Eu mesma sofri quando menina, mas naquele tempo tudo se resolvia de pronto, na base do Código de Hamurabi.
Atualmente, a situação é um pouco pior, pois o
ataque psicológico vem muitas vezes por trás de uma tela de computador ou de
celular, com covardia e crueldade, expondo, ridicularizando e menosprezando
particularidades físicas ou intelectuais. É praticamente o mesmo comportamento,
os mesmos ataques repetidos, porém agravados por um “suposto” anonimato.
Cyberbullying é a violência realizada com o uso de
tecnologias da informação em ambientes digitais. Essa prática tem como intuito
ofender, humilhar ou ainda envergonhar e intimidar a vítima da ação. O Brasil é
o 2º país com mais casos de cyberbullying no mundo, segundo o Instituto Ipsos,
ficando atrás somente da Índia.
A falta de compaixão, tolerância e respeito,
conforme consta da lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação, são as
principais características do cyberbullying. Porém, acredito que o fato de os
agressores poderem praticar esse ato sem serem vistos, cria uma falsa sensação
de impunidade. Acham que são super heróis, pessoas acima do bem e do mal e com
todos os direitos e nenhum dever.
Em tempos de pandemia, os casos de cyberbullying
aumentaram de forma exponencial. Em razão disso, as escolas e universidades
estão investindo cada vez mais na capacitação dos seus professores, a fim de
evitar indenizações milionárias contra as instituições educacionais.
Para ser um cyberbullie (valentão, agressor
digital), não é preciso ser o mais forte, o mais popular ou o mais temido do
grupo, agora basta apenas ter acesso a um celular com internet. O poder de
destruição do cyberbullying sobre as vítimas é maior, porque o público, aquela
plateia que "assiste" aos ataques, ultrapassa as fronteiras da escola
e repercute de forma mundial. Isso ocorre porque as ofensas são transmitidas
com grande velocidade para outras esferas de convívio da vítima, como os
amigos, familiares e colegas, conforme consta do manual antibullying feito pelo
Ministério Público de São Paulo.
Além do bullying virtual, outra prática recorrente
na internet e que pode ser grande ameaça a crianças, adolescentes e mulheres em
geral é o cyberstalking (ou, em português, perseguição virtual), em que um
indivíduo ou grupo de indivíduos utiliza a tecnologia para perseguir alguém.
As duas práticas podem ter impacto na
autoestima, autoconfiança e até mesmo na segurança das vítimas, e estão
previstas em lei com penas variadas, que vão de multas a reclusão.
Veja como se proteger:
- Não
responda aos ataques
Quando percebem que suas provocações têm efeitos na
vítima, é possível que os agressores enxerguem nessa reação um estímulo e,
desse modo, invistam cada vez mais na agressão. Embora não responder a essas
intimidações pareça um conselho óbvio e difícil de seguir, essa é uma das
melhores maneiras de desestimular os chamados bullies (quem pratica bullying),
já que a indiferença pode fazer com que eles desistam de seus alvos. Além
disso, outra razão importante para não responder às provocações é evitar
incorrer na mesma prática do agressor, proferindo ofensas e propagando
informações caluniosas como vingança.
- Salve
evidencias
Diferentemente de outras formas de intimidação e
perseguição, o cyberbullying e o cyberstalking costumam deixar rastros pela
forma e pelo meio em que são praticados. Felizmente, esses registros podem ser
utilizados posteriormente a favor da vítima. Nesse sentido, devem ser guardadas
todas as provas dos ataques sofridos — como capturas de telas de mensagens e
ameaças ou ainda a comprovação da instalação de stalkerwares, por exemplo — já
que esses materiais podem ser utilizados em uma possível denúncia ou processo
judicial. Vale lembrar também que é necessário que todos esses registros
mostrem claramente os endereços de e-mail, nomes de usuário ou números de
telefone de que partiram os ataques.
- Peça
ajuda a parentes, amigos e profissionais
Sempre que se sentir atingido por uma agressão,
mais do que apenas buscar auxílio na lei, é importante pedir ajuda a pessoas de
confiança para não precisar lidar com a pressão sozinho.
- Entre
em contato com o suporte das redes sociais
Caso sofra ou presencie ataques partindo de perfis
em redes sociais como Instagram, Facebook e Twitter, por exemplo, é importante
contatar o suporte da plataforma pelos canais de ajuda. Nesse contato, você
deve informar a conduta e o perfil envolvido na prática de cyberbullying ou
cyberstalking, denunciando a conta do agressor.
Após reportar uma prática de cyberbullying, também
é importante denunciar e bloquear o perfil envolvido na ação, para evitar que o
agressor entre em contato com novas intimidações. Vale lembrar, no entanto, que
os assediadores têm a prática comum de criar mais perfis falsos para realizar
intimidação sistemática, o que pode gerar um ciclo sem fim de bloqueio e
surgimento de perfis. Por isso, é importante reunir todo o acervo de provas necessário
para denunciar e comprovar a prática reiterada de abusos.
- Caso
nada funcione, use a lei a seu favor
A prática de cyberbullying pode se enquadrar em
crime contra a honra, previsto nos artigos 138 a 140 do capítulo IV do Código
Penal brasileiro. Para ele, já existe punição no Brasil, com uma pena que pode
ser aumentada em casos que envolvam crianças ou adolescentes.
Além disso, desde 2018 o Código Penal também prevê,
em seu artigo 218-C, punição de um a cinco anos de reclusão para quem oferecer,
transmitir, publicar ou divulgar, sem o consentimento da vítima, fotos, vídeos
ou qualquer outro tipo de mídia que contenha, por exemplo, cena de sexo, nudez
ou pornografia. Essa pena pode ser aumentada caso o crime envolva menores de
idade e/ou mulheres.
Ainda se tratando de bullying, há a Lei 13.185, de
2015, que instaurou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática. Nela, são
caracterizados atos de violência física ou psicológica, intencionais e
repetitivos, praticados por indivíduos ou grupo, contra uma ou mais pessoas,
com o objetivo de intimidá-las ou agredi-las — como, por exemplo, o bullying. O
texto legal determina que escolas, clubes e agremiações recreativas desenvolvam
medidas de conscientização para prevenção e combate à prática.
Por fim, a Lei 14.132, sancionada em março de 2021,
acrescentou ao Código Penal a previsão do crime de perseguição, que inclui a
prática de cyberstalking. Caso haja condenação, ele pode render ao infrator
multas ou ainda penas de reclusão com períodos que variam de seis meses a dois
anos.
Vale lembrar, no entanto, que, para que essas
legislações sejam colocadas em prática, é necessário que seja buscada ajuda. A
vítima ou seu representante legal — em caso de menores de 18 anos ou incapazes
— tem de declarar às autoridades que quer que o agressor seja investigado e
processado.
Como perceber os sinais em crianças e adolescentes?
Crianças e adolescentes às vezes têm dificuldades
de se abrir sobre casos de bullying ou stalking sofridos na Internet.
Oscilações de humor abruptas, dificuldades para
dormir, perda de apetite e desinteresse por atividades cotidianas são algumas
das alterações que podem indicar um possível caso de cyberbullying. Além disso,
exclusão repentina de perfis nas redes sociais ou falta de vontade de participar
de aulas e eventos sociais também podem significar que há algo de errado nesse
sentido.
Por isso é importante que pais ou responsáveis
mantenham um diálogo aberto com seus filhos, buscando entender que tipo de
conteúdo eles consomem.
Ana Cláudia Cardoso Braga - militante em Direito Digital e advogada da Toledo e Advogados
Associados.
Toledo e Advogados Associados
http://www.toledoeassociados.com.br
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