Para Sérgio Zanetta, que também é professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo – SP, o avanço da vacinação é um dos fatores que podem “salvar” o País de um segundo ciclo do Coronavírus
O
atual cenário da Covid-19 na Ásia e na Europa, que tem levado alguns países a
retomar o lockdown e o distanciamento social em consequência do segundo ciclo
do Coronavírus, faz ganharem forças as dúvidas no Brasil acerca da realização
de festas de fim de ano e, em seguida, do Carnaval – além da possibilidade de
ser suspendida a obrigatoriedade do uso de máscara em alguns Estados.
O
médico sanitarista e professor de Saúde Pública do Centro Universitário São
Camilo – SP, Sérgio Zanetta, acompanha de perto os avanços da Ciência em
relação ao Coronavírus, bem como os efeitos da vacinação e das medidas
sanitárias adotadas – ou não – pelo Governo Federal.
Confira
a análise do especialista sobre as possibilidades que acompanham a progressão
da pandemia em 2022:
Esse
segundo ciclo do Coronavírus poderá chegar ao Brasil? Quando?
“Nós
temos aprendido com o Coronavírus que outros países, dado o seu regime de
temperaturas e estações do ano, em certa medida, antecedem grandes movimentos
do vírus. A Europa está vivendo um momento de expansão da contaminação, de um
novo ciclo, com novas medidas de restrição e é preciso que a gente esteja
atento e aprenda como e por que isso está acontecendo.
Um
novo pico pode chegar ao Brasil, em consequência das grandes aglomerações de
festas de fim de ano e férias, e nós podemos viver um início de 2022 com algum
nível de estresse do sistema de saúde e novas preocupações com uma possível
alta de transmissão da Covid, porque há razões pra isso. Essa doença não tem um
curso previsível, ela tem resistido a ser controlada, porque não há uma ação
mundial efetiva pra isso. Nós temos boas vacinas, mas a imunidade não dura
muito, e temos a necessidade permanente, até o controle total, do uso de
máscaras.
Algumas
pessoas acham que o maior problema da pandemia e suas limitações é o uso de
máscaras, mas não. As máscaras vieram pra ficar. Nós vamos ter que proteger a
sociedade por muito tempo contra novos surtos. Então nós podemos viver o que a
Europa está vivendo hoje, com o fim do verão e o início do outono, e
provavelmente com a chegada do inverno agora. Há cidades anunciando a volta do
Carnaval. Imagine uma multidão de milhões de pessoas muito próximas na rua e
sem máscara. Isso pode ser o que a gente chama de 'tempestade perfeita' para
facilitar a vida do vírus, para que ele possa se transmitir e causar um novo pico
muito preocupante e perigoso.”
A
liberação do Carnaval em algumas cidades e a aproximação das festas de final de
ano e das férias de verão, quando muitas pessoas viajam para o exterior,
poderão favorecer para que a nova onda de Coronavírus se instale no Brasil?
“Esta
é a grande ameaça. Nós temos a seguinte situação: veja o sucesso da vacina.
Conseguimos deixar de ter mortes por Coronavírus em São Paulo e em outras
cidades, temos redução no número de casos, tudo isso pelo efeito protetor da
vacina. Nós já percebemos que esse efeito precisa ser renovado a cada cinco ou
seis meses. Os países europeus e norte-americanos também estão reforçando
isso.
Nós
percebemos que uma pessoa mesmo vacinada também pode transmitir o Coronavírus,
então se ocorrer o encontro de muitas pessoas, mesmo vacinadas, sem proteção de
máscara, é possível que haja transmissão. Os casos graves são menos frequentes
entre os vacinados, mas ainda ocorrem.
Quando
acontecerem as grandes festas de fim de ano, como as pessoas costumavam fazer
antes, é uma grande oportunidade de aglomeração e de troca de aerossóis, e é
através dessa troca que o vírus aproveita para se transmitir. Nós podemos ter
ainda uma nova variante que surja nesse período. As variantes continuam a ser
produzidas, principalmente nos países que têm alta transmissão.
O
nosso sucesso é relativo, e esse sucesso deve-se muito mais à nossa
homogeneidade na vacinação, dada por uma cultura de vacina e pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) do que propriamente por medidas governamentais contemporâneas
firmes e consistentes. Nós infelizmente não temos podido contar com lideranças
lúcidas, e isso sempre nos dificultará. Então existe a possibilidade de um novo
pico e, se tudo acontecer como as pessoas estão anunciando, ele pode ocorrer
logo no início do ano, pouco antes ou depois do Carnaval.”
Quem
são os mais atingidos na Europa e na Ásia pelo novo ciclo do Coronavírus?
“Os
países europeus estão enfrentando um processo semelhante aos dos americanos, e
têm certa resistência à vacina. Eles não têm uma cultura de vacinação como a do
nosso país.
Dada
a pujança do nosso SUS, que surgiu em 1989, com a democratização do Pais, nós
conseguimos construir uma convicção verdadeira na população de que as vacinas
são úteis e salvam. Além disso, para se ter ideia, nós temos 40 mil equipes de
Saúde da Família espalhadas pelo Brasil, em cinco mil municípios e 40 mil
postos de vacinação e de atendimento fixos, que cobrem diretamente 160 milhões
de pessoas. Nenhum país tem essa cobertura com essa dimensão, exceto o Reino
Unido, que tem um serviço nacional de Saúde bem organizado.
Os
demais países têm sistemas voltados para a assistência, que são bons, mas não
têm a cultura de vacinação tão intensiva com a nossa, e têm de fato alguma
resistência. Os países do sul da Europa têm tido mais sucesso no controle da
Covid pelos altos níveis de vacinação. Lá, eles têm menos resistência às
vacinas.
A
Ásia, por sua vez, tem uma população gigantesca e também tem dificuldade [para
vacinação.”
O
portal Our World in Data,
vinculado à Universidade de Oxford, divulgou que o Brasil ultrapassou os
Estados Unidos na vacinação da população contra a Covid-19. Hoje temos 58,8% de
brasileiros imunizados, enquanto nos Estados Unidos esse índice é de 57%. O
país norte-americano, que representa o principal destino de turismo receptivo
do mundo, foi ultrapassado por outros 54 países. O que isso representa em
termos de saúde pública global?
Três
coisas importantes. A primeira é que o Brasil tem um sistema de Saúde que,
apesar de suas dificuldades, com as quais ele foi construído nos
últimos 30 anos, o SUS se firmou como uma alternativa fundamental. E esta
cultura que o SUS construiu na sociedade tem sobrevivido inclusive às campanhas
negacionistas de autoridades públicas, a ponto de que no Brasil até os
negacionistas tomam vacina, mesmo que seja escondido, porque sabem da
importância dela.
Nos
Estados Unidos há um grande movimento que influi diretamente nas pessoas para
não tomarem vacina, o que tem sido uma catástrofe. O país tem cinco doses de
vacina para cada habitante estocadas no território americano. O Brasil
ultrapassou os Estados Unidos, mas só não andou mais rápido porque nós ainda
não temos vacina suficiente pra vacinar rapidamente a população. As doses estão
chegando, mas somente o suficiente para vacinar 58,8% da população. Se o
Governo Federal tivesse comprado vacinas no tempo certo, e elas tivessem sido
entregues, nós iríamos vacinar toda a população antes do fim deste ano.
Apesar
de passarmos os Estados Unidos, o que comemoramos porque, de fato, é uma
vitória da lucidez contra as trevas, ainda assim é um resultado muito aquém do
que poderíamos obter. Precisamos ainda de mais vacinas. As autoridades não
podem ficar disputando quem vai ser feliz primeiro sem ter toda a população
brasileira vacinada, e temos ainda que aplicar a terceira dose na população.
Então, a perspectiva é ainda de muito trabalho e muito cuidado. Não é adequado que
a gente programe aglomerações sem proteção neste final do ano e no próximo ano.
É
possível abrir cinemas e teatros, garantindo que todos estejam de máscara e
vacinados dentro da sala de encontro coletivo? É possível. Isso protegerá uma
onda de transmissão que pode atingir a todos nós.
Com
prudência, cuidados e alegria, conseguimos ter tido aprendizado e hoje podemos
caminhar com passos mais leves. Temos menos mortos, mais pessoas protegidas e
sabemos como protegê-las: com vacina, máscara e evitando locais com aglomeração
e troca de aerossóis. É possível retomar progressivamente a vida, com cuidado e
com olhos e ouvidos atentos ao que está acontecendo e tem sido registrado pela
Ciência também em outros países.”
O
avanço da vacinação no Brasil pode frear a disseminação do segundo ciclo do
Coronavírus em nosso país? O senhor pode apontar as tendências neste cenário da
Covid-19 para o Brasil em 2022?
“O
avanço da imunização, se conseguirmos manter o ritmo e vacinar 100% da
população, e iniciarmos rapidamente a vacinação de crianças, essa é a forma de
controlar o grande fluxo da pandemia. Foi o que aconteceu com a variável Delta.
O rápido impulso da vacinação e alguma imunidade adquirida pelas pessoas que
tiveram a doença impediram a expansão ou a gravidade da entrada da Delta no
Brasil. Hoje essa é a variante prevalente, mas a Delta encontra um país onde a
vacinação foi mais homogênea.
Os
Estados Unidos e a Europa têm muitos buracos na vacinação de faixas etárias
mais vulneráveis, o que gera oportunidade para a transmissão do vírus e o
agravamento da doença. Então, dada a nossa estrutura vacinal e o nosso modelo
de sistema de Saúde, nós tivemos mais sucesso inclusive em conter a entrada da
variante Delta.
É
possível que, mantendo a vacinação em alta e controlando grandes eventos de
aglomeração sem proteção, a gente consiga não viver um novo pico nos níveis que
nós vivemos no começo de 2021, que foram dramáticos e trágicos, com três mil
mortes por dia, o que é insuportável. Então, com essas medidas isso se controla
muito, com algumas restrições e 'algum juízo'.”
Para
ouvir a análise completa do médico
sanitarista e professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo –
SP, Sérgio Zanetta, acesse o link do podcast da Agência
de Notícias em Saúde do Centro Universitário São Camilo:
https://open.spotify.com/episode/32FS3SWWSTtSOBH2kZkN7P?si=9xROPrmwQs2tCCtyer0ohw
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