Especialista chama a atenção para esse conceito e
alerta que a pandemia só explicitou o que já não vinha bem na saúde mental
dentro das organizações
Não é mais novidade que o isolamento social, o medo do
desconhecido, a mudança de rotina e formato no modo de trabalhar impactaram a
todos. Mas a questão é que a pandemia não trouxe algo tão novo assim. Em
verdade, fez transparecer que já não vivíamos bem, ou seja, já não levávamos
uma forma de vida com a qualidade que poderíamos. Pelo menos é o que afirma
Roberto Aylmer, médico psiquiatra, PhD e professor que cita ainda que a saúde
mental já está na agenda das organizações.
De acordo com ele, que é consultor em liderança de
pessoas no contexto complexo, fomos surpreendidos por uma situação de extrema
intensidade, porém estávamos sem reservas, ou seja, como já vínhamos num ritmo
ruim, estávamos sem reserva para encarar algo tão imprevisível e impactante.
“Estávamos com o “tanque vazio” e diante de uma pressão longa e intensa é
inevitável o esgotamento”, afirma o especialista, acrescentando que neste
momento de retomada é comum reencontrar as pessoas e perguntá-las se estão bem,
mas a resposta, embora seja positiva, não é convincente, pois todos estão bem
estressados, cansados, deprimidos.
Segundo ele, isso é mais normal do que se imagina e, por
isso, ele chama a atenção para o conceito: “é normal não estar normal quando as
coisas não estão normais”, mas a maioria das pessoas resistem a isso.
“Infelizmente, ainda há preconceito. As pessoas têm dificuldade em admitir uma
crise de ansiedade, que está deprimido etc. O problema é o medo que ainda temos
do estigma de ter um problema na saúde mental”, revela o professor.
Mas a conta não está fechando. “O ponto é que gastamos
muito mais energia do que tínhamos para gastar”, sinaliza Aylmer. Para ele, o
que mais tira a nossa paz e gasta a nossa energia é a incerteza, um futuro
imprevisível, no qual nosso cérebro fica buscando resposta, esgotando muita
energia com isso. E com a pandemia houve uma peculiaridade na qual todos foram
afetados da mesma forma, simultaneamente, independente do segmento da empresa
ou cargos. Todos olharam para todos os lados e não viam saída. “Sem contar que
muita gente perdeu entes queridos, amigos”.
Aylmer ressalta que, embora a pandemia esteja caminhando
para o fim, os danos mentais ainda permanecerão por um bom tempo. Ele destaca,
por exemplo, que o número de pessoas afetadas em sua saúde mental tende a ser
maior do que aquelas afetadas pelo Covid-19. E lembra que, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), é duas vezes maior o índice de depressão e
ansiedade entre crianças e adolescentes. “De acordo com a Unesco, 9 a cada 10
estudantes foram afetados profundamente na sua capacidade futura de
aprendizado. No caso deles o interesse foi quebrado. Perdeu-se o foco”, diz o
especialista, complementando que no mercado de trabalho os mais jovens também
foram os mais afetados nesse momento, citando levantamento do ADP Research
Institute que revelou que 78% da geração Z está sofrendo alto índice de
angústia.
O professor cita ainda a própria Síndrome de Burnout, que
no início deste ano foi classificada pela OMS como doença ocupacional, ou seja,
causada pelo ambiente do trabalho. Isso pode estar ligado a outro dado, este do
Ministério do Trabalho, apontando que as empresas obtiveram um aumento de 18%
em acidentes no ambiente profissional. “O cérebro com tantos alarmes e tensões
perde concentração, atenção. Aí vem o acidente”.
Contudo, Aylmer anuncia a boa notícia. A saúde mental
está entrando na pauta dos investidores que estão analisando o quanto as
empresas cuidam de saúde mental para avaliar se vão investir ou não nelas.
“Dentro da sigla ESG, que fala em meio ambiente, sustentabilidade e governança,
hoje, sustentabilidade também está ligada ao indivíduo, uma preocupação que já
é obrigatória. E isso é bom, pois na linha do tempo a saúde mental vai ser um
diferencial nas organizações. Já está sendo”, conclui.
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