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quarta-feira, 7 de abril de 2021

Saber quais são todas opções legais disponíveis é essencial para proteger sua propriedade agrícola, alerta advogado Daniel Neves, em palestra à Secretaria de Agricultura e Abastecimento de SP

Sócio fundador do  Neves, De Rosso e Fonseca Advogados falou sobre contratos bancários do agronegócio, especificamente sobre inadimplemento, execução de garantias e possíveis saídas


O professor e advogado Daniel Neves, mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP e sócio fundador do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados, apontou na palestra “contratos bancários do agronegócio - inadimplemento, execução de garantias e possíveis soluções”, organizada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo nesta semana, medidas relevantes tanto para os credores quanto para quem contrai financiamentos ou empréstimos.

Estar instruído e ter um contrato bem redigido é indispensável. Quando surge um problema, os advogados trabalham a partir do contrato que foi originalmente celebrado, daí a importância de estar bem redigido para a proteção dos interessados.”


Alienação fiduciária

“A CCR, Cédula de Crédito Rural, uma das principais formas de financiamento do agronegócio, autoriza a livre pactuação entre as partes. No entanto, é certo que a maioria das Instituições Financeiras, até para se resguardar diante do montante envolvido nos contratos, exige a contraprestação na forma de garantia. A maioria delas é dada na forma de alienação fiduciária de bem imóvel – que, na maioria das vezes, é a própria terra em que reside e produz. Em caso de inadimplemento e não cumprimento da obrigação no prazo legal, o Banco poderá executar a garantia dada.

A legislação prevê que quando o produtor rural passa a dever uma parcela, a instituição financeira passa a ter o direito de antecipar todo o débito, o que coloca ainda mais em risco a garantia dada.

“Não é da noite para o dia que o produtor rural percebe que por conta de uma geada, praga ou flutuação de câmbio ficará inadimplente”, aponta o advogado. “Quanto mais rápido buscar medidas para minorar o risco de perder a sua garantia, melhor.”


Cartas na mão

O advogado apresentou, em palestra à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, cuja gravação está disponível na conta oficial da pasta no YouTube, três saídas disponíveis ao produtor rural.

 “A questão é pragmática, as opções podem não ser soluções ‘mágicas’, mas é importante o produtor rural saber quais cartas ele tem na mão, que existem alternativas para sair dessa situação, quais são, e a partir daí construir a sua estratégia com o auxílio de especialistas”, argumenta.

 “Sou produtor rural, sei que vou ficar inadimplente, penso, ‘o que posso fazer para evitar o processo?’”, questiona, de forma retórica, Neves.

O produtor rural pode, segundo o advogado orienta, se antecipar ao inadimplemento e ajuizar uma ação de consignação em pagamento, para depositar em juízo o valor que entende devido. Trata-se de uma maneira de afastar o risco do vencimento antecipado do contrato.

 “Essa medida é aplicada quando o produtor quer discutir o valor, mas também em casos nos quais precisa ganhar tempo”, explica Neves. “A principal vantagem do ajuizamento da ação de consignação, no caso de inadimplemento, é que ela acontece antes da judicialização, da dívida.”

 “O produtor rural pode lançar mão de uma segunda opção, entre a intimação pela instituição financeira por inadimplência até o fim do prazo de três dias dados para saldar a dívida, que é realizar o pagamento em juízo do total devido com redução dos honorários a serem pagos em 50%. Ao fim desse prazo de 3 dias, no entanto, se nada for feito pelo devedor, o banco pode executar a garantia estabelecida no contrato.”

 Caso o credor execute o bem dado em garantia e o mesmo recaia o sobre bem em que reside o devedor, poderá esse arguir a sua impenhorabilidade, uma vez que o bem de família é considerado essencial para sua subsistência, bem como a dos seus familiares.

 “É o caso do pequeno produtor que ofereceu como garantia ao banco a pequena propriedade rural onde vive com a família e faz a plantação de onde provém o sustento de todos; se essa terra for tomada, não terá como prover a própria subsistência, além da família ficar sem um teto”, justifica Neves.

“Pode, à primeira vista, parecer contraditório o produtor rural dar sua terra como garantia e depois alegar impenhorabilidade, porém já existem precedentes de decisões favoráveis a esse tipo de ação no STJ, Supremo Tribunal de Justiça.”

Finalmente, uma terceira via apresentada ao devedor surge quando não há o pagamento da dívida no prazo de três dias, mas, após esse período, o credor não realiza a execução da garantia contratual. É dado ao devedor a possibilidade, em sede de Embargos à Execução (que nada mais é do que a defesa do Executado), pleitear a substituição da penhora, ou ao menos realizar parte do pagamento e oferecer outro bem, de menor valor, evitando risco da perda do bem originalmente dado em garantia.

 “Se o financiamento concedido foi, digamos, de R$ 3 milhões, a garantia dada corresponde a esse valor, e o produtor rural já saldou metade do financiamento, ele fica inadimplente, e o banco instala a execução, o produtor pode pedir a substituição da garantia, pois sua fazenda vale mais do que o saldo de R$ 1,5 milhão”, argumenta Neves.

 Ainda nessa mesma defesa, o produtor poderá optar pelo parcelamento judicial da dívida. Reconhecendo sua existência e no prazo dos Embargos à Execução, o produtor poderá realizar o depósito de no mínimo 30% da dívida e parcelar o restante em até seis parcelas.

Finalmente, se o produtor desejar discutir possíveis abusos ou excessos na dívida, mas não deseja manter sua propriedade como garantia da dívida, poderá optar pela contratação do seguro judicial ou da fiança bancária, o que dificultará a recusa do credor, já que, pela lei, o seguro judicial e a fiança bancária se equiparam a dinheiro.

 “O ideal é traçar uma estratégia de acordo com o perfil e a situação financeira de cada produtor rural. Nesse terceiro cenário ele terá que fazer um desembolso para contratar o seguro-fiança, que é caro, mas se ele tem esse dinheiro à disposição, e tem convicção do quanto vale sua propriedade, pode representar uma boa alternativa”, afirma Neves.


Pandemia

Valer-se do judiciário em tempos de pandemia pode ser um problema. Com a pandemia surgindo em ondas, o Judiciário tem sido muito demandado, o que, por sua vez, tem afetado diretamente a tramitação dos processos. Em razão disso, muitas partes tem optado por renegociar seus débitos e créditos de maneira extrajudicial, ou seja, fora do juízo.

“Uma resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão dos prazos nos municípios que adotaram o lockdown”, alerta Neves. “Como nem todos os municípios adotam as mesmas regras de restrição, infelizmente, já se tem notícias de algumas perdas de prazos, por imaginar o profissional advogado que determinada localidade encontra-se em lockdown, quando na verdade as restrições, embora severas, não caracterizam o chamado lockdown. Daí a necessidade de entender bem o que realmente pode ser considerado lockdown.”

Sobre os contratos em si, a situação não difere de outros meios de revisão de financiamento por conta da COVID-19. A simples alegação de que a pandemia trouxe prejuízos e impossibilitou o pagamento das parcelas do contrato não é, por si só, o bastante para sua revisão, sendo necessária a demonstração de que os prejuízos estão diretamente relacionados a ela. O Judiciário entende que cada caso é um caso.

 



Daniel Amorim Assumpção Neves – advogado, mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. É professor titular do programa de mestrado e doutorado da FADISP. É parecerista na área do Direito Processual Civil e sócio fundador do  Neves, De Rosso e Fonseca Advogados. Possui intensa atuação acadêmica no Direito: é professor assistente do Professor Antonio Carlos Marcato nos cursos de graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da USP. É autor de importantes obras do Direito Processual Civil como o Novo CPC Comparado - Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015, editora Método – Forense, em parceria com Luiz Fux; Manual de Direito Processual Civil, editora Método; Manual de Improbidade Administrativa, editora Método; Manual de Direito do Consumidor, editora Método; e Manual de Processo Coletivo, editora Método, entre outras publicações. É autor também do Novo CPC Comentado Artigo por Artigo, editora Juspodivm.


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