“Precisamos amar para não adoecer”, disse o célebre Sigmund Freud. Muito antes da realidade contemporânea, com telas por todos os lados e a rotina corrida da grande maioria da população, Freud já alertava sobre uma das dimensões mais importantes da vida humana: a preservação da saúde mental por meio do afeto.
Trocar abraços, sorrisos e experiências, conversar,
brincar, rir com outras pessoas, todas essas interações com outras pessoas nos
ajudam a ser mais felizes. Mas estar emocionalmente saudável é muito mais que
desenvolver relacionamentos saudáveis. Por se tratar de um conceito muito
amplo, quase um século depois de Freud, a saúde mental segue sendo uma questão
complexa, especialmente entre crianças e jovens. Essa amplitude dificulta a
prevenção, o diagnóstico e o tratamento e, por conseguinte, mantém o estigma e
amplia o sofrimento psíquico.
Contribuir para uma mudança drástica nesse cenário
também é papel da escola. O levantamento internacional "Boas práticas de
saúde mental em escolas: um olhar para oito países" mostra, ao longo de
muitas páginas, as lições e propostas que escolas de várias partes do mundo
trazem para lidar com esse assunto em tempos de pandemia.
O fechamento das escolas por tanto tempo,
consequência direta da covid-19, impôs a milhões de estudantes riscos à saúde
física e mental, além de insegurança alimentar, falta de proteção contra a
violência doméstica e afastamento das atividades escolares. Confinados em suas
casas, crianças e jovens se viram, de repente, longe do afeto, do convívio
social e das possibilidades de interação. Drama parecido viveram os
professores, que precisaram produzir e entregar suas aulas mesmo em condições
precárias de infraestrutura e conhecimento tecnológico. Além da distância do
contato humano, esses profissionais tiveram de lidar com inúmeros problemas
técnicos e de infraestrutura.
Promover o bem-estar, nesse contexto, é tarefa
ainda mais dura. Como intervir e socorrer essas crianças e jovens antes que
eles adoeçam? Como acolher os medos e as frustrações dos professores em sua
atividade profissional, evitando o desdobramento em síndromes de tratamento
mais complexo? Responder a essas perguntas foi o grande desafio de escolas
públicas e privadas, do Canadá à Nigéria, do Brasil ao Reino Unido.
De repente, a saúde mental precisou passar a ser a
pauta prioritária também quando o assunto é educação. Isso exige uma
arquitetura de trabalho que inclua alternativas de promoção, prevenção,
tratamento e recuperação para quem vive, aprende e trabalha nesse ambiente que
é, por natureza, humanizador. Mas cuidar do emocional dos estudantes requer um
passo para além dos muros da escola.
Além de estudantes e professores, é imprescindível
incluir toda a comunidade escolar nessas iniciativas. Entre os fatores de
sucesso para projetos de saúde mental em escolas são destaque: amparo legal,
orçamento direcionado, investimento em comunicação e combate ao estigma, equipe
dedicada, formação dos envolvidos, material estruturado, integração com o
currículo, diagnóstico e intervenção precoce, processos claros de avaliação e
envolvimento da comunidade, expandindo para um diálogo intersetorial. Ninguém
imaginou que seria simples, não é mesmo?
No Brasil, instituições de ensino já vislumbravam
alguns desses aspectos antes mesmo da pandemia. A Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) prevê as competências socioemocionais como um componente
fundamental do ensino formal, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Trabalhar
com essas competências é parte importante do sistema de suporte para a saúde
mental de estudantes e professores, com propostas de atividades curriculares
que envolvam o autoconhecimento, a autorregulação, as habilidades de
relacionamento, a consciência social e a tomada de decisão responsável de
maneira estruturada e contínua.
Parece pouco, mas é um bom começo quando se sabe
que um fator determinante da saúde mental é a aquisição de capacidades que
assegurem o bem-estar no enfrentamento dos desafios da vida. Se precisamos amar
para não adoecer, como sugeriu Freud, o carinho com o bem-estar emocional do
outro deve ser nosso ponto de partida.
Acedriana Vicente Vogel - diretora pedagógica do Sistema Positivo de
Ensino
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