Setores temem aumento da carga tributária, pois a fusão dos tributos sobre o consumo deve levar à alta calibragem da alíquota única
A reforma tributária entrou na
lista de prioridades do governo, que já inicia articulações para sensibilizar o
Congresso sobre a importância de se promover alterações no sistema tributário
ainda no primeiro semestre deste ano.
A ideia inicial é desengavetar
duas das principais propostas em tramitação no Congresso – as PECs 45 e 110 – e
aproveitar pontos considerados importantes e propor um texto “robusto” antes de
ser levado à discussão.
Ambas as propostas chegaram a
ser discutidas no Congresso no ano passado, mas não avançaram por falta de
consenso e quórum nas votações. Os dois textos propõem uma simplificação no
sistema tributário – a primeira fase da reforma tributária - a partir da
unificação de tributos sobre o consumo.
Os presidentes da Câmara e do
Senado, Arthur Lyra e Rodrigo Pacheco, respectivamente, já sinalizaram apoio às
investidas do governo para retomar a discussão. O mesmo não se pode dizer de
setores econômicos, como o comércio e serviços.
IMPACTOS
Cálculos preliminares apontam
que o objetivo de simplificar o sistema de tributos previsto nas duas
propostas, mantendo o mesmo nível de arrecadação atual, levaria a uma alíquota
de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) de, no mínimo, 25%.
Um estudo da Cebrasse (Central
Brasileira do Setor de Serviços) mostra que o setor de serviços seria o maior
prejudicado com as mudanças previstas nos textos, pois não contempla a questão
dos encargos trabalhistas, que representam 40% do faturamento do segmento.
De acordo com o estudo, a carga
tributária para as empresas do lucro real de 128 setores pesquisados passaria
dos atuais 26,64% para 35,88% com a adoção da alíquota única, resultado da
fusão de vários tributos. Para as empresas do lucro presumido, a carga média
saltaria de 21,93% para 34,48%.
“As duas propostas não levam em
conta que importantes serviços prestados ao consumidor final, ligados à
educação e saúde, por exemplo, serão onerados, gerando aumento de inflação e
distorções na economia”, prevê João Batista Diniz Júnior, presidente da
Cebrasse.
Para o dirigente, existem
outras propostas, esquecidas até o momento pelo governo, que devem ser levadas
à discussão e que gerariam menos impacto ao setor de serviços, sem gerar
aumento da carga tributária. É o caso da PEC 46, conhecida como Simplifica Já,
que propõe unificação das leis estaduais e municipais e avança na questão da
desoneração da folha de pagamentos para os setores que mais empregam.
MAIS CARGA
E BUROCRACIA
Na avaliação do economista da
ACSP (Associação Comercial de São Paulo), Marcel Solimeo, esse não é o momento
oportuno para promover mudanças profundas no sistema tributário que causem
impactos na distribuição de recursos aos Estados e Municípios, pois a economia
ainda não se recuperou totalmente dos impactos da pandemia.
“As premissas das PECs 45 e
110, de que não haverá aumento da carga tributária, não correspondem aos
textos. Não há como saber, a priori, o valor da alíquota do IVA que manterá a
carga tributária neutra e isso pode trazer consequências desastrosas”, analisa.
Além de onerar o setor de
serviços, outro ponto preocupante apontado pela ACSP diz respeito ao período de
transição entre o sistema atual e o proposto, que varia de 8 a 10 anos, nas
duas propostas. Mantido esse período, os contribuintes teriam que conviver com
dois regimes tributários distintos ao mesmo tempo, aumentando a burocracia.
Para o economista da ACSP,
alterações profundas no sistema tributário devem ser precedidas de mudanças
infraconstitucionais, que contemplem a criação de sistemas digitalizados e
unificados, além da correção de distorções na cobrança do ICMS. Dessa forma,
seria possível ao governo cruzar dados de forma mais eficaz e antever o valor
da alíquota única.
Por enquanto a indústria é o
único setor que vê com bons olhos as propostas. Para a CNI (Confederação
Nacional da Indústria), a reforma tributária deve contemplar a substituição dos
principais tributos incidentes sobre o consumo por um modelo baseado no IVA, em
formato dual, que é a essência da PEC 110.
ENTENDA AS
PROPOSTAS
A PEC 110 foi apresentada ao
Senado em 2019, mas só teve o parecer lido dois anos mais tarde. Relatado pelo
então senador Roberto Rocha (PTB-MA), o texto cria dois tributos: a CBS
(Contribuição sobre Bens e Serviços), que ficaria com a União, e o IBS (Imposto
sobre Bens e Serviços).
Pela proposta, a CBS
substituiria a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social),
o PIS (Programa de Integração Social) e o Pasep (Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público. Já o IBS substituiria o ICMS (Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o ISS (imposto sobre Serviços).
Em relação ao IBS, o texto
propõe uma lei complementar única para os 26 estados, o Distrito Federal e os
municípios. Cada ente público poderia fixar a alíquota do IBS, que seria a
mesma para bens e serviços. A cobrança seria no destino, no local onde a
mercadoria foi consumida.
A lei complementar poderia
manter benefícios fiscais para vários setores da economia, mas as medidas
seriam definidas nacionalmente, não a critério de cada estado ou município. A
Zona Franca de Manaus, o Simples Nacional, as Zonas de Processamento de
Exportação e o regime especial para compras governamentais (compras feitas pelo
governo) seriam mantidos.
O IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) seria substituído pelo Imposto Seletivo, que incidiria sobre
bebidas alcoólicas, derivados do tabaco, alimentos e bebidas com açúcar e
produtos prejudiciais ao meio ambiente. Assim como ocorre no IPI, a União
arrecadaria o imposto, destinando parte das receitas aos estados e aos
municípios.
PEC 45 - De autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), a PEC
45/2019, embasada nas ideias do economista Bernard Appy, nomeado secretário
extraordinário da Reforma Tributária no novo governo, foi relatada pelo
deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O relatório chegou a ser lido na comissão
especial da Câmara dos Deputados para a reforma tributária, mas teve a
tramitação suspensa.
A PEC 45 também prevê a criação
do IBS, resultado da fusão de contribuições como PIS e Cofins e de três
impostos, o IPI, ICMS e ISS. A alíquota do IBS seria composta por uma soma das
alíquotas da União, dos estados e dos municípios. Cada esfera de poder poderia
definir a alíquota por meio de lei ordinária. A base de cálculo (onde o tributo
incide) seria regulamentada em lei complementar.
O texto também propõe a criação do Imposto Seletivo, que incidiria sobre o consumo de cigarros, álcool e derivados de açúcar. A PEC também prevê a cobrança do IBS no destino, no estado onde a mercadoria é consumida. Isso acabaria com a guerra fiscal entre as unidades da federação.
Silvia Pimentel
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/retomada-da-discussao-sobre-reforma-tributaria-preocupa-comercio-e-servicos
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