Recentemente, durante um programa pelo YouTube, o
entrevistador defendeu a possiblidade de um partido nazista no Brasil. Em
seguida à sua demissão, houve uma saudação nazista em outro programa, como
forma de apoio. Essas gravíssimas situações renovam a importância desta
reflexão. A liberdade de expressão representa um direito fundamental de grande
importância e que deve ser tomado a sério, mesmo no contexto de humor.
Estabelecer critérios para seu exercício é uma tarefa bastante complexa, sobretudo
porque a censura também é perigosa, porém, não se pode admitir que sob a capa
da liberdade de expressão se procure proteger o discurso de ódio.
No Brasil, adota-se a premissa de que as diferentes
formas de expressão – texto, imagem, peça de teatro, filme, post em rede
social, vídeo no YouTube etc. – devem ser protegidas mesmo quando possam
desagradar ou ofender. A regra é a liberdade de expressão, e sua rara
restrição, é a exceção. Como diz a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de San José da Costa Rica), o discurso “não pode estar sujeito à censura
prévia, mas a responsabilidades ulteriores”. A Constituição brasileira, ao
valorizar a liberdade de expressão, a equilibra com a possibilidade de
reparação por danos e o direito de resposta.
Com os desafios impostos pela velocidade da
internet, a violação de direitos humanos e fundamentais exige um direito atento
aos desafios no mundo digital, afinal, a proteção se estende para as redes
sociais, canais de internet e o metaverso.
A regra é a liberdade, mas não irrestrita. As raras
ocasiões em que a liberdade de expressão é abusada, no entanto, exigem atenção
redobrada. Nos tribunais brasileiros e na Corte Europeia de Direitos Humanos,
entre as situações em que a manifestação não é admitida estão a divulgação de
informações falsas - as famosas fake news, o discurso de ódio dirigido
a certo grupos, o qual se desdobra em xenofobia, racismo e intolerância
religiosa, e o ataque a instituições que comprometa a democracia.
Vale lembrar que o direito à crítica, e até mesmo à
sátira, é valorizado, porém, observa-se as intenções e finalidades da mensagem,
que mesmo embalada como humor, deve respeitar direitos fundamentais. A Corte
Europeia de Direitos Humanos, ao julgar o Caso Dieudonné, ressaltou que a
apresentação desse suposto artista “desviava a finalidade da liberdade de
expressão, para fazer prevalecer fins contrários ao texto e ao espírito da
Convenção e que, se admitidos, contribuiriam para a destruição dos direitos e
liberdades garantidos pela Convenção”. É isso que se constata no discurso de
Monark ao defender a viabilidade de um partido nazista.
A fala no programa do YouTube, em que se levantou a
possibilidade de um partido nazista no Brasil, ofende não apenas a memória de cerca
de milhões de vítimas do Holocausto, dos sobreviventes, mas também a essência
da Constituição brasileira e dos direitos fundamentais. A crítica é da essência
da democracia, mas não o discurso em prol de sua destruição, da discriminação
ou da morte de pessoas. Liberdade de opinião não é, e nunca pode ser, apologia
à crueldade, à dor e à morte.
Gabriel
Schulman - doutor em Direito pela UERJ e professor do mestrado em Direito da
Universidade Positivo (UP).
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