Muitas vezes o machismo e brincadeiras enraizadas de preconceito são consideradas normais, banalizando o que era para ser o modelo correto para os pequeninos
Importante
reflexão a ser feita refere-se à forma como estamos criando as nossas crianças
e adolescentes no que tange aos valores humanos. Tal ponderação é fundamental
para o tipo de futuro que queremos para o nosso País e para o nosso mundo.
Muitas
vezes, sob a capa de um moralismo hipócrita, pais acabam por repassar valores
distorcidos sobre o que vêm a ser respeito e aceitação do próximo.
Exemplifico
com uma situação presenciada por mim: certa vez, em um ambiente de
confraternização com alguns amigos em um bar na zona sul do Rio de Janeiro,
após a entrada de um casal homoafetivo no recinto, ouvi de uma mulher que
estava na mesma mesa que eu que aquilo ali (referindo-se ao casal homoafetivo)
era um “mau exemplo” para o seu filho de 10 anos que estava em fase de
crescimento e que poderia se confundir sobre o que é “normal” ou não.
O
casal homoafetivo apenas havia entrado de mãos dadas. Nada mais. E a mulher
virou-se para o filho e disse: “Essas pessoas não são normais. Jamais siga o
exemplo delas. Homem tem que ficar com mulher e não com outro homem”.
E
por conta de suas opções sexuais aquelas duas pessoas não poderiam ser
consideradas “normais”? A conduta de uma mãe não deveria ser exatamente a de
ensinar ao seu filho que no mundo há diferenças e que nós devemos respeitar a
todos, independentemente de cor, sexo, religião, orientação sexual e outras
características?
Não
basta que a nossa Constituição Federal preveja que o Brasil tem como objetivo
promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. Precisamos ir além. É necessário que
as pessoas entendam o verdadeiro significado das palavras “respeito” e
“diversidade”, para que consigam transmitir isso aos seus filhos.
Ademais,
o próprio Supremo Tribunal Federal, a partir da cláusula inclusiva do artigo
226 da Constituição Federal, instrumentalizando o fundamento da Dignidade da
Pessoa Humana, já reconheceu que as uniões homoafetivas são entidades
familiares, adotando entendimento contrário do que aquela mãe quis passar ao
seu filho.
Os
preconceitos já impregnados, você sabe lidar com eles?
Outro
aspecto preocupante são os paradigmas de outrora, que hoje já perderam a sua
razão de ser, e mesmo assim continuam sendo repassados para as nossas crianças.
Exemplifico,
mais uma vez, com situação presenciada por mim: ao visitar uma família de
amigos me deparei com a filha do casal de quase dois anos vestida com uma roupa
com o seguinte dizer: “Desculpe, meninos, papai só me deixa casar depois dos
30”. A outra filha do casal de 10 anos leu a mensagem na blusa da irmã em voz
alta e seus familiares riram achando a situação “fofa”.
Ora,
a mensagem na roupa da criança nitidamente remontava à sociedade patriarcal
discriminatória, quando o homem chefiava a família sob o pálio do pátrio poder,
subjugando a esposa e as filhas mulheres. Na atualidade, o nosso Ordenamento
Jurídico consagra a igualdade substancial no plano familiar, excluindo todo e
qualquer tipo de discriminação decorrente do estado sexual.
Ademais,
quem disse que a menina necessariamente irá desejar casar-se no futuro? E se
quiser casar, quem disse que terá que ser obrigatoriamente com um homem? Ela
não poderá optar por ficar sozinha ou, então, por casar-se com outra mulher?
A
frase na blusa infantil ainda se baseia em estereótipos machistas e retrógrados
de que toda mulher tem que casar com um homem. Felizmente, na atualidade, como
consequência da luta árdua das ondas dos movimentos feministas, as mulheres
podem casar com quem quiserem e se assim quiserem.
Talvez
aquela família nem tivesse noção do conteúdo ultrapassado e pejorativo da
mensagem na roupa daquela menininha. A intenção talvez fosse apenas fazer uma
“brincadeira fofa”. E é exatamente aí que mora o perigo, pois os conceitos
preconceituosos estão tão enraizados em nossa sociedade que as pessoas os
consideram “normais”. Então, aquilo que era para ser objeto de combate, acaba
passando despercebido.
Poderiam
me indagar sob o argumento de que as pessoas têm liberdade para criarem os seus
filhos com os valores que quiserem, e que, portanto, as condutas descritas
acima estariam legitimadas.
Pais:
não neguem a seus filhos a serem o que eles quiserem
É
verdade que na atualidade prevalece a intervenção mínima do Estado nas relações
familiares, com a consequente valorização da autonomia privada. Concordo,
ainda, que a família é um espaço privado, não sendo possível impor condutas
atentatórias à liberdade de seus membros.
Entretanto,
entendo que a liberdade concedida aos pais pelo exercício do poder familiar não
possa servir de instrumento para ensinar aos filhos a negarem os direitos
fundamentais de terceiros e de si próprios.
Tantos
outros aspectos precisam ser repensados quando se trata dos valores a serem
repassados na educação de crianças e adolescentes. Poderíamos ficar aqui
traçando uma infinidade de situações que merecem ser revistas para que os nosso
jovens cresçam com uma mente menos preconceituosa e mais inclusiva.
Deixo,
para finalizar, a reflexão para cada um de nós: que tipo de valor estou
transmitindo com o meu exemplo para as crianças e os adolescentes que
porventura me cercam?
Flávia Albaine - Defensora Pública de RO. Mestra em
Direitos Humanos pela Universidade Federal de RO. Professora. Fundadora e
Coordenadora do Projeto Juntos pela Inclusão Social.
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