Os eventos climáticos registrados no sul da Bahia ao final de 2021, e no estado de Minas Gerais no início deste ano confirmam as estimativas do relatório da ONU – Atlas of Mortality and Economic Losses from Weather, Climate and Water Extremes – que aponta as enchentes como a maior ocorrência (59%) dentre os desastres naturais registrados na América do Sul. Das 10 principais catástrofes verificadas na região na última década, nove foram inundações causadas por fortes chuvas.
O mesmo estudo, apresentado em setembro de 2021 pela World Meteorological Organization (WMO), das Nações Unidas, revela que desastres naturais – causados ou não pela alteração do clima – se tornaram cinco vezes mais frequentes e intensos nos últimos 50 anos.
Os cientistas, meteorologistas e ambientalistas
ouvidos no estudo da WMO alertam para ondas de calor extremo, incêndios
florestais e grandes inundações decorrentes de chuvas como as principais
ameaças à população mundial nos próximos anos. Observa também que estes eventos
não estão mais restritos a regiões tropicais do planeta. No ano passado, por
exemplo, cidades inteiras no oeste da Alemanha foram arrasadas pela força das
enxurradas provocadas por temporais incomuns para aquele país.
De acordo com a pesquisa, nas últimas cinco décadas, foram mais de 11 mil
desastres naturais no planeta, vitimando 2 milhões de pessoas (+90% em países
em desenvolvimento) e gerando perdas econômicas da ordem de US$ 3,64
trilhões. A China (com 577 ocorrências) e os Estados Unidos (467) lideram os registros
mais recentes, entre 2000 e 2019. Já a região onde mais se mais concentram
estas ocorrências – sejam elas de origem climática, geológica ou hidrológica –
é a Ásia-Pacífico: oito dos dez países mais afetados estão nesta localização
geográfica.
Tecnologia para prevenir, remediar e recuperar
Na esteira destes eventos, surgem empresas, startups e iniciativas governamentais focadas no desenvolvimento das chamadas "disaster technologies" (D-techs): as tecnologias para prevenir desastres naturais, remediar o seu impacto e recuperar as localidades e populações afetadas.
O êxito que vem sendo obtido pelas D-techs está
demonstrado no mesmo estudo do WMO de setembro passado. Nos anos 1970, cerca de
50 mil pessoas perderam a vida em razão destas ocorrências naturais. Na década
passada, foram 20 mil, devido ao aprimoramento de todo um ecossistema de
informações geradas multilateralmente e que colabora na qualidade e no tempo de
resposta das autoridades diante de situações críticas.
Algumas destas tecnologias merecem uma observação mais atenta, como drones;
mobile Vulnerability Analysis and Mapping (mVAM),
tecnologia utilizada para coletar e agregar dados junto a populações em
vulnerabilidade; Noble Intelligence, um algoritmo de
inteligência artificial que integra imagens de satélites, dados geoespaciais e
outras informações para avaliar determinadas situações em curtíssimo prazo; Sensores
sísmicos de baixa frequência; Flood Forecasting,
modelo de previsão de inundações a partir da combinação de AI, machine
learning e satélites meteorológicos; NASA Finder:
um dispositivo do tamanho de uma bagagem de mão, capaz de detectar o batimento
cardíaco humano sob 6 metros de concreto sólido ou 9 metros de escombros, lama
ou detritos e, Serval Project, um sistema de
comunicação mobile que permite que aparelhos celulares estabeleçam contato
mesmo fora da área de cobertura ou quando a rede local está inoperante, como em
casos de catástrofes naturais de grande porte.
Década de oportunidades
Embora preocupante do ponto de vista ambiental, a década de 2020 também poderá
ser lembrada como aquela que estimulou a criação de recursos tecnológicos e
inovações capazes de colaborar no embate ante às mudanças climáticas em
diferentes abordagens, bem como mitigar o impacto negativo delas na sociedade e
no planeta.
Inclui-se, por exemplo, a necessidade de contar com infraestruturas de TI absolutamente seguras, confiáveis e de alto desempenho a fim de suportar essa imensa carga de dados, informações, imagens, análises das mais diversas fontes que municiarão as autoridades governamentais e agentes públicos e privados na linha de frente do enfrentamento ao aquecimento global.
Os próprios data centers precisarão contar com recursos de proteção de nível máximo ante às mesmas ameaças naturais que ajudarão a combater. Alagamentos, desmoronamentos, interrupção de fornecimento de energia, tempestades elétricas e outras situações que precisam ser evitadas pois afetam a disponibilidade do centro de dados, colocando em risco, assim, toda a cadeia de informação que ele sustenta.
A transição energética da economia e das atividades humanas também está no bojo deste grande processo de desaceleração do aquecimento do planeta. Descarbonizar o transporte público, por exemplo, não se resume apenas a substituir motores movidos a combustível fóssil por propulsores elétricos. É preciso compreender, por meio da ciência de dados, onde, como e quando realizar a mudança, a fim de não prejudicar a qualidade do serviço prestado às pessoas e garantir o cumprimento do seu objetivo prioritário: a diminuição das emissões de gases do efeito estufa nos centros urbanos.
Também será preciso o desenvolvimento de novos
processos industriais, agrícolas e sistemas logística de baixo impacto ambiental.
Tudo isso sem mencionar o estímulo aos novos hábitos de consumo da população
mundial, com o intuito de reduzir o desperdício de recursos naturais e o volume
de resíduos. Tudo isso ajudará a tornar os efeitos dos desastres naturais menos
onerosos às populações dos países e ao próprio planeta.
Há, portanto, um enorme potencial para as D-techs – como fora com as fintechs e
medtechs – na criação de oportunidades até 2030, sobretudo para aquelas
empresas e organizações que queiram propor tecnologias efetivas para este fim:
colaborar para melhorar o bem-estar das pessoas e a resiliência das cidades
antes, durante e depois de eventos climáticos críticos.
Roberta Cipoloni Tiso - diretora de Marketing e
Sustentabilidade da green4T
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