Depois de várias rodadas de discussão, o Banco Central divulgou as diretrizes gerais para a criação de uma moeda digital brasileira. O assunto tem despertado uma série de dúvidas e desconfianças, mas a pauta pode ser extremamente positiva para a economia do nosso país.
O dinheiro, tal como conhecemos hoje, percorreu um
longo caminho até aqui. O homem primitivo, na busca por satisfazer suas
necessidades individuais, deu início ao escambo, que nada mais era do que a
troca de mercadorias. Esse sistema durou séculos e acabou evoluindo para a
criação de um padrão único para as trocas, como ocorreu com o sal, que
inclusive deu origem à palavra salário.
Já no século VII a.C, foram criadas as moedas, que
representavam valores cunhados em metal. O preço de cada mercadoria passou a
ser estabelecido de acordo com um número específico de moedas que demarcavam a
quantidade necessária para o pagamento de cada bem. Cada reino ou cidade-estado
criou a sua própria, estampando o rosto de monarcas e mantendo um valor
referencial com o Estado – que está lastreado com base na quantidade de barras
de ouro que cada tesouro nacional tem.
Esse mecanismo se manteve praticamente intacto até
agora, com a pequena variação que foi a introdução de cédulas-papel e os
padrões de referência não mais no Tesouro Nacional, mas na Libra, no Dólar, até
quando a tecnologia proporcionou o surgimento das criptomoedas – que, ao
contrário do que muitos pensam, não são moedas, mas ativos digitais criados com
base em algoritmos e recursos de programação. Esses criptoativos não existem
fisicamente, como acontece com o papel-moeda. Baseada numa relação de
confiança, a primeira criptomoeda foi o Bitcoin, minerada por Satoshi Nakamoto,
pseudônimo de seu criador. O objetivo foi lançar uma possibilidade de troca
financeira descentralizada de instituições físicas e sem se submeter a
regulações de um Governo.
O avanço tecnológico por trás do criptoativo chamou
a atenção dos Tesouros Nacionais, que começaram a vislumbrar a possibilidade de
efetivamente introduzir uma moeda digital. A proposta agora é dar mais um passo
na evolução do sistema financeiro mundial. O assunto vem avançando
principalmente em países como a China, que já implementou sua própria moeda, e
os Estados Unidos, que definiu um cronograma até 2025 para lançar sua versão de
Dólar Digital.
Diferentemente dos criptoativos, as moedas digitais
são controladas pelo Estado, ou seja, tem emissão soberana, poder liberatório
das obrigações e circulação forçada, o que significa que ela deve se tornar a
moeda recorrente do país, fazendo com que o Real como temos hoje, simplesmente
deixe de existir para dar lugar ao Real Digital.
Na prática, a desmaterialização da cédula de
dinheiro por meio do chamado dinheiro de plástico, que são os cartões de
crédito e débito, já existe e não representaria uma novidade absoluta.
A diferença é que a moeda digital e o criptoativo,
como o Bitcoin, circulam em meio a uma rede (Blockchain) desregrada e sem
referencial a um Tesouro, fazendo com que haja risco de quebra de confiança dos
seus usuários por não terem um mínimo valor de troca efetivo para aqueles
algoritmos. Com o Real Digital, o risco passa a ser do Banco Central, e o valor
de troca fica potencialmente referenciado ao Tesouro Nacional Brasileiro.
A proposta inclui muitos benefícios, mas também
alguns desafios. O mais favorável deles é impacto no comércio internacional. A
proposta do Banco Central é que a novidade permita a interoperabilidade e
integração, com o objetivo de que ela possa ser utilizada em pagamentos
transfronteiriços. Entretanto, ainda não há certeza sobre a paridade das taxas
de câmbio. Mesmo assim, a facilidade da operação pode beneficiar muito um país
com vocação exportadora como o Brasil.
Além disso, a moeda digital é rastreável, reduzindo
as possibilidades de se fazer lavagem de dinheiro. Outra vantagem é que o
papel-moeda também é bastante caro, já que a impressão de cédulas e de metais
tem um custo alto à União, que simplesmente deixaria de existir com a nova
modalidade. Isso sem falar na redução de assaltos a bancos e comércios, que
ainda são alvos constantes de criminosos.
Por outro lado, o grande desafio está na
operacionalização da nova moeda. O Banco Central ainda não tem todas as
respostas. Por mais que o celular seja um equipamento bastante difundido em
nosso país, é inegável que a população menos favorecida ainda não tem um fácil
acesso a esses aparelhos ou à infraestrutura correlata. Fazer a inclusão dessas
pessoas a um sistema financeiro digital não parece uma equação muito simples de
se resolver.
Apesar das discussões estarem avançando, ainda não
é possível prever quando teremos o Real Digital. O Banco Central promete ouvir
a sociedade por meio de uma série de seminários e eventuais audiências
públicas. Essa etapa deve durar aproximadamente dois ou três meses. Se tudo
caminhar conforme o planejado, o novo sistema financeiro deve entrar em vigor
dentro de dois a três anos. A expectativa é para que os desafios operacionais
sejam superados e o país efetivamente se beneficie de uma moeda mais segura e
menos burocrática.
Jayme
Petra de Mello Neto - advogado do escritório Marcos Martins
Advogados atuando em Direito Civil e Empresarial.
Marcos
Martins Advogados
https://www.marcosmartins.adv.br/pt/
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