Outubro sempre foi um mês especial para mim. Foi em outubro que conheci meu marido, que me casei, que fiquei sabendo que seria mãe pela primeira vez, que tive meu segundo filho, mas também o mês, um Outubro Rosa, que descobrimos um câncer de mama invasivo em minha única irmã.
Como acontecem com as
grandes catástrofes, nunca achamos que o câncer iria acometer alguém da nossa
família, afinal, nunca tivemos nenhum caso de câncer na família. Puro engano!
De acordo com o
Instituto Nacional de Câncer, em 2020, foram diagnosticados no Brasil mais de
600 mil novos casos de câncer na população, sendo o câncer de mama a doença
maligna mais comum entre as mulheres, representando 66.280 dos novos casos de
câncer no Brasil.
O câncer de mama tem
origem multifatorial, o que significa dizer que múltiplos fatores contribuem
para seu surgimento: idade, história reprodutiva, taxa hormonal, fatores
nutricionais e alterações genéticas (mutações). Por isso, apesar de saber que
em torno de 90% do total dos casos são esporádicos, sem história na família,
pedi que minha irmã fizesse o exame molecular para verificar a presença de
mutações em seu material genético que pudessem explicar o porquê de o câncer
acometer alguém tão jovem com 37 anos.
Também, por ser
geneticista e saber das implicações que o conhecimento do tipo de alteração
genética poderia ter sobre o seu tratamento e prognóstico, insisti mais de uma
vez na realização do exame alegando que, desta forma, poderíamos prevenir
outros casos de câncer de mama nas mulheres da família.
Entre 5 a 10% de todos
os casos detectados são causados por mutações herdadas, apresentando como
característica a ocorrência da doença, principalmente em mulheres mais jovens.
Os primeiros genes identificados, que quando alterados, aumentam o risco de
desenvolvimento do câncer de mama, foram os genes BRCA1 e BRCA2, ambos
classificados como supressores de tumor. Isto significa que, em sua forma
normal, produzem proteínas que impedem uma proliferação excessiva das células,
que é inclusive uma das características das células cancerosas.
Quando uma mulher tem
uma cópia de um desses dois genes alterados, ela apresenta 80% mais chance de
desenvolver câncer de mama do que uma mulher que não tem mutações, e as suas
filhas têm uma chance de 50% de herdarem a mutação e a mesma porcentagem da mãe
de desenvolverem a doença. Desta forma, temendo não por ela, mas sim por sua
filha e por mim, minha irmã fez o exame molecular, e para nosso alívio, deu sem
alterações. Podemos dizer que foi um pouco de sorte em uma maré de azar ou um
conforto para corações desolados pela doença?
Na verdade, acredito
que foi um sopro de esperança em um Outubro Rosa, mas mesmo se o resultado
tivesse sido positivo, iríamos enfrentar com a mesma força que enfrentamos e
vencemos o câncer na família. Por que digo isso?
Porque se o resultado
fosse outro, ainda teríamos a chance de uma intervenção precoce como forma de
evitar o aparecimento da doença, em mim, em minha sobrinha, ou em minha filha,
seja através de um acompanhamento médico e rastreamento por meio de exames
iniciados mais cedo, sendo mais regulares e frequentes, ou com um melhor
direcionamento clínico sobre qual seria a forma mais adequada de tratamento.
Vocês devem estar se
perguntando, mas como uma alteração genética pode influenciar na forma como se
faz o tratamento? O tratamento padrão não é quimio ou radioterapia e cirurgia,
em alguns casos? Minha resposta é sim, no entanto, os dados genéticos estão
sendo cada vez mais utilizados para que se estabeleça um tratamento
personalizado caso a caso, visto que determinados medicamentos respondem melhor
ou pior de acordo com o tipo de mutações que o paciente apresenta. Essa é uma
área conhecida dentro da genética como farmacogenômica e tem beneficiado muitas
áreas da Medicina, como a psiquiatria e a oncologia, mas esse assunto eu volto
um outro dia para contar.
Antigamente, os exames
genéticos eram muito caros, mas hoje em dia eles estão cada vez mais acessíveis
à população em geral, portanto, vale a pena realizar o exame, com o intuito de
aumentar as chances de cura de uma pessoa que foi diagnosticada com câncer e,
principalmente, verificar se existe o fator genético, pois nossos irmãos e
filhos podem se beneficiar disso, e evitar ou mitigar sofrimentos futuros com a
doença. Ou seja, o exame genético neste caso pode representar um ato de amor
aos nossos familiares.
Neste Outubro Rosa,
independentemente da minha área ser a genética médica, ou a educação médica, a
mensagem final que eu deixo neste texto é: Câncer de mama: diagnóstico e
prevenção precoces são os dois grandes aliados nesta luta!
E para quem está
perguntando sobre minha irmã, ela venceu o câncer, mas não foi párea para a
"GRIPE A" ... coisas do destino.
Liya Regina Mikami - doutora em Genética
pela Universidade Federal do Paraná e University of Nebraska; mestre em
Ciências Biológicas (Biologia Celular) pela Universidade Estadual de Maringá;
graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Maringá. Realizou
estágio pós-doutoral em Genética Molecular Humana no Centre de Recherches du
Service de Santé des Armées (CRSSA), em Grenoble/França. Pós- doutorado em
Ciências da Saúde pela PUC/PR, em andamento. Desenvolve projeto de pesquisa na
área de Genética Humana em Investigação Clínica e Experimental de Doenças
Humanas (Fibrose Cística, Autismo e Fissuras Labiopalatais). Tem experiência na
área de Biologia Geral, com ênfase em Genética, atuando principalmente nos
seguintes temas: genética molecular humana, fissuras labiopalatais, mutações,
autismo, tecnologia do DNA recombinante. Atualmente é professora da Faculdade
Evangélica Mackenzie Paraná (FEMPAR).
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