Quando escrita em chines, a palavra “crise” compõe-se de dois caracteres: um representando perigo e o outro, oportunidade.
Todas as empresas, em algum momento
de sua existência, passam por adversidades, sejam financeiras, operacionais,
logísticas, regulatórias, etc. Faz parte do risco do negócio. Algumas
adversidades são bem contornadas, apesar da tomada de decisão muitas vezes
duras, como demissões, outras vezes, acabam deixando de existir no mercado.
Agora, quando falamos em “crise” não
podemos esquecer que se uma empresa possui um Programa de Compliance efetivo, a
crise pode ser gerida de forma preventiva através dos Comitês de Crises, onde
protocolos são definidos para cada tipo de crise que foi mapeada dependendo do
tipo de negócios e nível de riscos de Compliance que esta empresa está exposta.
Quando o Comitê de Crise realmente
funciona, a crise pode virar uma oportunidade muito interessante, até para a
reputação da empresa. Cito o caso do Hospital Einstein que ao investigar uma
denúncia de um fornecedor, descobriu um caso em que o processo de compras
estava sendo manipulado e um alto executivo/chefe do departamento ganhava
corrupção privada de um distribuidor específico. Ao tomar as decisões corretas,
transformou uma potencial situação de crise em uma propaganda positiva da efetividade
de seu Programa de Compliance. Foi uma oportunidade de demonstrar aos
stakeholders que Compliance e assunto sério dentro da organização e que não
importa a posição do executivo/chefe do departamento, as consequências são
aplicadas para todos.
Ao mesmo tempo, vemos empresas que,
na grande maioria das vezes, somente tem um Programa de Compliance para inglês
ver e quando a crise bate na porta, o perigo já está instaurado. Muitas destas
empresas não possuem Comitê de Crise instaurado, o que pode gerar o caos
inicial e a comunicação truncada. Acompanhamos o caso de uma empresa
responsável por um grave incidente ambiental que, infelizmente, causou a morte
de muitas pessoas, onde o ex-presidente passou uma mensagem publica e o
ex-diretor jurídico outra. Totalmente fora de um protocolo de comunicação
efetiva para gerir a crise.
Depois notamos que muitas das
empresas que passaram por crises difíceis, seja por uma investigação do
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, CADE e CGU, partirem para “soluções
magicas”, como se a crise nunca tivesse existido, se esquecendo que as mídias
sociais não perdoam. Resolvem mudar a denominação/razão social, o endereço da
sede, começam a investir em projetos de ESG fortemente ou, então, programas
para jovens aprendizes ou traines. Como se a solução magica fosse apagar
a existência que um dia a crise aconteceu.
O grande dilema de uma crise esta na
escolha de enfrentar a mesma com ética e transparência ou negar/minimizar a
existência desta. Infelizmente, o caminho mais fácil tem sido seguido por
muitas empresas, que minimizam a ocorrência da corrupção e/ou do cartel. Que
teimam em falar que possuem um Programa de Compliance implementado quando, na
prática, ele não funciona, pois a própria Alta Direção não apoio este Programa ou
não leva o mesmo a sério. Ele existe, pois se trata de uma exigência de mercado
e não de uma mudança de cultura organizacional.
Temos um longo caminho pela frente em
relação a conscientizar as empresas e seus executivos que as crises podem ser
prevenidas, que o lucro pode ser atingido sem práticas antiéticas ou ilegais. A
pressão pelo lucro rápido sempre existiu e sempre continuara existindo. As
questões que se colocam agora na mesa estão relacionadas com a reputação e a
perenidade das empresas a médio e longo prazo. Sem uma boa reputação, os
investidores fogem, o crédito some e os consumidores que poderiam ser
acionistas deixam de comprar ações.
Que uma crise sirva para gerar
mudança da cultura interna, para a implementação de um Programa de Compliance
efetivo, sendo uma oportunidade para as empresas mudarem os rumos da sua gestão
de sua forma de fazer negócios.
Patricia Punder – advogada, compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020. Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil)
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