A observância das regras de proteção de dados pessoais nas eleições é de grande importância para a integridade do pleito e preservação dos direitos dos titulares. Além da legislação eleitoral, os candidatos, candidatas, partidos políticos, coligações e federações deverão também observar as regras da Lei Federal nº 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados ou, simplesmente, LGPD.
As campanhas políticas dependem de informações
pessoais. Os partidos políticos e seus candidatos e candidatas precisam
entender e conhecer os eleitores, o que só é possível através da análise de
dados pessoais. Todavia, a utilização das informações pessoais de forma
indevida nas campanhas eleitorais pode trazer sérias consequências negativas
para a democracia, que depende da lisura do processo eleitoral, da igualdade de
oportunidades entre os candidatos e da não manipulação dos eleitores.
Dado pessoal é toda informação capaz de identificar
ou tornar identificável uma pessoa. Além de informações básicas como o nome
completo, numeração de documentos e parentesco, também é considerado como tal a
formação dos nossos perfis através da análise dos “rastros” que deixamos,
principalmente no ambiente digital, como curtidas em postagens, matérias lidas,
sites visitados, vídeos assistidos, pesquisas e compras realizadas etc.
A LGPD ainda classifica como dado pessoal sensível
determinadas informações para as quais impõe uma maior restrição e cautela no
uso, em razão do seu potencial discriminatório. São considerados como dado
pessoal sensível informações sobre a origem racial ou étnica, convicção
religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou organização de caráter
religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual,
dado genético ou biométrico.
Nota-se, portanto, que a opinião política e a
filiação à organização de caráter político são consideradas como dados pessoais
sensíveis, o que demanda maior atenção dos agentes de tratamento.
No cenário eleitoral, os partidos políticos,
coligações e candidatos, organizações e profissionais contratados para a
realização de campanhas podem se enquadrar como agentes de tratamento. A
correta definição da posição ocupada pelo agente - se controlador ou operador -
é de grande importância para a definição das responsabilidades. Esta definição
depende do completo mapeamento da operação.
Pela LGPD, é considerado controlador aquele a quem
compete as decisões sobre os tratamentos; já o operador é aquele quem executa o
tratamento. A responsabilidade civil dos agentes de tratamento depende muito da
posição ocupada na operação. Assim, é importante que as finalidades, prazo do
tratamento, titulares envolvidos, meios de tratamento, entre outras medidas
devem ser expressamente ajustadas e, de preferência, por meio de instrumentos
contratuais.
Cada operação envolvendo dado pessoal deve ser
mapeada para a identificação do ciclo de vida dos dados. Importante ter em
vista que, a definição da posição do agente varia a depender da sua atuação na
operação. Assim, um agente provavelmente será ora operador, ora controlador,
tendo, portanto, diferentes níveis de responsabilidade.
Situações comuns que envolvam o uso de dados
pessoais em campanhas eleitorais e que demandam cuidado são: uso de aplicativos
e sites do partido ou candidatos, uso de mídias sociais para impulsionar
conteúdos, lives, pesquisas de intenção de voto etc. Todas estas situações
devem estar amparadas por uma das bases legais previstas na LGPD, sendo que, no
art. 7º, estão as hipóteses que justificam a utilização de dados pessoais não
sensíveis, e, no art. 11, as hipóteses que autorizam o uso dos dados pessoais
classificados como sensíveis.
A escolha da base legal deve ser feita pelo
controlador, de acordo com a finalidade específica do tratamento. Por exemplo,
o uso de disparo em massa de mensagens instantâneas com conteúdo de propaganda
eleitoral, a base legal capaz de justificar este tratamento é o consentimento
(art. 7º, inciso I e art. 11, inciso I, LGPD).
Este consentimento deve ser livre, informado, destacado,
específico, por escrito, com possibilidade de revogação em qualquer momento por
procedimento facilitado e gratuito. Ou seja, deve ficar claro para o titular a
razão, o prazo e a forma do tratamento dos dados, e garantir a real opção de
aceitar ou não o tratamento, sem qualquer consequência negativa.
Outro ponto importante é que o consentimento não
pode ter a sua finalidade desviada. Se ele foi obtido para a participação em um
evento do partido, os dados não poderão ser utilizados para outras finalidades,
como o encaminhamento de mensagens eletrônicas. Para esta outra finalidade,
será necessário um outro consentimento específico.
Cabe ao controlador a responsabilidade de comprovar
que o consentimento foi obtido de acordo com a LGPD, por isso é importante o
registro desta documentação.
Outra base legal que também deverá ser utilizada
pelos partidos políticos é o cumprimento de obrigação legal. A Lei nº 9.096/95
determina que os partidos devem inserir os dados de seus filiados(as) no
sistema da Justiça Eleitoral. Do mesmo modo, os partidos têm acesso às
informações dos seus filiados(a) constante no Cadastro Eleitoral da Justiça
Eleitoral. Nesse caso, cabe ao partido informar em seu aviso de Privacidade e
Proteção de Dados esse tratamento.
Outra base legal passível de utilização no contexto
eleitoral é o legítimo interesse previsto no art. 7º, IX, da LGPD. Todavia,
esta base não autoriza o tratamento de dados pessoais sensíveis e não pode se
sobrepor aos direitos e liberdades fundamentais do titular. Trata-se de uma
base que exige cuidado, sendo indicado a elaboração de um relatório de impacto
para aferir a proporcionalidade entre os interesses do agente de tratamento e
os direitos e legítimas expectativas dos titulares.
Os agentes de tratamento também devem observar os
princípios previstos na LGPD, em especial o da finalidade, adequação e
necessidade. Todo tratamento deve ter uma finalidade específica, legítima,
explícita e claramente informada ao titular. Com isso, os agentes não podem
realizar tratamentos com finalidades incompatíveis com as originalmente
definidas, sob pena de ser configurado o desvio. Atingida a finalidade, como
regra, os dados devem ser descartados ou anonimizados.
Por sua vez, a adequação exige a compatibilidade
entre o tratamento e as finalidades informadas, e a necessidade exige que o
tratamento se limite ao mínimo necessário para atingir os propósitos definidos
pelo agente.
Deve ser lembrado que a legislação eleitoral proíbe
a cessão, doação ou venda de base de dados em favor de candidatas, candidatos,
partidos políticos, coligações e federações, por pessoas físicas, jurídicas e
pela administração pública. A violação desta regra enseja penalização pela
Justiça Eleitoral e também pela ANPD, conforme previsto no art. 31, § 3º, da
Resolução do TSE nº 23.610/2019.
A Resolução do TSE acima mencionada expressamente
determina a observância da LGPD nas campanhas eleitorais. Isso significa que a
não observância da LGPD pode ensejar penalidades tanto no âmbito eleitoral,
quanto perante a ANPD. Assim, as campanhas eleitorais deverão ter a cautela de
informar aos eleitores as finalidades que justificam os tratamentos de dados,
identificar o agente controlador, indicar os tipos de dados tratados, os prazos
do tratamento, as medidas de segurança adotadas para evitar incidentes
envolvendo os dados pessoais, bem como garantir meios para que os titulares
possam exercer os seus direitos previstos no art. 18, LGPD.
Estas informações devem ser levantadas através do
Registro de Operações de Tratamento de dados pessoais (art. 37, LGPD) e
divulgadas nas políticas e avisos de privacidades e proteção de dados dos
agentes de tratamento. Portanto, os partidos políticos, candidatos(as) e
coligações precisam desenvolver um Programa de Governança e Privacidade para
que a campanha eleitoral não gere a aplicação de multas administrativas e/ ou
processos judiciais.
Juliana Callado Gonçales - sócia do Silveira
Advogados e especialista em Direito Tributário e em Proteção de Dados www.silveiralaw.com.br
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