“A desigualdade de gênero no acesso à esfera pública é fruto do período medieval, das inquisições, época indescritivelmente cruel”.
A
história da mulher na política perpassa uma longa jornada de
reivindicações, visto que, historicamente, a desigualdade de gênero no acesso à
esfera pública é fruto do período medieval, das inquisições, época
indescritivelmente cruel. Ao realizar a retrospectiva histórica da construção
social do papel da mulher ainda há de se notar uma sub-representatividade nos
espaços de poder, além da desigualdade no âmbito da democracia, uma vez que
essa parcela da sociedade tem seus direitos renegados constantemente. Por outro
lado, é inegável que os caminhos trilhados pela sociedade permitiram o avanço
nas discussões acerca dos direitos das mulheres, principalmente, na ocupação de
seu espaço na política e o sufrágio feminino.
As dificuldades encontradas pelas mulheres na vida
política se relacionam com a própria origem das relações de poder entre os sexos,
construídas historicamente de forma desigual e discriminatória. No ano de 1995,
na conferência mundial sobre a mulher na ONU, destacou-se que:
“A
iníqua divisão do trabalho e das responsabilidades nos lares, que tem sua
origem em relações de poder também desiguais, limita as possibilidades das
mulheres de dispor de tempo para adquirir os conhecimentos necessários para
participar da tomada de decisões nas instâncias públicas de maior amplitude.
Uma repartição mais equitativa das responsabilidades entre mulheres e homens
não somente proporciona uma melhor qualidade de vida para as mulheres e suas
filhas, mas também aumenta suas oportunidades de moldar e formular políticas,
práticas e dotações orçamentárias, de forma que os seus interesses possam ser
reconhecidos e levados em conta. As modalidades e os esquemas oficiosos de
tomada de decisões no nível das comunidades locais, que refletem um espírito
predominantemente masculino, restringem a capacidade das mulheres de participar
em pé de igualdade da vida política, econômica e social. (ONU, 1995, p. 70)”
Atualmente, as mulheres representam mais da metade
da população brasileira. Nas eleições de 2022, mais de 30% das candidaturas
aptas foram de mulheres, um crescimento de 2% desde o último pleito.
Entretanto, a equidade de gênero na política ainda está longe de ser uma
realidade.
Ao longo dos anos, diversas
legislações foram implementadas para que o direito a participação feminina
pudesse ser usufruído. Criada em 1997, a Lei das Eleições estabelece normas
e procedimentos para o pleito brasileiro. Em seu texto, mais precisamente no
artigo 10, resta uma das ações afirmativas mais importantes do país: a cota de
gênero.
Decerto pode não ser a melhor solução para
resolução da questão da equidade de gênero, mas é uma forma de incentivar a
participação das mulheres na política. Para a Câmara Legislativa do Distrito
Federal, a Câmara dos Deputados e as Câmaras
Municipais, os partidos políticos podem registrar candidato “no total de até
100% do número de lugares a preencher mais 1”[1].
Em vigor desde 2009, em razão da Lei 12.034, os partidos deverão, para
candidatos de cada sexo, preencher entre 30% e 70% das vagas, conforme o §3º do
artigo.
Anos depois, a Lei 13.165/2015 complementou o
direito à igualdade de gênero no pleito ao estabelecer a promoção e difusão da
participação feminina na política. Atualmente conhecida como a Lei de
Participação Feminina na Política, seus artigos determinam: a promoção de
campanhas de incentivo a participação feminina na política por parte do TSE;
uma reserva mínima de 5% do fundo partidário para campanhas que tenham por
objetivo fomentar a entrada de novas mulheres para o campo político; e a
garantia de pelo menos 10% da programação partidária para suas candidatas.
Em 2022 o Congresso promulgou a disponibilização de
30% do fundo eleitoral para as candidaturas femininas, presente na Emenda
Constitucional 117.
Todo o arcabouço jurídico supracitado leva em
consideração uma das principais garantias presentes em nossa Constituição
Federal, o Princípio da Igualdade como fundante do Estado Brasileiro. Diversas
mudanças sociais vieram após a promulgação da Carta Magna, possibilitando uma
maior atuação das mulheres como protagonistas de espaços públicos.
Toda essa evolução nasceu justamente com o
movimento das sufragistas, uma mobilização internacional criada no século 19
para a aquisição de direitos políticos por parte da população feminina. Neste
sentido, juntamente com a evolução dos direitos humanos, através dos anos, as
mulheres foram conquistando ainda mais espaço no cenário político.
Entretanto, mesmo com diversas ações afirmativas, o
TSE julga constantemente casos de fraude na participação feminina. Em abril
deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral afastou a decisão do TRE-CE e entendeu
pela fraude no cumprimento da cota de gênero. Conforme o voto do relator,
ministro Sérgio Banhos, foi possível identificar fraude, através das seguintes
evidências: “votação pífia das candidatas; não realização de propaganda em
redes sociais; despesas de campanha reduzidas e ausência de impressos; e outros
atos efetivos de campanha”[2].
Casos como o supracitado são extremamente comuns,
principalmente no caso de ausência de atos efetivos de campanha, votação pífia
das candidatas ou candidaturas fictícias. Durante o julgamento dos casos
ARespe 0601558-98.2020.6.26.0009 (SP) e
ARespe 0601556-31.2020.6.26.0009 (SP),
sobre fraudes à cota de gênero nas eleições municipais de 2020 em Andradina
(SP), onde dois partidos teriam lançado candidatas fictícias, a ministra Maria
Claudia Bucchianeri levantou um ponto muito sensível a toda essa questão:
“Temos
percebido nos grupos focais que estudam a presença feminina na política um
certo automatismo na imposição irrestrita de inelegibilidade apenas às
mulheres, sem a inclusão dos dirigentes partidários. […] revitimizando as mulheres
e excluindo-as ainda mais do processo político”[3].
A partir do pressuposto supracitado, as decisões
devem abranger também os dirigentes partidários, uma vez que muitas das
mulheres julgadas inelegíveis se encontram naquela situação mediante coação,
ameaça ou em virtude do abandono do próprio partido em suas candidaturas[4].
As cotas existem para nivelar o presente déficit de
representação e diminuir a desigualdade de gênero que ainda paira no Brasil.
Uma das respostas para o presente problema é uma maior fiscalização das
autoridades acerca das candidaturas. Para além disso, a consciência educacional
deve ser levada em conta quando o assunto é o direito a participação feminina
no pleito brasileiro.
Com essas reflexões, é possível notar que ao longo
da história o Poder Judiciário é um grande ator na conquista dos direitos
femininos, que culmina na inserção da busca pela equidade de gênero nos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), de forma mais específica na
meta 5.5, à luz da necessidade de se garantir a participação plena e efetiva
das mulheres em oportunidades iguais de liderança em todos os níveis de tomada
de decisão na vida política, econômica e pública.
Marcela Bocayuva - advogada, sócia e fundadora do escritório Bocayuva & Advogados Associados , certificada em Law and Economics pela Universidade de Chicago e em liderança e negociação pela Universidade de Harvard coordenadora da Escola Nacional da Magistratura e mestra em Direito Público, fundadora de 2 institutos o IPREV e o NÓS POR ELAS para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade, fala neste artigo sobre a participação das mulheres na politica
Marcela Bocayuva | LinkedIn e Marcela Bocayuva (@marcelabocayuva) Instagram
A disparidade de gênero no Poder Judiciário: por que não mais mulheres? | Exame
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