Em artigo de revisão, pesquisadores ligados ao CEPID Redoxoma descrevem diversos aspectos estruturais e funcionais do complexo formado pelas proteínas Ohr e OhrR, que tem papel central na defesa de patógenos contra danos oxidativos (imagem: Luis Netto/Redoxoma)
Em artigo de revisão publicado
na revista Free Radical Biology and Medicine,
pesquisadores brasileiros apontam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma
enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a
ser explorado na busca por novos antibióticos.
O trabalho foi coordenado por Luis Netto, professor do Instituto
de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e integrante do Centro de Pesquisa em Processos
Redox em Biomedicina (Redoxoma)
– um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
Há mais de
20 anos o grupo de Netto tem estudado esse sistema proteico, que desempenha
papel central na defesa de patógenos contra danos oxidativos. No trabalho
recentemente publicado, os pesquisadores descrevem aspectos da estrutura,
catálise, filogenia, regulação e papéis fisiológicos das proteínas. O objetivo
foi sistematizar informações que estavam dispersas na literatura.
Segundo os autores, o sistema
Ohr-OhrR desempenha importantes funções na interface entre patógenos como Xylella fastidiosa, Pseudomonas aeruginosa, Chromobacterium violaceum e Bacillus cereus e seus hospedeiros – entre eles
mamíferos e plantas vasculares. No entanto, os mecanismos envolvidos nessas
interações são complexos e os papéis desempenhados por Ohr e OhrR nesses
processos variam muito entre as diversas bactérias.
Como não
são encontradas em animais vertebrados nem em plantas vasculares e têm
características estruturais únicas, dizem os pesquisadores, as proteínas Ohr e
OhrR podem ser alvos para o desenvolvimento de novos antibióticos – algo muito
relevante, considerando o alarmante fenômeno das bactérias multirresistentes.
Além disso, essas proteínas desempenham outras funções fisiológicas, como
proteger bactérias simbióticas fixadoras de nitrogênio do estresse oxidativo
associado a esse processo.
Para Netto, a pouca atenção dada ao
sistema Ohr-OhrR é de certa forma surpreendente e poderia ser explicada por
razões históricas. Enquanto as enzimas antioxidantes mais conhecidas foram
descobertas a partir de 1937, a primeira Ohr só foi descrita em 1998, como uma
proteína envolvida na resposta de bactérias ao estresse induzido por
hidroperóxidos orgânicos, sendo que em 2000 cientistas brasileiros
identificaram o gene que codifica essa proteína no genoma da Xylella fastidiosa, bactéria que causa uma doença
chamada de clorose variegada dos citros (CVC), provocando grandes prejuízos à
agricultura no Estado de São Paulo.
“Quando apareceu a Ohr no genoma
da Xylella, não se sabia a atividade bioquímica dessa
proteína. Como eu já tinha trabalhado com peroxirredoxinas, vi que a Ohr tinha
duas cisteínas que eram muito conservadas. Aí surgiu a ideia: talvez seja uma
peroxidase”, conta Netto, que fez parte do grupo responsável pelo
sequenciamento do genoma da bactéria. O primeiro trabalho do grupo sobre a Ohr
foi publicado em 2003, no Journal of Biological Chemistry,
e demonstrou que de fato Ohr é um tipo de peroxidase.
O
pesquisador enfatiza, no entanto, que a Ohr não é uma peroxirredoxina como
descrito em alguns artigos. “A Ohr tem propriedades muito diferentes, como a
sequência primária, a estrutura, a especificidade para redutor e oxidante e a
dinâmica ao longo do ciclo catalítico.” As peroxirredoxinas (Prx), que também
são foco de estudo do grupo de Netto, são proteínas antioxidantes consideradas
sensores celulares de peróxido de hidrogênio.
Em 2020, o grupo elucidou seis
estruturas cristalográficas da proteína Ohr do patógeno oportunista Chromobacterium violaceum, incluindo a estrutura do
complexo entre a Ohr e seu substrato biológico, a dihidrolipoamida (DHL). Os
pesquisadores identificaram intermediários do ciclo catalítico da enzima e
reforçaram as evidências de que Ohr e Prx pertencem a classes diferentes de
proteínas. Além disso, mostraram que a Ohr tem um colar hidrofóbico ao redor de
seu sítio ativo, uma característica estrutural única que explica a
especificidade dessa enzima para peróxidos orgânicos.
Inflamação
A resposta
inflamatória é uma estratégia dos hospedeiros para combater microrganismos
patogênicos e envolve a produção de várias moléculas oxidantes. Portanto, se
uma inflamação demora para terminar, pode causar danos ao próprio hospedeiro.
Hidroperóxidos orgânicos de ácidos graxos são oxidantes que também podem atuar
como sinalizadores de processos tanto inflamatórios quanto anti-inflamatórios.
“A
sinalização envolvida nesses processos de inflamação e de resolução da
inflamação é bastante complexa, envolvendo diferentes hidroperóxidos de ácidos
graxos, como dos derivados de ácido araquidônico”, conta Netto.
A hipótese
levantada pelos pesquisadores é de que a Ohr poderia estar envolvida de alguma
forma na virulência de patógenos via controle dos níveis desses hidroperóxidos
lipídicos. “Acredito que o envolvimento biológico da Ohr poderia estar
relacionado com o processo de resolução [finalização] da inflamação.
Contraintuitivamente, se a bactéria tem muito antioxidante [no caso a enzima
Ohr], acaba sendo ruim para ela e bom para o hospedeiro por, entre outros
motivos, facilitar o recrutamento de células fagocitárias. Mas essa é uma
hipótese ainda especulativa, que requer evidência experimental”, afirma o
pesquisador.
A OhrR é a
proteína que controla a transcrição do gene da Ohr. Para que a enzima
antioxidante (Ohr) seja produzida, o gene que a codifica precisa ser transcrito
para o RNA mensageiro correspondente. A OhrR quando está reduzida se liga ao
DNA e impede a transcrição. Quando a célula está sob estresse oxidativo e é
exposta ao peróxido orgânico, a OhrR é oxidada e sofre uma mudança estrutural
que libera o DNA para ser transcrito e depois traduzido na proteína Ohr.
Como
explica Netto, o próprio fator de transcrição é regulado por um processo redox
(oxidação ou redução). “E ele vai induzir ou reprimir a expressão de uma
proteína que tem propriedades que interferem no metabolismo dos hidroperóxidos
orgânicos.”
Diversos grupos do CEPID Redoxoma
estão envolvidos em estudos com hidroperóxidos orgânicos derivados de ácidos
graxos, como os liderados pelos pesquisadores Sayuri Miyamoto e Paolo Di Mascio,
bem como em estudos de cinética envolvendo a Ohr e a OhrR, como os grupos dos
pesquisadores Ohara Augusto e Daniela Truzzi,
ou ainda em estudos estruturais, como o grupo do pesquisador Marcos Antonio de Oliveira.
Em 2021, um grupo de pesquisadores
chineses identificou o primeiro inibidor contra Ohr da bactéria Acinetobacter baumannii ATCC19606. O tratamento
desse microrganismo com o inibidor de Ohr potencializou a atividade
antibacteriana de antibióticos como canamicina e gentamicina. O grupo chinês
entrou em contato com Netto, para colaboração no sentido de identificar
moléculas com atividade microbicida mais potente.
O artigo Ohr – OhrR, a neglected and highly efficient antioxidant system:
Structure, catalysis, phylogeny, regulation, and physiological roles pode
ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0891584922001472?dgcid=author.
* Com informações da Assessoria de
Imprensa do Redoxoma.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/predacao-aumenta-a-medida-que-oceanos-aquecem-aponta-estudo/39127/
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