Quais os efeitos do ChatGPT na e para a educação? Especialistas opinam sobre a novidade que está gerando diversas polêmicas na comunidade educacional
O ChatGPT (Chat
Generative Pre-trained Transformer) é
um protótipo de um chatbot com inteligência
artificial generativa, uma subárea da inteligência artificial que se concentra
em criar algoritmos e sistemas capazes de gerar conteúdo novo e original, como
texto, imagens, música e vídeo – tudo isso com treinamento para usar a
informação e gerar novos conteúdos.
Desenvolvido
pela OpenAI, ChatGPT não é o primeiro chatbot "inteligente".
Também em 2022, o Google apresentou o LaMDA, que não caiu nas mãos do grande
público, mas suscitou inquietações depois que um engenheiro da companhia
afirmou que o sistema tinha desenvolvido consciência. Ainda que tenha mudado a
rota, após o boom do ChatGPT o Google apresentou, recentemente
(fevereiro/2023), o Bard, seu serviço de conversação
usando inteligência artificial.
Há ainda muita
controvérsia sobre o ChatGPT – e o mesmo acontecerá com o Bard e outros –
especialmente quando entra em discussão a sua utilização na Educação.
Poderíamos imaginar que o medo da desconhecida inteligência artificial
generativa implicaria em gritaria quanto a sua atuação nos sistemas
financeiros, nos governos ou nos sistemas de saúde. Mas não, porque a Educação
é o primeiro passo pra tudo. Até para poder criar inteligências artificiais
generativas.
Mas
quais os efeitos do ChatGPT na e para a educação?
Para Dora
Kaufman, professora e pesquisadora da PUC-SP, professores e o setor educacional
precisam identificar como integrar as novas tecnologias digitais nas práticas
educativas. "O problema precisa ser enfrentado de maneira adequada.
Qualquer tecnologia disruptiva que coloque em xeque procedimentos e
comportamentos estabelecidos na sociedade humana e na educação, como a
inteligência artificial, nos convida a rever e melhorar os padrões de avaliação
de aprendizagem, as metodologias de ensino, a relação professor – aluno, o
próprio papel do professor, os procedimentos de revisão de pares nas
publicações acadêmicas", avalia a pesquisadora.
Kaufman argumenta
ainda que proibir não é a solução e que os modelos de IA, sejam preditivos ou
generativos, precisam ser experimentados. "A IA, efetivamente, ainda está
em seus primórdios, particularmente a IA generativa (o primeiro modelo foi a
GAN em 2014, mas o "boom" foi em 2022). Só assim será possível
identificar em que contextos e em quais funcionalidades agregam valor e quais
os potenciais danos e os caminhos de mitigação desses potenciais danos",
diz a pesquisadora.
A evolução dos
sistemas não é o que deve preocupar professores e demais entes educacionais.
Quando a web se populariza – antes mesmo da existência do
Google -, os processos e procedimentos são acelerados; agora temos um padrão
ainda mais refinado de busca, com novo tipo de ferramenta.
"Para
interagir com a IA, que já está no nosso dia a dia com Alexa, Siri, serviços de
imagem e de música, o ponto talvez seja saber fazer perguntas, porque uma
pessoa que faça perguntas simples vai ter respostas simples e uma pessoa com
melhor repertório, uma boa cognição, poderá extrair melhor", explica
Francisco Tupy, mestre e doutor em Videogames na Educação e em
Comunicação pela USP, o primeiro #mieexpert fellow da América
Latina e referência internacional na área de TIC´s (Tecnologia da
Informação e Comunicação).
Tupy destaca
ainda que talvez o papel da educação seja justamente pensar nessas soft
skills já existentes frente a outras skills (habilidades e competências
humanas) e o ChatGPT, que estão servindo para demonstrar o que está por
vir.
Neste sentido,
Adriana Martinelli, diretora de Conteúdo da Bett Brasil, corrobora com Tupy. A
educadora pondera que, se a mentalidade for apenas a entrega de conteúdo, será
preciso repensar o papel do educador e como ele vai lidar com essas tecnologias
para tirar melhor proveito.
"Precisamos
repensar o processo e a abordagem de ensino e aprendizagem. Quando um aluno é
motivado e sabe como formular perguntas para realizar pesquisas, isso pode ser
considerado um grande avanço na sua capacidade de aprofundar seus conhecimentos
em assuntos de seu interesse. É inegável que a Inteligência Artificial tem um
impacto significativo em várias áreas, incluindo a educação. Diante disso,
antes de avaliar criticamente, os educadores devem aproveitar essa oportunidade
para experimentar essa e outras inovações tecnológicas, pois certamente elas
continuarão a evoluir", afirma Martinelli.
Diretora de
Conteúdo da Bett Brasil, Martinelli enfatiza que a edição de 2023 do evento,
que será realizada de 9 a 12 de maio, em São Paulo, dará ampla atenção às novas
demandas das tecnologias na Educação. A Bett Brasil será o primeiro grande evento
da América Latina que reunirá especialistas e educadores para discutir e
apresentar experiências e práticas cotidianas dos professores com o ChatGPT em
seus espaços, nas escolas e na Educação Superior.
ChatGPT
e Ética
Educador,
jornalista, escritor, apresentador do programa Idade Mídia no Canal Futura
e cochairman da UNESCO MIL Alliance, Alexandre Le Voci
Sayad é um observador atento das tecnologias educacionais e sua imbricada
relação com a ética. Não à toa, ele avalia que a IA questionará o processo de
aprendizagem e de avaliação, quebrando, provavelmente, a perpetuação do
aprendizado cartesiano, da memorização, da 'decoreba'. "Ninguém aprende
quando faz conexões simples entre assuntos. É preciso aperfeiçoar as conexões e
relacionar fatos".
O ChatGPT forçará
os educadores a pedir outras coisas, outros resultados, novos modelos
avaliativos, excluindo as respostas meramente dissertativas. Cada vez mais
elementos como a criatividade serão valorizados. "Uma IA não tem
consciência, sentimento e criatividade. Ou seja, processos de aprendizagem e
avaliações devem mesmo sofrer transformações", aponta Sayad, que acaba de
escrever seu novo livro "Inteligência Artificial e Pensamento
Crítico", pelo Instituto Palavra Aberta, com lançamento previsto na Bett
Brasil 2023.
Para o cochairman da
UNESCO MIL Alliance, a educação deve respirar o espírito do tempo (Zeitgeist) e
isso é positivo, porque exige transformação na educação e respostas éticas na
sociedade. "Uma IA que se alimenta de dados eurocentristas, com visão de
uma comunidade puramente branca, poderá gerar racismo em suas respostas. Aqui
entra o professor para educar a sociedade para o algoritmo", diz Sayad.
"Por outro lado, se pensarmos na relação educação e trabalho, um eticista,
que trabalha com a ética, poderá ter um novo campo de atuação para ajudar a
pensar em regulação, transformação de processos na sociedade, ética e
transparência algorítmica. Afinal, algoritmos éticos são desenvolvidos com
banco de dados diversos", conclui.
Professor
colaborador da Cesar School e coordenador de Ciência e Inovação da Joy / PROZ
Educação, Luciano Meira destaca que os instrumentos da IA são o óbvio
desenvolvimento de um processo já de longa data e que agora ganham dimensões
singulares. Para ele, este algoritmo não é um modismo, pois se trata de parte
do campo de instrumentalização na ciência da computação, que fornece
instrumentos para melhorar uma quantidade enorme de serviços. Os efeitos na
educação podem ser positivos na medida das suas condições de uso. "Há negação
e resistências entre educadores, como proibir o uso em escolas e universidades,
mas é necessária a reflexão de que a ferramenta poderá ter efeito positivo e
interessante a partir do conhecimento, como um mecanismo de interação
dialógica, base também do aprendizado".
Meira acredita
que tudo vai depender de como a sociedade se organizará para dar conta dessa e
de outras inovações. No ambiente educacional ou na sociedade, poderá ter vieses
a partir do próprio uso do ChatGPT, como discriminação de gênero e raça, por
exemplo, um ponto a ser cuidado com muita atenção. Meira acrescenta que essas
ferramentas tecnológicas poderão oferecer às pessoas possibilidades de uma
reflexão mais qualitativa, e servir tanto para a educação quando para o mundo
do trabalho.
"Cabe a nós redesenhar futuros para despertar qual o tipo de educação que a gente quer, de comunidades e modelos de aprendizagem que sejam mais robustos, acolhedores e significativos, como peça de trabalho contínuo e diário do rearranjo do presente", conclui Meira, Ph.D. em educação matemática pela Universidade da Califórnia e também professor adjunto de psicologia na Universidade Federal de Pernambuco.
Para Lucia
Dellagnelo, Doutora em Educação pela Universidade de Harvard, o foco da
discussão não deveria ser como bloquear o acesso a essas tecnologias, mas quais
habilidades o mundo contemporâneo exige dos cidadãos, tomadas de decisões
éticas e eficientes sobre seu uso na esfera individual e coletiva.
"Pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas sempre
constaram como objetivos do currículo escolar, mas adquirem um novo significado
à luz de tecnologias capazes de resolver problemas e criar narrativas",
descreveu Dellagnelo em recente artigo publicado no Bett Blog.
Ainda que o
ChatGPT suscite incômodos por algum tempo, provavelmente a tecnologia possa ser
encarada como um elemento a mais para a humanidade aprender a lidar com seus
efeitos e se integrar. Parafraseando a máxima da área da saúde, o uso do
ChatGPT ou de qualquer outra tecnologia educacional requer a instrução:
"ao persistirem os sintomas, procure orientação de um professor."
Hyve Group
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