Devastação ambiental expõe humanos a vírus desconhecidos, concentrados principalmente em florestas tropicais, como a Amazônia
Após as mais de 6 milhões de mortes causadas pelo SARS-CoV-2, há
um consenso na comunidade científica mundial sobre o risco elevado da
ocorrência de novas pandemias causadas por vírus hoje restritos a regiões
silvestres.
Especialistas Biólogos entrevistados para a nova edição da revista
O
Biólogo, do Conselho Regional de Biologia da 1ª região (CRBio-01),
ressaltam que a Covid-19 é mais uma de uma interminável lista de doenças
causadas por agentes patológicos que estavam em animais e chegaram a humanos,
as chamadas zoonoses.
Segundo estimativas da EcoHealth Alliance, dos EUA, há cerca de
1,6 milhão de vírus desconhecidos nas áreas silvestres, a maior parte em áreas
de mata no cinturão tropical do planeta, que inclui a Amazônia, África central
e equatorial e o sul e sudeste da Ásia.
Vírus zoonóticos foram responsáveis, por exemplo, pela gripe
espanhola em 1918-19, Aids a partir dos anos 80, e neste milênio Síndrome
Respiratória Aguda Grave (Sars), Ebola, Síndrome Respiratória do Oriente Médio
(Mers) e a recente varíola dos macacos.
Como se sabe, a tese mais aceita pelos cientistas é a de que o
SARS-CoV-2 seja originário de morcegos de cavernas no sul da China. O vírus
teria infectado um mamífero intermediário e, então, passado para o ser humano.
O consenso científico é que a devastação ambiental contribui para
o aumento das zoonoses. O avanço das fronteiras agrícolas, o desmatamento e
outras agressões ao meio ambiente fazem com que patógenos antes restritos aos
ambientes silvestres migrem para os ambientes urbanos.
“A pandemia tem relação com a destruição da natureza e avanço
sobre áreas naturais. Estamos experimentando vários eventos que têm a ver com o
processo de transição de certos agentes infecciosos que estavam contidos num
ambiente selvagem e chegaram no ser humano”, relata o Biólogo Thiago Moreno, em
entrevista para a revista O Biólogo. “O desenvolvimento
sustentável não é uma palavra solta”.
O vírus da uma possível nova pandemia global pode vir da Floresta
Amazônica?
O Dr. Helder Lima de Queiroz, pesquisador titular do Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, organização social em Tefé, no estado do
Amazonas, publicou o artigo “Pandemia, biodiversidade, mudanças globais e
bem-estar humano” na revista Estudos Avançados, da USP, que
analisa os cenários de transmissão de vírus de animais para humanos, em particular
na região amazônica.
Segundo Helder Queiroz, assim como na África e Ásia, há uma imensa
quantidade e biodiversidade de patógenos na Amazônia. Nas três regiões, humanos
e os hospedeiros originais desses patógenos – que são em geral mamíferos e aves
– têm uma relação muito próxima, como na atividade de caça, que é uma
importante fonte de proteína animal para as populações amazônicas.
O Biólogo relata que tem conhecimento de vários casos de surtos de
zoonoses com algumas vítimas em comunidades na região amazônica, nas últimas
décadas, episódios que foram ignorados ou tratados com discrição pelas
autoridades. Mas esses surtos ficaram restritos a comunidades ou áreas
isoladas.
“O que distingue a Amazônia da África central e equatorial e do
sul e sudeste da Ásia é a baixa densidade humana e o considerável grau de
isolamento entre os assentamentos urbanos, separados por grandes porções de
florestas. Essa configuração demográfica e espacial reduz em muito o risco de
estabelecimento das cadeias de contágio na Amazônia”, avalia Helder Queiroz,
que tem doutorado em Biologia Ambiental e Evolucionária pela Universidade de
St. Andrews, na Escócia.
Outra diferença, sobretudo em relação à Ásia, se dá quanto aos
locais de comercialização de animais silvestres para consumo humano. No Brasil,
a caça só é permitida para subsistência e a comercialização é proibida. Nem
sempre a lei é respeitada e há pequenos mercados de portas fechadas com poucos
animais.
Em Iquitos, na Amazonia peruana, há o famoso Mercado de Belén, que
é bastante grande. Mas, como ressalta Helder Queiroz, os bichos ali
comercializados estão todos mortos e há setores separados para cada espécie.
Nada se compara aos chamados wet markets (mercados molhados)
asiáticos, que recebem essa denominação porque tradicionalmente têm o piso
molhado pelo gelo derretido das prateleiras com carne de animais nos estandes.
Nesses mercados, como o de Wuhan, onde provavelmente ocorreu a contaminação do
primeiro humano pelo SARS-CoV-2, há uma grande concentração de muitos indivíduos
de várias espécies diferentes num espaço muito pequeno.
Animais vivos, recém-abatidos e abatidos há mais tempo são
empilhados em meio a vísceras e sangue, numa situação sanitária absolutamente
inapropriada. As pessoas no mercado, trabalhadores e clientes, entram em
contato direto com todo o material biológico vivo e morto. Essa é a
oportunidade perfeita para que organismos causadores de doenças pulem de uma
espécie qualquer de hospedeiro para um hospedeiro humano.
“A gente ainda não pode considerar que exista um risco alto de que
uma próxima pandemia surja da Amazônia, quando você compara com o risco em
outras regiões do planeta. Os problemas que a gente encontra na Amazônia são
preocupantes, mas não tão preocupantes como os presentes na Ásia e África”,
ressalta Helder Queiroz.
“Entretanto, o ritmo da destruição em curso na Amazônia está
alterando significativamente a sua configuração demográfica e espacial,
reduzindo os bolsões de florestas entre as comunidades humanas e facilitando a
possibilidade de se estabelecerem cadeias de contágio. Então, essa situação
atual pode estar mudando muito mais rapidamente do que podemos registrar e
compreender”, alerta.
Leia mais
sobre as doenças que assolaram a Humanidade, a Covid-19 e o risco de novas
zoonoses na nova edição de O Biólogo: https://www.facebook.com/CRBio01
https://www.instagram.com/crbio01/
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