo direto sobre as atividades do campo. Isso porque
algumas demandas do setor foram incorporadas no texto da PEC, como por exemplo
a inclusão dos produtos e insumos agropecuários no rol do regime diferenciado
de tributação – com alíquotas reduzidas em 60% - e as isenções do imposto
seletivo e do IPVA sobre maquinários e aeronaves agrícolas.
No entanto, há um aumento projetado na carga
tributária sobre o setor de serviços que inevitavelmente reverberará de maneira
indireta no agronegócio, e consequentemente no arrocho financeiro do produtor
rural, que já se encontra pressionado pela redução do preço da soja, do milho,
da arroba do boi e, principalmente, pelo alto custo do crédito.
Diante desse contexto de dificuldades e incertezas,
é conveniente citar as ferramentas de reestruturação empresarial disponíveis ao
produtor rural, no que diz respeito à sua dívida tributária.
A Lei nº 11.101/2005 é o instituto jurídico que
visa preservar os benefícios sociais e econômicos advindos da atividade
empresarial/rural (leia-se aqui, produtor tanto a pessoa física quanto
jurídica), por meio de ferramentas específicas de reestruturação. Uma
delas é a Recuperação Judicial, que é um acordo coletivo entre os credores
particulares de um devedor que comprove ao Poder Judiciário estar passando por
uma crise econômico-financeira.
Em resumo, o instituto permite ao produtor rural
obter descontos, parcelamentos, novos prazos e suspensão das cobranças de suas
dívidas (por 1 ano ou mais, dependendo das particularidades do caso) e, por fim
mas não menos importante, possibilita um tratamento tributário mais benéfico.
Diante disso, vamos entender como como a Fazenda
Pública entrará nessa negociação.
A Lei de Recuperação Judicial determina que, embora
a dívida fiscal não possa ser inserida diretamente no Plano de Recuperação
Judicial, a homologação deste depende da apresentação pelo devedor, das
Certidões Negativas de Débito (CND’s).
Com isso, a Receita Federal e a PGFN têm promovido
– pioneiramente – a criação de métodos alternativos de solução do passivo
tributário com condições favorecidas para aqueles devedores em Recuperação
Judicial.
No ano de 2018, com a edição da Portaria PGFN nº
742/18 foi criado o Negócio Jurídico Processual (NJP), que é uma espécie de
negociação da dívida tributária para ser usada dentro dos processos fiscais,
que poderá dispor sobre a aceitação, avaliação, substituição e liberação de
garantias, modo de constrição de bens, calendarização da execução fiscal,
criação de um plano de amortização, etc.
Adiante, no ano de 2020, foi criada com a Lei nº
13.988/20, a Transação Fiscal, uma modalidade de negociação que oferece
descontos e alongamento de prazos a partir da mensuração da capacidade de
pagamento do devedor e do grau de recuperabilidade do crédito, objetivamente
auferidos.
A Transação para os produtores que fazem uso
Recuperação Judicial é um diferencial a mais, porque a Fazenda Pública classifica
as dívidas dessas pessoas como “irrecuperáveis”, o que implica num desconto
superior a 50% do valor devido e no alongamento significativo das parcelas.
Por isso, é importante realizar, com o auxílio de
um especialista, um detalhado estudo do passivo tributário da atividade rural,
relacionando-o com os editais de transação lançados periodicamente pela Receita
Federal, visando compor um acordo que alie as negociações com os credores
particulares (submetidos ao plano da Recuperação Judicial) à resolução das
pendências fiscais, porque, na verdade, o sucesso de uma estratégia depende da
outra.
Jorge Lucas de Oliveira - advogado e administrador judicial do escritório Lara Martins Advogados. Já foi integrante do Núcleo de Falência e Recuperação Judicial da Procuradoria da Fazenda Nacional em Goiás (PFN/GO).
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