Todo efeito econômico possui um efeito jurídico acoplado. Neste sentido, o papel do Estado se torna fundamental para uma adequada regulação financeira do país. No entanto, tudo isso tem sido colocado à prova desde o surgimento das criptomoedas, em 2008, logo após a crise dos bancos norte-americanos, que revelou toda a fragilidade do sistema financeiro.
Hoje, especula-se que já existam mais de 6 mil
criptomoedas – cerca de 30 vezes mais que as moedas emitidas pelos governos.
Quase todos os dias surge uma nova, agora com apelos mais sustentáveis, visto
que o volume de energia necessário para a mineração tem acendido o alerta para
questões ambientais. Segundo o site Coin Market Cap, o valor somado de todas as
criptomoedas era de US$ 1,44 trilhão no mês de julho desse ano. Só o Bitcoin
representa 47% desse total.
O Brasil vem se destacando nesse cenário. Segundo
um levantamento da Hashdex, realizado em setembro, existiam 325 mil
investidores de criptomoedas no Brasil – número quase
1.000% maior que o de setembro de 2020, quando os investidores eram apenas 30
mil.
Quase a totalidade desses investidores, o fazem
como uma alternativa ao mercado financeiro tradicional. Esses valores, em sua
maioria, são destinados às reservas financeiras pessoais, deixando de lado
opções tradicionais do mercado, como poupança, renda fixa ou mesmo ações.
O volume negociado já é tão alto que a quebra do
sistema de criptomoedas geraria um grande impacto financeiro a milhares de
pessoas no mundo todo. Há o risco de empobrecer nações inteiras.
Nesse contexto, a regularização é um debate urgente
e inadiável. Há uma revolução no sistema monetário mundial em curso e
precisamos falar sobre isso. O governo precisa estar atento às necessidades de
segurança jurídica dessas relações de troca e de pagamento realizadas por meio
de ativos digitais.
Ainda que o Banco Central do Brasil não tenha
sinalizado nenhuma ação sobre o tema, já há no Senado e na Câmara dos Deputados
projetos de lei com o objetivo de criar uma legislação sobre o mercado e formas
de aceitação de criptomoedas na economia brasileira – algo que já é feito em
alguns estabelecimentos, mas ainda de forma muito tímida e isolada.
Mas, fato é que estamos longe de um debate
coerente, que deve ser global e não apenas local. As criptomoedas são emitidas
e comercializadas de forma transnacional, o que demanda um esforço universal
para estabelecer regras que confiram mais segurança jurídica – contudo, sem
criar restrições em excesso, que poderiam inibir as inovações num segmento que
vem conquistando cada vez mais adeptos.
Alguns movimentos já podem ser vistos em outros
países. Em outubro de 2012, o Banco Central Europeu (ECB) apresentou uma
definição estrita de moedas virtuais que as classifica como “um
tipo de dinheiro digital desregulado, que é emitido e usualmente controlado por
seus desenvolvedores e utilizado entre membros de uma comunidade virtual
específica”.
O primeiro posicionamento nos EUA sobre
criptomoedas foi em 2013, com a publicação de uma orientação interpretativa
sobre como moedas virtuais poderiam ser enquadradas no US Bank Secrecy
Act, a lei que rege o funcionamento das instituições financeiras no país.
Na China, a propriedade ou a
transferência de criptomoedas não são proibidas. Contudo,
em maio desse ano, diversas províncias ordenaram o banimento de atividades
relacionadas a mineração de criptomoedas. Por outro lado, em junho de 2021, El
Salvador aprovou um projeto legalizando apenas o Bitcoin. A justificativa é a
de impulsionar o crescimento econômico do país, obedecendo a critérios exclusivos
de livre mercado.
As escassas reflexões evidenciam que ainda temos um
longo caminho pela frente. A regulamentação garantirá não somente mecanismos
mais adequados para leis de tributação, mas principalmente para prevenir
esquemas de lavagem de dinheiro, corrupção e até ações terroristas. É preciso
supervisionar e fiscalizar quem emite e intermedia a economia das criptomoedas
a fim de garantir mais segurança jurídica aos consumidores, que hoje se
encontram numa situação de extrema vulnerabilidade e alto risco.
Jayme
Petra de Mello Neto - advogado do escritório Marcos Martins
Advogados e especialista em Direito cível e societário.
Marcos
Martins Advogados
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