Sem data certa
para serem vacinados, 1,5 milhão de brasileiros com câncer fazem parte da
extensa lista de pessoas com comorbidades prevista para uma futura fase 3;
Pesquisas mostram impactos do coronavírus em pacientes oncológicos no Brasil,
quedas no número de exames essenciais de rastreamento e cancelamentos de
condutas terapêuticas
Embora as descobertas científicas no diagnóstico e tratamento do câncer avancem
em todo o mundo, neste Dia Mundial de Combate ao Câncer, lembrado em 8 de
Abril, a pandemia da Covid-19 é a maior preocupação dos especialistas da área.
O medo do contágio foi o principal fator por trás de uma queda alarmante nos
atendimentos oncológicos e, com a segunda onda acontecendo no Brasil, o
problema pode se estender por ainda mais tempo. Um cenário de incertezas e
vulnerabilidade agravado pela falta de perspectiva relativa ao calendário de
vacinação para os 1,5 milhão de brasileiros que atualmente passam por
tratamentos contra tumores malignos, de acordo com o GLOBOCAN 2020 - relatório
da Organização Mundial de Saúde (OMS) que apresenta o panorama mundial da
doença.
Estudo liderado pelo Grupo Oncoclínicas, publicado neste início de ano pelo
Journal of Clinical Oncology (JCO), mostrou que pacientes com câncer tiveram
taxa de mortalidade pelo vírus seis vezes maior se comparada aos números gerais
registrados até aqui. Ao todo, 198 participantes foram pesquisados, sendo que
167 (84%) tinham tumores sólidos e 31 (16%) neoplasias hematológicas (no
sangue). A maioria deles estava em terapia sistêmica ativa ou radioterapia
(77%). A mortalidade geral por complicações de Covid-19 foi de 16,7%, sendo
que, em modelos univariados, os fatores associados à morte após o diagnóstico
de contaminação pelo coronavírus foram tratamento em um ambiente não curativo,
idade superior a 60 anos, tabagismo atual ou anterior, comorbidades
coexistentes e câncer do trato respiratório.
"A análise endossa as recomendações para termos ações que contribuam para
minimizar os riscos de infecção pelo SARS-CoV-2 entre pacientes com câncer e
indica o senso de urgência da vacinação para essas pessoas. Diante do cenário
que vivemos, com altos índices de contaminação e ocupação dos leitos
hospitalares no limite, temos que considerar a inclusão específica dessa
parcela da população no Plano Nacional de Imunização como uma medida importante
para garantir que essa parcela da população tenha sua necessidade priorizada e
respeitada", explica afirma o oncologista Bruno Ferrari, fundador e
presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas.
Vale lembrar que o câncer faz parte da lista de doenças estabelecida pelo
Ministério da Saúde cujo tratamento não pode ser considerado eletivo.
Atualmente, pacientes oncológicos estão incluídos no contingente de 17,8
milhões de indivíduos que compõem uma longa lista de comorbidades feita pelo
Governo Federal, entre as quais também estão contempladas obesidade, diabetes,
cardiopatias e hipertensão, entre outros. Todos devem ser contemplados em algum
momento na chamada fase 3 do Plano Nacional de Imunização. Não há, contudo,
ainda um escalonamento claro de como se dará essa agenda de vacinação,
considerando as especificidades e graus de risco de cada uma dessas doenças
associadas ao agravamento da Covid-19.
Com base nas análises científicas feitas no Brasil e também em outros países, a
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) encaminhou ofício ao
Ministério da Saúde solicitando prioridade na vacinação para quem passa pelo
tratamento contra o câncer.
Pandemia afeta rotina de pacientes oncológicos e adia novos diagnósticos da
doença
Ainda que a OMS ressalte não ser possível ter uma visão apurada neste momento
dos impactos diretos da pandemia na luta contra o câncer, a entidade alerta que
há motivos efetivos para preocupação com as consequências da situação atual
para a oncologia. Essa percepção é reforçada por um levantamento do Movimento
Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), realizado em 2020: mais de 700 pessoas
entre pacientes oncológicos, cuidadores e profissionais de saúde, disseram sentir
o impacto da pandemia na oncologia.
Dos pacientes consultados, 38% afirmaram ter remarcado por decisão própria ou a
pedido da instituição onde realizam acompanhamento de suas consultas com o
especialista e 28% sofreram alterações de agenda para realizar os exames de
acompanhamento da doença. Do lado dos profissionais de saúde, 34% afirmaram que
tiveram pacientes com cirurgias oncológicas adiadas e que entre os tratamentos
mais comuns indicados para tumores malignos, 17% observaram que foram necessárias
remarcações de sessões de radioterapia e outros 15% de quimioterapia.
Dados como estes são alarmantes, já que o tratamento do câncer não deve parar.
"Para o paciente, a interrupção na linha de cuidados pode levar ao
agravamento da doença e de fato reduzir amplamente as chances de cura. Há um
ano estávamos aprendendo a lidar com a falta de conhecimento sobre o novo
coronavírus e, de fato, a ausência de informações precisas acabou gerando uma
onda de adiamentos das terapias por pacientes receosos com uma possível
exposição à Covid-19", destaca Bruno Ferrari.
E o problema não se restringe ao medo de quem depende de tratamento contra
tumores malignos. Outros estudos mostram a mesma tendência negativa com relação
aos exames de rastreamento preventivo e diagnóstico. O relatório Radar do
Câncer, divulgado em março pelo Instituto Oncoguia com informações do DataSUS,
aponta que o volume de biópsias realizadas no país teve uma queda em números
absolutos de 737.804 para 449.275, quando comparados os meses de março a
dezembro do ano passado com o mesmo período em 2019. Isso significa uma redução
de 39% na realização desse procedimento que, apesar de classificado como
eletivo, é essencial para a definição de condutas no combate ao câncer.
"O adiamento nos acompanhamentos médicos de rotina podem ter como
consequência um aumento nos índices de tumores descobertos em fase mais
avançada, o que poderá reduzir as chances de cura em muitos casos. E esse é um
problema de saúde pública que deverá mudar o panorama do câncer, com aumento da
letalidade e reflexos negativos em termos de qualidade de vida dos
pacientes", diz o médico.
Atendimento on-line pode ajudar
O fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas
lembra que apesar de todos os fluxos nos centros de tratamento estarem seguindo
os mais rígidos protocolos para assegurar um ambiente livre de contaminação,
reduzir deslocamentos, aumentar o distanciamento social e o isolamento e manter
as medidas de higiene e o uso de máscaras são fundamentais enquanto não temos
um horizonte de imunização em massa.
Contudo, ele faz questão de alertar não só quem precisa de cuidados médicos
continuados, mas a população em geral sobre a relevância de não descuidar da
saúde: com sintomas ou sentindo algo errado, é preciso procurar um médico.
Neste momento, aconselha: diante do receio de sair de casa para buscar
aconselhamento especializado, há a alternativa de agendar uma consulta remota
para evitar deslocamentos desnecessários.
"Nada substitui uma consulta presencial, mas esses são tempos diferentes
de tudo o que já vivemos e precisamos nos adaptar da melhor forma possível. A
telemedicina tem se provado ser uma grande aliada e, por meio dela, seu médico
sempre saberá indicar, por conhecer suas características, o que é melhor para
você. E se não tiver um profissional de sua confiança, busque sempre a opinião
de um especialista habilitado para que seja possível receber orientações
precisas para o seu caso antes de qualquer tomada de decisão", finaliza
Bruno Ferrari.
O que diz a OMS
A descoberta tardia pelo atraso na realização de exames de rastreamento e a
falta de acesso a tratamentos, especialmente em países em desenvolvimento,
estão entre os aspectos ressaltados pela Agência Internacional de Pesquisa sobre
o Câncer (Iarc, sigla do inglês), entidade ligada à OMS que estima os efeitos
que afetam diretamente os cuidados oncológicos. A organização informou que nas
duas últimas décadas o número total de novos casos de câncer quase dobrou,
saltando de 10 milhões estimados em 2000 para 19.3 milhões em 2020. Além disso,
em todo o mundo, um total de mais de 50 milhões de pessoas compõem o
contingente de pacientes que vivem os chamados cinco anos de prevalência do
câncer atualmente.
As projeções do Globocan 2020 indicam ainda que nos próximos anos há uma
tendência de elevação dos índices de detecção do câncer, chegando ao patamar de
quase 50% a mais em 2040 em comparação ao cenário atual, quando o mundo deve
então registrar algo em torno de 28.4 milhões de novos casos de câncer. Isso
significa que a cada cinco pessoas, uma terá câncer em alguma fase da vida. Nos
países mais pobres, a incidência da doença deve ter um crescimento superior a
80%.
O número de mortes por câncer, por sua vez, subiu de 6,2 milhões em 2000 para
10 milhões em 2020 - uma equação que aponta que a cada seis mortes no mundo uma
acontece em decorrência do câncer. No Brasil, apenas no ano passado, foram
diagnosticados 592.212 novos casos e registrados 259.949 óbitos em decorrência
de neoplasias malignas. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA)
apontam ainda que são esperados ao menos outros 625 mil diagnósticos de câncer
sejam registrados até o final de 2021.
E a tendência é que haja aumento nesse triste ranking, já que a OMS também indica
que a pandemia trará como consequência mais casos de pacientes com câncer em
estágio avançado por conta dos atrasos na descoberta e tratamentos de tumores
malignos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário